Rafid Jaboori
O passageiro que estava sentado ao meu lado no voo para Bagdá era um iraquiano xiita com mais de 40 anos. Conversamos um pouco durante o voo. Ele mora em Londres há anos, e estava a caminho do Iraque para visitar sua família.
Ao passarmos pela imigração, chegamos ao setor de desembarque do aeroporto, onde seu irmão o esperava.
"Onde está Ali?", perguntou o passageiro, em referência ao irmão mais novo de ambos. O irmão que o abraçava caiu em lágrimas.
"Ele foi morto em uma explosão de um carro bomba na semana passada, e não queríamos te contar antes que você chegasse."
Deixei os dois se abraçando no saguão.
O Iraque parece estar novamente a caminho de uma guerra civil. Ali foi um dos mil iraquianos mortos em julho, um dos piores meses da história recente. Mais de 4 mil iraquianos já perderam suas vidas este ano, devido a atos de violência.
No sábado, pelo menos 60 pessoas morreram em tiroteios e ataques a bomba. O Ramadã deste ano foi um dos mais sangrentos da história recente do Iraque, com mais de 670 mortos.
O Estado Islâmico do Iraque, uma organização extremista sunita ligada à Al-Qaeda, é responsável por vários atentados. A maior parte dos alvos são vizinhanças xiitas em todo o Iraque.
A BBC visitou algumas destas regiões, para conversar com os seus moradores.
'A região está em chamas'
Os xiitas não culpam toda a comunidade sunita pelo que está acontecendo.
Em Zeinab, o diretor de uma escola disse que os iraquianos não podem reagir da forma esperada pela Al-Qaeda, que quer ver uma onda de violência como a que foi registrada em 2006 e 2007.
Eu tive que passar por pontos de checagem para chegar ao centro de Bagdá. Soldados e policiais ocupam todas as partes. O Iraque tem um milhão de pessoas ligadas ao setor de segurança, mas mesmo isso não dá conta da situação.
Os xiitas, que por muito tempo foram oprimidos pelo regime secular porém dominado por sunitas de Saddam Hussein, estão no poder agora. Eles controlam as forças de segurança e o Exército.
Pergunto ao porta-voz do ministério do Interior, Saad Maan, por que o governo está fracassando na tarefa da segurança, já que há tantos recursos.
"Eu não concordo com você, quando você fala em fracasso", ele responde.
"Você precisa considerar a dimensão do desafio de segurança que estamos enfrentando. Não só o Iraque, mas todo o Oriente Médio está em chamas. Podemos ter números grandes, mas o Iraque é um país grande. Estamos cumprindo nosso papel de perseguir os terroristas."
Mas os esforços de segurança do governo foram atingidos por um duro golpe no mês passado, quando militantes invadiram a maior prisão do país, Abu Ghraib.
Mais de 500 pessoas foram soltas, inclusive líderes de alto escalão da Al-Qaeda, que comandou a invasão.
Mágoas
Houve bombardeios em áreas sunitas recentemente. Mas ninguém assumiu responsabilidade pelos atos.
Os sunitas acusam o governo do premiê Nouri al-Maliki, que é xiita, de ignorar o que as milícias xiitas estão fazendo no país. Por meses, integrantes da minoria sunita têm protestado contra Maliki, o acusando de discriminação.
Não consegui visitar o interior sunita do Oeste do Iraque, já que o governo não permite o acesso a jornalistas, especialmente de veículos internacionais.
Minha alternativa foi ir à Adhamiaya, vizinhança sunita em Bagdá.
Mustafa al-Bayati, um clérigo sunita, me disse que as demonstrações locais não são frutos de um sentimento sectário.
"Não nos levantamos contra os xiitas. Nós convivemos a séculos com eles. Nos levantamos contra o governo que coloca nossos homens na prisão, sem motivo, e abusam nossos direitos humanos. Isso precisa acabar. Vamos viver com dignidade, ou vamos morrer."
Há não muito tempo, a comunidade sunita se voltou contra a Al-Qaeda. Hoje o grupo extremista tem margem para explorar sentimentos de mágoa.
No auge da violência sectária no Iraque, muitas áreas sunitas viraram território proibido para xiitas, e vice-versa.
A situação melhorou e muitas vizinhanças possuem população misturada hoje. Mas a estabilidade está ameaçada.
A sensação, conversando com as pessoas, é a de que elas querem conseguir conviver pacificamente e que a identidade iraquiana deve superar as divisões sectárias.