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RR – O que falta para o governo Lula cumprir a promessa de retomada da indústria naval?

Foto – Atividade no Estaleiro Atlântico Sul foto cerca de 2010

Vamos recuperar a indústria naval nesse país” (11/10/2022);

“A Petrobras vai ampliar a frota de navios e gerar emprego em nossos estaleiros” (10/04/2023);

“Alugar um navio lá fora não gera emprego aqui”, (02/04/2024).

“No meu primeiro governo, saímos de três mil para 86 mil trabalhadores da indústria naval. Vamos trazer esse setor de volta” (03/04/2024).

Relatório Reservado
14 Outubro 2024

São inúmeras as vezes em que Lula afirmou e reafirmou que a indústria naval é uma prioridade do seu governo. Será que é mesmo? Praticamente dois anos de mandato já se passaram e quase nada aconteceu. É muita falação para pouco ou nenhum navio. Diferentes esferas de Poder – Casa Civil, Ministério da Fazenda, Ministério da Indústria, BNDES e a própria Petrobras – vêm batendo cabeça entre si na tarefa de elaborar uma política efetiva para a recuperação do setor.

O problema começa pela comunicação. Em um exercício de mea culpa, alguns colaboradores diretos do presidente Lula defendem interna corporis que o governo está perdendo esse jogo logo na saída, ao não conseguir desmontar o estigma que paira sobre o setor naval desde a Lava Lato. Como desarmar esse anátema se a gestão Lula é incapaz de explicar à opinião pública os benefícios econômicos e sociais que podem vir a ser obtidos com a construção de navios, sondas e plataformas no país?

Como sair da inércia se o governo não sabe mostrar à sociedade o valor adicionado da indústria naval, em termos de geração de emprego, reconstrução de toda uma cadeira produtiva, retenção de divisas, aumento da arrecadação fiscal, com reversão de recursos via gastos públicos ou programas sociais etc etc?

Esta é uma estranha fábula, a história de um negócio que, aparentemente, todo mundo quer, é bom para todas as partes diretamente envolvidas – trabalhadores, estaleiros, Petrobras, governo -, mas não avança um nó sequer. Em linhas gerais, o soerguimento do setor naval passa por três perguntas:

  • onde montar os navios?
  • quem vai investir?
  • quem vai comprar?

A primeira questão, a mais simples de ser resolvida, tem 48 respostas possíveis.

Este é o número de estaleiros existentes no Brasil, com capacidade para beneficiar mais de 550 mil toneladas de aço, segundo levantamento do Instituto Brasil do Petróleo (IBP). Nove deles estão ativos, mas sem demanda por novos projetos. É o caso do Atlântico Sul, em Pernambuco, e do Enseada, na Bahia. Juntos, podem processar cerca de 200 mil toneladas de aço por ano, o equivalente a 40% da capacidade instalada na indústria naval brasileira. Algo similar ocorre na cidade de Rio Grande (RS), que tinha tudo para ser um dos grandes polos do setor no Brasil. Lá estão os estaleiros QGI e Rio Grande. Ao lado, na vizinha São José do Norte, há ainda o EBR.

Este último é o mais “próspero”: recentemente, entregou cinco módulos para o FPSO P-79, contratada pela Saipem para a Petrobras. O Rio Grande tem feito serviços de manutenção. O QGI, embora ativo, não tem qualquer pedido. Ou seja: definitivamente, o problema do Brasil não é falta de estaleiro.

As duas outras variáveis – “Quem vai investir?” e “Quem vai comprar?” – estão indissociavelmente entrelaçadas e, em última instância, dependem do mesmo fator: vontade política.

Até o momento, a promessa do governo Lula de que a Petrobras seria o grande propulsor da retomada da indústria naval brasileira não passa de pirotecnia verbal. Qualquer projeto para a revitalização do setor passa obrigatoriamente por um grande programa de compra de embarcações, sondas e plataformas por parte da estatal, o que, por sua vez, passa por uma decisão do acionista controlador.

O Plano Estratégico 2024-2028 da companhia prevê a aquisição de quatro navios da classe Handy. Em abril, a Petrobras anunciou a intenção de contratar 200 embarcações de apoio no período, incluindo a construção de 38 novos equipamentos. A estatal sinaliza também a encomenda de 14 navios-plataformas, mas não dá detalhes do cronograma para os eventuais pedidos. Ressalte-se que nos últimos anos, possivelmente por pruridos criados pela Lava Jato, a empresa tem dado preferência ao afretamento e locação de plataformas, sondas e embarcações, em vez do aumento da sua frota própria.

Não se trata da melhor decisão corporativa. Estudo do Dieese aponta que o custo da Petrobras com a produção de petróleo em plataformas alugadas é mais alto do que nas plataformas de sua propriedade. Os gastos de produção nos equipamentos contratados são maiores em dois de três níveis de profundidade das áreas de exploração. No pré-sal, por exemplo, o custo de cada barril nas plataformas afretadas é de US$ 5,66, 52,15% superior ao das plataformas próprias (US$ 3,72). Já que o sócio majoritário não se mexe, os demais acionistas poderiam fazê-lo. Mas não se vê no mercado questionamentos mais agudos à estratégia da Petrobras de alugar equipamentos em vez de ampliar a sua frota.

Uma firme política de aquisição de plataformas, sondas e embarcações por parte da Petrobras abriria caminho para o retorno de antigos players ou a chegada de novos investidores na indústria naval. Se o próprio governo fizer um aceno e a estatal entrar com as encomendas, muito provavelmente grandes grupos da China, Coreia, Japão e Cingapura – responsáveis por quase 90% do setor em todo o mundo – embarcariam no negócio.

A presença da Petrobras na ponta compradora já seria, por si só, uma garantia financeira. No setor é voz corrente que se a companhia voltar ao game – e provavelmente isso ocorreria com a escolta do BNDES no financiamento de encomendas -, os players retornam junto. Hoje, o que se vê é justamente o contrário. Não há cliente e, portanto, não há vendedor, nem investimentos. Some-se a isso o fato de que este não é um segmento da economia qualquer.

Ao menos da forma como foi concebido na década passada, a indústria de construção naval e os principais sites estão majoritariamente nas mãos de grandes construtoras que foram varridas pela Lava Jato. O estaleiro Enseada pertence à Novonor, antiga Odebrecht; o Atlântico Sul, à Mover Participações, ex-Camargo Corrêa, e à Queiroz Galvão; esta última é dona também do QGI; já o Rio Grande é controlado pela Ecovix, leia-se a Nova Engevix.

Há, é verdade, algumas pontas soltas que ainda precisariam ser atadas para o  rissorgimento da construção naval no Brasil. A debacle dos estaleiros levou de arrasto uma cadeia produtiva praticamente inteira. O Brasil tinha três fabricantes de motores para embarcações. Não tem mais nenhum. Em uma década, houve também uma obsolescência da mão de obra. São obstáculos a serem superados. No caso dos insumos, uma saída seria a flexibilização das atuais regras de conteúdo local. O que é melhor para alguns segmentos da indústria naval: ter 20% de um pacotão de encomendas ou ter 50% ou 60% de zero?

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