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A Importância da Fisiologia no Treinamento das Forças Armadas, Policiais e Especiais

            Ricardo Guerra
Fisiologista do Exercício e tem Mestrado em Fisiologia Esportiva,
pela Liverpool John Moores University.
Recentemente, o autor prestou consultoria para núcleos da Policia Italiana.

Nas últimas décadas, a Fisiologia do Exercício teve um significativo progresso. Muitos clubes de futebol, no Mundo inteiro, começaram a incorporar os fundamentos da Fisiologia nas suas metodologias de treinamento, bem como outros esportes, quais sejam, o Atletismo, o Ciclismo e o Halterofilismo, que sempre se apropriaram das mais avançadas metodologias. Há muito que esses esportes vêm sendo influenciados pela Ciência do Exercício.

O treinamento específico e eficiente para uma determinada posição no futebol, por exemplo, vem se tornando, cada vez mais, uma Ciência. Os requisitos fisiológicos exigidos de um goleiro são significativamente diferentes dos necessários a um meio-campista.

No entanto, é surpreendente a multiplicidade de métodos ainda utilizados por muitos treinadores, que não diferenciam as posições em campo de forma mais científica.

Além disso, imperfeições semelhantes às acima descritas, com relação às metodologias de treinamento, não se limitam somente aos esportes tradicionais. Elas também são observadas, por exemplo, nos processos relacionados ao condicionamento físico em unidades de elite das Forças Armadas e da Polícia em todo o Mundo.

Após uma verificação minuciosa dos métodos utilizados, fica evidente que muitas delas enfatizam e priorizam parâmetros de condicionamento relacionados à capacidade aeróbica (ou seja, à resistência) em um grau bem elevado.

Seria difícil apontar um indivíduo, em qualquer uma das equipes dos Navy SEALs — a principal e mais temida força de operações especiais da Marinha dos Estados Unidos —, que não tenha uma alta capacidade aeróbica. Muitos desses “guerreiros” são tão dedicados ao treinamento de ultrarresistência que se destacariam em muitos eventos de maratona e triatlo, por exemplo, se não estivessem totalmente engajados em tarefas de suas unidades de elite.

Uma minuciosa verificação na literatura de treinamento, deixa claro que muitos livros e publicações enfatizam a importância de metodologias relacionadas ao treinamento de ultrarresistência como preparação para admissão dentro desses esquadrões ou agrupamentos. Para serem aceitos nesses seletos grupos, muitos se preparam participando de competições de ultrarresistência.

Todos esses programas de treinamento enfatizam a capacidade do indivíduo em suportar períodos prolongados de esforço contínuo. Aqueles com maior capacidade aeróbica, por exemplo, estarão mais bem preparados para o combate, em um cenário em que estejam percorrendo ou caminhando longas extensões e tipos de terreno, em situações em que prevaleçam um engajamento prolongado e contínuo. Entretanto, nem todas as operações policiais ou militares são mais bem servidas somente por indivíduos com alta capacidade aeróbica, em detrimento de outros aspectos fisiológicos. Deve-se observar, contudo, certa discrepância nas capacidades relacionadas ao condicionamento físico entre essas unidades.

Além disso, a presença de elementos com capacidades fisiológicas diversificadas é essencial para a otimização da composição desses esquadrões. É possível que circunstâncias singulares exijam capacidades físicas distintas, demonstrando a complexidade do tema, quanto aos métodos de treinamento que sejam considerados mais adequados e versáteis.

Em determinadas situações de risco de vida, que exigem decisões imediatas, o indivíduo com elevada capacidade anaeróbica é mais adequado para integrar missões operacionais, onde são exigidas potência máxima, velocidade, explosão e atividades curtas de alta intensidade.

Suponha-se que a vida de um refém esteja em risco e que se tenha decidido fazer o resgate ou invasão imediata. Nessas situações, indivíduos com potência máxima bruta e capacidade anaeróbica, serão os mais qualificados para tentar o resgate. Imaginem se, nesse local, estivessem vários reféns, incluindo feridos, idosos e crianças, que necessitassem ser evacuados, o mais rápido possível, para um local seguro.

Em tais circunstâncias, seria mais adequado enviar “guerreiros” com características da modalidade esportiva strongman, ao invés de um grupo de maratonistas. Em uma multiplicidade de situações operacionais urbanas, diversas outras missões policiais também exigem as mesmas demandas de uma unidade de elite.

Nas unidades de elite, o hibridismo, caracterizado por elementos com níveis elevados das qualidades fisiológicas relacionadas a uma alta capacidade física, deve continuar sendo almejado. A maioria dos integrantes das Unidades de Elite das Polícias e das Forças Armadas se enquadram nessas características.

No entanto, fica difícil a um indivíduo possuir, fisiologicamente, todos os atributos no nível máximo. Não é possível deter, ao mesmo tempo, a capacidade de resistência de um maratonista de elite e a potência de um atleta de strongman ou de um arremessador olímpico de disco ou dardo — e vice-versa.

Assim, biológica e fisiologicamente, no mais alto nível de desempenho, essas capacidades são incompatíveis. Um atleta de elite do strongman precisaria de uma capacidade aeróbica muito mais elevada para se adequar aos exigentes critérios de seleção dos Navy SEALs. Mas ele detém recursos fisiológicos específicos que podem ser aproveitados para outras necessidades operacionais.

Preferencialmente, em termos de capacidade fisiológica e do ponto de vista operacional, as unidades policiais e das Forças Armadas deveriam continuar a serem compostas por elementos que possuam um nível de condicionamento físico híbrido, isto é, que apresentem um nível geral completo em todos os seus atributos fisiológicos.

A espinha dorsal dessas unidades deve ser formada por integrantes com essas características fisiológicas. O objetivo delas deveria continuar a ser formadas por elementos com alta capacidade aeróbica. No entanto, se quiserem aprimorar e aperfeiçoar ainda mais a sua composição interna, essas unidades devem também incluir indivíduos com elevados níveis de capacidade anaeróbica. Devem, também, ter integrantes com capacitações físicas especificamente voltadas para o anaeróbico, com habilidades para a execução de tarefas curtas de alta intensidade e atributos de potência máxima.

Na maioria das vezes, quem estiver no comando de uma operação, de forma estratégica e pragmática, deverá lançar batalhões constituídos por elementos com capacidades físicas variadas. E, a depender das circunstâncias operacionais, se justifica a mobilização de elementos mais híbridos ou de um batalhão de strongmen — ou, mesmo, de ambos. Tudo dependerá das necessidades operacionais, do local e situação do problema que se apresente.


Ricardo Guerra é Fisiologista do Exercício e tem Mestrado em Fisiologia Esportiva, pela Liverpool John Moores University. Recentemente, o autor prestou consultoria para núcleos da Policia Italiana.

Trabalhou com vários clubes de futebol no Oriente Médio e Europa, incluindo as seleções do Egito e do Catar. Em 2015, foi Fisiologista do Exercício do Olympique de Marseille, época em que o time chegou à final da Copa da França contra o PSG.

Ricardo detém a mais importante licença de treinador da FA — Associação de Futebol da Inglaterra e também da UEFA — União das Associações Europeias de Futebol.

Viajou pelo Mundo, coletando dados e quantificando a capacidade fisiológica de jogadores de vários países. Seus artigos foram publicados em mais de cinco idiomas em várias organizações de notícias. Atualmente, Ricardo está radicado nos Estados Unidos, é candidato a PhD em Fisiologia do Exercício, está escrevendo um livro sobre o futebol brasileiro e pode ser contatado pelo e-mail rvcgf@hushmail.com

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