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Osmar Terra: Traficante é um homicida que mata várias pessoas ao mesmo tempo

 

"Se disser que não é crime, a pessoa vai andar com a droga no bolso, e o número de usuários vai se multiplicar muito rápido. Tem que dizer que é crime e que tem pena"
Osmar Terra

Na esteira dos esforços para conter o avanço do consumo de drogas no Brasil, um projeto de lei que poderá ser votado na próxima quarta-feira pela Câmara dos Deputados endurece a pena para traficantes como um caminho para frear o comércio e, consequentemente, o consumo de entorpecentes no país. Pela legislação atual, o tráfico de drogas é punido com cinco a quinze anos de prisão e multa. A proposta do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) aumenta o tempo mínimo para oito anos de prisão e, nos casos com agravantes, como a fabricação da droga, permite aplicação de pena máxima prevista para o crime de homicídio: vinte anos. “O traficante pode não ser um homicida que dá um tiro, mas ele está matando um monte de gente ao mesmo tempo”, compara.
 
O deputado, que é médico, sugere penas mais duras para flagrantes de usuários de drogas: de seis meses a um ano de trabalho comunitário – atualmente são cinco meses. No caso de reincidência, de um a dois anos, ante os dez meses atuais. O projeto de Terra recebeu apoio dos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil), o que deverá facilitar a aprovação no Congresso.
 
O senhor é criticado por propor mais rigor na punição do usuário flagrado com a droga, mesmo para consumo pessoal. A legislação atual é frouxa nesses casos?

A legislação atual até pune, mas temos de ser mais rígidos. Esse período maior [de pena] é para dizer que é crime e que não é para fazer de novo. Se disser que não é crime, a pessoa vai andar com a droga no bolso, e o número de usuários vai se multiplicar muito rápido. Tem que dizer que é crime e que tem pena. O usuário está cometendo um ato ilegal, que o prejudica, e ele vai ter a oportunidade de fazer uma reflexão.
 
No projeto, a pena máxima para traficantes se iguala a do homicídio. A gravidade desses crimes pode ser comparada?

Eles são homicidas. Vinte e cinco por cento dos usuários de crack morrem nos primeiros cinco anos, segundo dados da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). O traficante pode não ser um homicida que dá um tiro, mas ele está matando um monte de gente ao mesmo tempo. Os meninos vão morrendo. Morrem de aids, de problemas pulmonares, de hemorragia cerebral e também de morte violenta. E todos são jovens, não morreriam se não fossem dependentes de droga. Então, não é uma pena exagerada.
 
O projeto prevê, após o primeiro flagrante, que o usuário não poderá frequentar determinados lugares e impõe restrição de horários.

Para evitar o dano e os desdobramentos que a droga causa, a saída é a abstinência. É proposta uma série de medidas restritivas que não significam a prisão, mas são para constranger o usuário, para dizer que o que ele está fazendo não é uma coisa lícita.
 
Por que para o usuário pego com droga o projeto mantém pena mais branda?

Porque o usuário é doente, está precisando de atendimento. Se ele não está viciando outros, é mais importante dar cuidados de saúde do que pena de prisão.
 
Em quais casos seria necessária a internação involuntária?

Nós tiramos no projeto a internação compulsória, pois ela pressupõe um processo judicial e uma decisão do juiz. Isso já está na lei hoje, mas só vale quando a pessoa representa um risco social. Então demora muito, e poucos são internados por decisão do juiz. No caso da internação involuntária, a pedido da família, o médico avalia o caso e pode determinar a internação, sem precisar de juiz. Isso vai antecipar o início do tratamento. Como 90% dos meninos não se tratam voluntariamente, no caso do crack, isso pode colocar uma parcela muito maior para ficar em abstinência inicial.
 
Por que o projeto pune os gestores que não cumprirem as determinações básicas?

Porque hoje é um jogo de empurra. Vamos falar com um prefeito e ele diz que é da responsabilidade do governo do estado. Vai falar com o governo do estado e diz que é a prefeitura, que reclama que o governo federal não ajuda. Aí ninguém faz. O projeto redefine as responsabilidades, determinando o que municípios, estados e governo federal têm de fazer. Quem não cumprir essas regras será responsabilizado administrativamente, até com perda da função.

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O que o projeto traz de novo para a recuperação dos dependentes químicos?

Estou propondo que se acrescentem as comunidades terapêuticas à rede dos Caps. Hoje existem mais de 2.000 comunidades terapêuticas pelo Brasil, com cerca de 60.000 vagas que não são usadas. Os Caps foram criados para atender casos de transtorno mental, mas resolveram que eles podem atender também a dependência química – mas é um fracasso. Eles não têm protocolo, não tem uma organização articulada entre si e a maioria das pessoas trata a questão da dependência química como uma opção. As pessoas vão ali e voltam para a boca de fumo. Nas comunidades os usuários ficam em abstinência prolongada, afastados até da família. Lá terão um programa de ressocialização, com empresas ou com o próprio governo estabelecendo um número de vagas. Além disso, tem de ter acesso a lazer, esporte e cultura.
 
A ideia é aproximar o governo dessas comunidades?

É trazer esse trabalho para a formalidade. É criar regras para ele. A Anvisa já determina o que uma comunidade terapêutica deve ter, e o governo estabelece protocolos de atendimento. Mas a verdade é que não tem protocolo para nada. Já ouvi uma psicóloga do Caps dizer que é uma bobagem classificar o crack como uma epidemia e que a pessoa pode fumar uma pedrinha de vez em quando em alguns casos. Eles não fazem nenhum esforço para tirar a pessoa da dependência. O Ministério da Saúde não cria protocolo, não cria nada. A orientação, nesse ponto, realmente deixa muito a desejar. É um discurso bonito, filosófico e humanitário, mas, na prática, eles vão filosofando e os meninos vão morrendo.
 
O senhor faz críticas duras ao serviço atual.

É totalmente ineficaz. Eles não sabem lidar com o problema. O crack transtornou tudo, criou um transtorno mental coletivo. A avalanche do crack, a forma epidêmica que ele se propagou, desorganizou tudo. Ninguém estava preparado para isso. Os Caps funcionam para outros transtornos. Mas, para o crack, não.
 
Qual o valor estimado para arcar com os gastos previstos no projeto e de onde viriam esses recursos?

É necessário aumentar muito a rede. A Dilma [Rousseff, presidente], quando lançou o programa “Crack, é possível vencer”, estimou em 4 bilhões de reais os gastos para os dois anos seguintes. Eu acho que deveria ser 4 bilhões por ano – e ainda assim não sei se resolveria para reduzir a demanda. A gente tinha proposto que a taxa de imposto cobrada do álcool e do cigarro fosse para o programa de drogas. É um volume grande, daria uns 8 bilhões de reais, mas o governo está resistente.
 
Quando o texto deve ir a plenário? O senhor acha que haverá resistência dos parlamentares?

Vamos votar o mérito no dia 8 de maio. Há cerca de dois meses foi aprovada a urgência no plenário. A turma a favor da legalização foi contra, não queria votar. Mesmo assim obtivemos 344 votos favoráveis contra seis. Isso já mostra mais ou menos o ânimo que está a Casa. Nós estamos procurando diminuir a resistência do governo. A conversa com a ministra Gleisi Hoffmann foi boa. Ela disse que é contra a descriminalização, a favor das unidades terapêuticas e de tudo do projeto. Sobre as penas, ela disse que deveria conversar com o ministro da Justiça, porque as prisões estão lotadas. Acho que estamos chegando a um consenso. O governo também não pode segurar muito tempo, pois a pressão é da sociedade.

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