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A diplomacia perdeu espaço no governo Dilma?

João Fellet

A saída de Antonio Patriota do comando do Itamaraty – a única troca repentina na chefia do Ministério de Relações Exteriores em uma década – expôs a falta de sintonia entre o órgão e a presidente Dilma Rousseff.

Patriota deixou o posto após um imbróglio que envolveu o senador boliviano Roger Pinto, a quem o Brasil concedeu asilo em 2012. Pinto vivia na embaixada brasileira em La Paz há 15 meses, à espera de um salvo-conduto para deixar o país.

O caso teve um desfecho no fim de semana, quando o encarregado de negócios da embaixada, Eduardo Saboia, decidiu transportá-lo num carro oficial da missão até o Brasil. Os governos do Brasil e da Bolívia criticaram a ação de Saboia e disseram que não haviam sido informados dela.

Na segunda-feira, Dilma anunciou a substituição de Patriota pelo embaixador Luiz Figueiredo. Segundo nota oficial, Patriota pediu demissão, mas há relatos de que foi forçado a fazê-lo.

Patriota sucedeu Celso Amorim, atual ministro da Defesa e único chanceler no governo Lula (2003- 2010), quando o Itamaraty alcançou projeção internacional inédita. Naqueles anos, o Brasil expandiu agressivamente sua rede de embaixadas – com foco especial na África –, integrou discussões sobre conflitos no Oriente Médio e ampliou exponencialmente seus programas de cooperação com países subdesenvolvidos.

Segundo analistas, embora Dilma tenha mantido as linhas gerais da política externa de Lula, seu governo tem praticado uma diplomacia muito mais discreta e reservada. Ela tem viajado menos que o antecessor, paralisou a abertura de embaixadas e se afastou de temas internacionais espinhosos.

Perfil e perda de atribuições

Diplomatas creditam parte da mudança de atitude ao perfil da presidente, tida como menos entusiasmada por política externa que Lula. A demissão do ministro, porém, reavivou nos corredores do ministério queixas contra a postura de Dilma em relação à pasta.

Segundo diplomatas ouvidos pela BBC Brasil, a demissão de Patriota se deu num momento em que o órgão perde funções e enfrenta duras restrições orçamentárias, o que teria acelerado o desgaste entre o ministro e a presidente.

"Antes (o Itamaraty) jogava sozinho num picadeiro com poucos atores, hoje tem que se coordenar com uma série de outros órgãos na parte financeira, de comércio internacional, navegação aérea… Então naturalmente há uma diminuição de seu papel", diz o embaixador Marcos Azambuja, secretário-geral da pasta entre 1990 e 1992.

Nas palavras de um diplomata que não quis ser identificado, Dilma quer que os demais ministérios desempenhem suas relações exteriores por conta própria, sem a participação do Itamaraty. "Antes trabalhávamos junto com os outros órgãos."

E, a se confirmar o plano da presidente de reformar a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), anunciado em discurso recente na Etiópia, o espaço deverá se reduzir ainda mais. Hoje controlada pelo Itamaraty e voltada à cooperação técnica, a agência pode deixar o órgão e passar a ter como missão principal o comércio exterior, segundo assessores da Presidência.

Para Azambuja, a perda de atribuições do ministério é um processo normal para um país que ganha projeção e aperfeiçoa seu governo. "O Itamaraty perdeu espaço, mas não influência", disse.

Ele cita duas vitórias da diplomacia nacional nos anos Dilma (ainda que as considere "dividendos" da gestão anterior): as eleições dos brasileiros José Graziano à diretoria-geral da FAO (agência da ONU para agricultura) em 2011 e de Roberto Azevêdo à chefia da OMC (Organização Mundial do Comércio) neste ano.

Limitações financeiras

Mas diplomatas afirmam que, além da redução de funções, o órgão tem enfrentado duras limitações financeiras, que afetam programas de cooperação em curso. As queixas incluem ainda a diminuição do número de viagens de diplomatas lotados no Brasil.

"Não há só um corte de orçamento, mas de intensidade", diz um diplomata. "Há um sentimento geral de que estamos desprestigiados."

Para o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, a diferença na postura da diplomacia brasileira nos anos Dilma reflete ainda o menor engajamento da presidente na atividade.

"Ela não tem aquele gosto que o Lula tinha", analisa.

Ricupero diz que o prestígio internacional do país diminuiu no atual governo, o que atribui também ao fraco desempenho da economia. "Na época do Lula, havia uma percepção de que o país ia muito bem, hoje, a situação mudou muito."

Para Azambuja, a assertividade da diplomacia nos anos Lula também se amparava nas boas relações do ex-presidente com seu chanceler, Celso Amorim.

"Ele (Amorim) tinha muito mais prestígio junto ao Lula do que o embaixador Patriota tinha junto à Dilma."

"O Patriota sempre foi um profissional correto e sério, mas nunca teve estatura para encontrar na Dilma uma aliada e amiga. Pelo contrário, a impressão é que ele tinha um desprestígio que chegou ao paroxismo."

Sucessor

Tanto Ricupero quanto Azambuja elogiam o novo chanceler, Luiz Figueiredo, com quem já trabalharam.

Para Azambuja, trata-se de "pessoa rigorosa, trabalhadora e competente".

Segundo Ricupero, além de qualificado, Figueiredo é muito respeitado na área da diplomacia do meio ambiente e conhece o assunto profundamente.

Segundo asssessores de Dilma, pesou na escolha de Figueiredo seu desempenho na Rio+20, conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, em 2012.

Ambos, porém, se dizem céticos quanto à possibilidade de que a mudança no ministério altere a química entre o órgão e a presidente.

"Qual é o ministro que tem prestígio nesse governo?", questiona Ricupero.

"O problema que surge é que, no caso dos presidentes anteriores (FHC e Lula), havia grande suavidade de comportamento. Os dois eram de encantador convívio, enquanto Dilma é de convívio muito mais áspero", diz Azambuja. "É muito mais difícil ser ministro dela".

 

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