Maynard Marques de Santa Rosa
Gen Ex Reserva
Novembro de 2024
“O pior cego é o que não quer ver” (Ditado popular)
No mundo atual, varrido por propaganda e ondas de noticiário, é impossível ser livre sem discernimento. Quem não o possui vagueia como barco sem leme ao sabor dos ventos. Discernimento e senso crítico são os objetivos primordiais dos currículos pedagógicos, por mecanismos seguros de orientação da consciência nas labutas da vida.
Hoje em dia, nem mesmo as pessoas bem-informadas estão livres das armadilhas da desinformação, sujeitas que são às próprias simpatias e afinidades. A isenção de espírito para captar a verdade dos fatos é uma virtude que só se adquire pela reflexão. Isso porque, nas palavras de Herbert Spencer, “A opinião é determinada, em última análise, pelos sentimentos e não pelo intelecto”.
O filósofo Francis Bacon, já no século XVI, alertava que: “O homem acredita mais prontamente naquilo que gostaria que fosse verdade”. E, no despontar das ideologias fratricidas do século XIX, o filósofo Nietzsche advertiu: “As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”. No século XX, o filósofo Henri Bergson, cofundador da Psicologia e prêmio Nobel de Literatura, ratificou essas reflexões, ao afirmar: “Nosso espírito tem uma tendência irresistível para considerar como ideia mais clara a que mais lhe serve”. Portanto, somente à luz da psicologia social é possível interpretar o complexo cenário presente, não só no Brasil, mas em todo o mundo ocidental.
Vivemos em uma sociedade compartimentada em bolhas herméticas de opinião, onde a turbulência do choque das ideias pode afetar o senso-comum, tornando-o suscetível às sugestões mais fortes. O caso clássico foi o do nazismo na Alemanha, após a 1ª Guerra Mundial, confirmando a profecia de Jung em Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo: “Grupos, comunidades e até mesmo povos inteiros podem ser tomados por epidemias psíquicas” (pág. 278). “Tudo o que rima com ‘ismo’, como ateísmo, comunismo, nazismo e existencialismo tem força sugestiva e emocional extrema, equivalente às ideias religiosas” (pág. 71). Disse, ainda, que existe um espaço mítico no inconsciente, reservado à Divindade. Quando a consciência reprime a ideia instintiva de Deus, esse espaço é fatalmente ocupado por “deuses” artificiais, que podem ser concretos (fenômenos naturais, totens, ídolos, etc.) ou abstratos (ideologias e “ismos” em geral).
No Brasil, a disfunção psíquica afeta, particularmente, a ordem política. Temos um sistema de governança patrimonialista e simbiótico em que o governo não governa, o Legislativo não legisla e o Judiciário esgrime-se em fazer as duas coisas, interpretando a Constituição em proveito dos interesses dominantes.
A falta de isenção dos julgamentos é evidente, sobretudo no STF. O colegiado supremo vive confinado em uma bolha isolada, de onde dita sentenças duvidosas que afetam a coletividade inteira. Afastado da realidade dos fatos e do próprio papel constitucional, o Tribunal passou a agir politicamente, quando um ministro, aproveitando o clima de confinamento da pandemia, liberou da prisão o ex-presidente, condenado por crime de corrupção em três instâncias legítimas. Posteriormente, passou a usar um vazamento ilegal de informações, divulgado por um “hacker”, para justificar a anulação das penas de corruptos notórios impostas legalmente pela Operação Lava-Jato. O efeito prático da bandeira do “garantismo” adotada pelo Órgão é garantir a impunidade dos poderosos.
A narrativa de golpe para a baderna de 8 de janeiro de 2023 subestimou o papel do GSI no episódio e relevou a ação dos extremistas de esquerda infiltrados na manifestação, conformando uma interpretação precipitada, para não dizer tendenciosa. Porém, serve de argumento para o clima de censura à liberdade de pensamento vigente no país. E gera jurisprudência com efeito vinculante, extensiva a fatos futuros, podendo alcançar os contatos do manifestante pirotécnico de 13 de novembro de 2024. Sem dúvida, há de ser revista em algum momento, inclusive, com as compensações devidas aos condenados injustamente.
Enquanto isso, a propaganda aviltante dos costumes corre solta, contaminando a juventude; políticos e corporações esbanjam o patrimônio público; cresce a dívida pública e o serviço da dívida, comprometendo o futuro; grassa a corrupção em âmbito geral e expande-se o crime organizado. O Brasil vai se tornando a “casa da mãe Joana”, mas os mecanismos constitucionais de defesa da democracia continuam desativados, por inação de quem deveria aplicá-los. E as autoridades incumbidas da lei e da ordem assistem ao desatino como se fosse normal.
Contudo, os resultados eleitorais recentes indicam forte tendência de reação, contrastando com a aparente apatia da opinião pública. E, como não pode subsistir uma ordem injusta sem imposição do terror, condição inviável no Brasil, a estabilidade está em xeque. Resta acompanhar os fatos e observar as tendências, para discernir a atitude a ser tomada no momento decisivo.
“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever” (Alte. Barroso, 11 Jun 1865).