O programa Gripen sofre atrasos, indefinições e afeta o presente e futuro da aviação de caça de forma dramática Desembarque da aeronave Gripen F-39E, em 23 Setembro 2024, no Porto de Itajaí SC Foto Aviação em Floripa – Marcelo Lobo Da SILVA
Nelson Düring
Editor-chefe DefesaNet
A novela sobre os caças suecos Gripen comprados pela FAB está longe de terminar. A definição do vencedor d Programa F-X2 foi em 2014 e o contrato multibilionário foi assinado em 2015 com a SAAB e previa a aquisição inicial de 36 aviões, que poderia alcançar um total de 108 unidades.
A época, pesou na escolha o fato de a Suécia ser um país neutro, o que deixou de ser neste ano com a entrada na OTAN. Também, estava prevista a transferência de tecnologia ao Brasil, mas fato é que dez anos depois os brasileiros não conseguem produzir nenhum caça sem apoio da fabricante SAAB.
Na verdade as peças e fuselagens virão todas prontas e somente a montagem final será feita pela Embraer.
Com apenas 8 aeronaves recebidas (até a data de Outubro de 2024), Brasília está sem defesa aérea e os demais esquadrões da FAB estão com aviões de mais de 50 anos, situação que se torna um risco para pilotos e a população civil.
Os suecos até agora não compraram ou se comprometeram com a aeronave, e fontes da própria Força Aérea Brasileira não escondem a insatisfação. “A decisão da compra foi feita uma década atrás, era outro contexto geopolítico. Hoje os suecos veem sua integração com a OTAN como prioridade e o Brasil foi relegado a um cliente sem importância lá na distante América do Sul.”
Depois do Brasil com o Programa F-X2 o Gripen não teve o sucesso comercial esperado, nem pela SAAB nem pelo Brasil que esperava as vendas alavancarem a base industrial de defesa. O Gripen foi rejeitado em todas as concorrências internacionais para novos caças, devido ao alto preço e porque é difícil concorrer com o caça de quinta geração da Lockheed Martin F-35 Linghtning II dos Estados Unidos, mais barato e selecionado por dezenas de países, com mais de 1040 aeronaves entregues até Outubro 2024.
Além disso, o Gripen ainda está em desenvolvimento, possui sérios desafios técnicos no projeto, incluindo a integração de sistemas, um redesenho de asas e só poderá cumprir missões de ataque daqui alguns anos. Os militares conseguiram preparar 5 aeronaves para participar no exercício CRUZEX, que começa nesta semana na Base Aérea de Natal (BAAN). Lembrar que o Gripen é uma aeronave que necessita do Fly-by-Wire para o piloto ter controle e conseguir o domínio em voo. Um reajuste do sistema é custoso e demorado.
A FAB está numa encruzilhada única na história da aeronáutica mundial. Um verdadeiro impasse que gera inúmeras armadilhas: estratégica, geopolítica, tecnológicas e brutal custo financeiro.
Não sabe se cancela ou para ou renegocia ou, muda o objeto de contrato e pega aviões de versões anteriores. A posição mais forte dentro da FAB é a compra de aviões usados. Os consagrados Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon, descartados no Programa F-X1, seriam a escolha certa se fossem novos, mas a política externa do Brasil está bem distante dos Estados Unidos, e se Donald Trump for eleito, tudo indica que um abismo vai separar os dois países, a menos Lula faça uma guinada radical na política externa e se afaste da Rússia e China e reveja suas estratégia para assuntos como a Ucrânia.
O Ministro da Defesa José Múcio Monteiro e o Planalto não escondem sua preferência pelo caça leve italiano modelo M-346. Dentro da FAB existem alas que querem mais Gripen de versões antigas, C e D, aviões americanos F-16 e até caças russos.
A questão é mais complexa. A área econômica do governo quer uma compra casada com um acordo comercial mais amplo, e a Defesa sabe que a compra de aeronaves mais modernas como o Dassault Rafale francês, que é também um candidato forte e com influência no Planalto, demoraria anos para chegar devido a capacidade de produção da empresa Dassault estar plena até 2030, a um custo operacional além da capacidade orçamentária da Força Aérea.
Nesse caso relação geopolítica tem peso na decisão. Por exemplo, a França se opôs ao acordo entre Mercosul e União Europeia, o que tem impacto direto na economia brasileira.
O fato é, a escolha não será fácil, mas uma decisão, qualquer que seja precisa ser tomada.
A FAB vem ganhando cada vez mais importância na sociedade devido as missões de resgate e combate a incêndios frequentes. Mas sem aviões e helicópteros para voar, hoje enfrenta seu pior momento histórico.
Cabe ao seu Comandante, Tenente Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damaceno, pessoa conhecida como estrategista e pelo fácil trânsito político buscar uma solução. Essa solução não precisa ser definitiva, pode ser até paliativa, mas precisa resolver o problema atual e dos próximos anos até que um novo vetor de combate seja escolhido.
Numa Força Aérea dividida por grupos de influência e com posições antagônicas no Alto Comando, influenciadas por lobbies como da fabricante Embraer, a missão de Damaceno não será fácil, mas ele terá que tomar uma decisão, do contrário deixaremos de ter uma Força Aérea para ficar somente com a Aeronáutica.
O Brasil não poderá sofrer um novo apagão como ocorreu quando das cheias no Rio Grande do Sul. A FAB não mostrou a sua presença efetiva pois sua frota de helicópteros estava “groundeada”, 20% de disponibilidade, nas palavras de seu próprio comandante por questões logísticas.
Em futuro, não muito remoto, o brasileiro olhará para os céus e verá um azul e nuvens brancas, porém com um gosto amargo de inação e falta de decisão política e estratégica.
A falta de aeronaves está gerando um problema mais grave e que leva décadas para ser superada. A falta de pilotos treinados e com domínio de sistemas avançados modernos.
As futuras gerações cobrarão o jogo pequeno, rasteiro e míope dos tomadores de decisão atual.