Líderes sul-americanos viajam a Assunção dispostos a convencer paraguaios a retornarem ao bloco, mas restrições de Horácio Cartes em relação à Venezuela ameaçam prolongar impasse e mal-estar entre países-membros.
Horácio Cartes toma posse nesta quinta-feira (15/08) como presidente do Paraguai com perspectivas de melhorar a relação bilateral com os vizinhos, abalada desde o impeachment de Fernando Lugo, em 2012. Um retorno ao Mercosul, no entanto, é ainda incerto, assim como a normalização da relação com a Venezuela, hoje na presidência temporária do bloco.
O Paraguai está suspenso do Mercosul desde junho do ano passado, quando o impeachment, qualificado como golpe pelos países-membros, tirou Lugo do poder. A manobra possibilitou a entrada da Venezuela, que vinha sendo seguidamente rejeitada pelo Senado paraguaio.
A postura de Cartes continua sendo a mesma sustentada desde então pelos políticos de seu partido, o Colorado: a entrada da Venezuela não se ajusta aos tratados internacionais firmados pelos fundadores do bloco. E, por isso, ele afirma que, embora a suspensão tenha fim com a sua posse, o Paraguai só voltará ao Mercosul quando o país comandado por Nicolás Maduro deixar a presidência rotativa.
"O Paraguai atuará para maximizar o seu poder dentro do bloco, utilizando todos os fatores possíveis a seu favor, inclusive esse da entrada da Venezuela", afirma a cientista política Maria Izabel Mallmann, da PUC-RS. "Golpe por golpe, a entrada da Venezuela também pode ser interpretada pelo Paraguai como um golpe."
A expectativa é de que Cartes promova uma gradual aproximação com os parceiros do Mercosul, importantes para a economia paraguaia. O processo deve ser conduzido de forma lenta e sem estardalhaço. Nesta quinta-feira, ele tem reuniões previstas com os presidentes de Brasil, Argentina e Uruguai, que devem tentar convencê-lo a voltar ao bloco.
"Cedo ou tarde, Cartes vai negociar a adesão da Venezuela com o Senado paraguaio e promover a normalização das relações com a Venezuela", aposta o professor de Relações Internacionais Antonio Jorge Ramalho, da UnB.
Flerte com a Aliança do Pacífico
Durante o isolamento que sofreu por parte do Mercosul, o Paraguai, presidido interinamente por Federico Franco, foi incluído como membro observador da Aliança do Pacífico – bloco formado por Chile, Colômbia, México e Peru. Os quatro países somam 206 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto (PIB) de mais de 2 trilhões de dólares, o equivalente a 35% de toda a riqueza da América Latina e mais de 55% das exportações da região.
O dinamismo do novo bloco econômico, que pretende zerar a tarifa de importação de todos os produtos em cinco anos, impõe uma dura concorrência ao Mercosul, ainda minado, mesmo 20 anos após sua fundação, por conflitos comerciais entre seus membros.
"Enquanto a institucionalização do Mercosul é muito lenta, outros países fazem seus blocos com uma rapidez fantástica. A Aliança do Pacífico já tem um volume de comércio equivalente às exportações do Brasil, o que não é algo desprezível", diz o economista Evaldo Alves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Mesmo assim, alguns especialistas acreditam que o Paraguai não iria trocar o Mercosul pela Aliança do Pacífico. A estrutura econômica do país, segundo eles, está muito mais vinculada ao Brasil e à Argentina do que a qualquer outro país latino-americano.
"Muito difícil isso acontecer. Pode ser que seja membro observador da Aliança do Pacífico, mas deixar de ser parte do Mercosul é dar um tiro no próprio pé", opina Ramalho.
Imagem desgastada
Para alguns analistas, o conflito entre Paraguai e Venezuela mostra as diferenças quanto aos projetos políticos e econômicos de cada país-membro do Mercosul e pode, ao mesmo tempo, colocar em xeque sua credibilidade externa como união aduaneira e possível parceiro de outros blocos, como a União Europeia.
"O conflito entre Venezuela e Paraguai somente torna mais evidente as falências institucionais tanto a nível interno como regional do bloco", afirma Ana Soliz Landivar, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo. "A credibilidade do Mercosul não está em risco com este caso, ele só mostra um problema mais profundo do bloco: a falta de consistência institucional, já que nunca chegou a ser um mercado comum nem sequer uma zona de livre comércio."
Mesmo com problemas dentro do Mercosul, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, diz que o processo de negociação de um acordo comercial com a União Europeia está avançado e que, com vontade política, poderá ser concluído em um ano ou pouco mais.
"Dificilmente essa expectativa será confirmada", afirma Mallmann, que vai além: "O acordo entre os dois blocos não se concretizará. O Mercosul não se viabilizou como um interlocutor coletivo de fato, não possui coesão interna, o que o torna um 'bloco frouxo', e não possui uma liderança legítima para levar adiante negociações externas. Já a União Europeia passa por uma profunda crise, o que retira suporte político para negociações externas."
Segundo fontes diplomáticas, a presidente Dilma Rousseff aproveitará o evento em Assunção para tentar convencer o Paraguai a voltar imediatamente ao Mercosul. A expectativa brasileira é que, uma vez que esteja na presidência, Cartes deixe de lado a retórica agressiva adotada por seu partido e seu antecessor e renegocie o retorno ao bloco.