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América Latina se torna palco de disputa entre China e EUA

Depois de deixar de lado região, Estados Unidos volta a investir na América Latina. Movimento busca fazer frente à expansão da influência chinesa nos países latino-americanos.

Nos últimos meses, autoridades do governo americano fizeram uma série de sinalizações sobre a necessidade do país se atentar mais à América Latina, especialmente por conta da presença chinesa na região. Enquanto isso, a China, que se notabilizou por uma série de grandes obras de infraestrutura, vem diversificando suas parcerias, como na cadeia de veículos elétricos, no que vem sendo chamado de “nova-infraestrutura”.

Essas iniciativas revelam o destaque internacional que a região ganhou nos últimos anos, em parte devido a conflitos geopolíticos como a guerra na Ucrânia e à disputa comercial entre Washington e Pequim. O potencial energético latino-americano também contribuiu para que a região subisse no rol de prioridades do Ocidente.

“A América Latina possui um amplo mercado, além de ser uma fonte rica em energia e minerais. Enquanto os Estados Unidos se afastaram na última década, a China aumentou sua presença na região, com fortalecimento de laços comerciais e investimentos em infraestrutura”, avaliam Christopher Garman, diretor executivo para as Américas na Eurasia, e Julia Thomson, pesquisadora da mesma consultoria.

“Alguns países, como México, beneficiam-se mais do que outros, pela proximidade com os Estados Unidos”, lembram os especialistas, destacando principalmente o fenômeno conhecido por nearshoring – estratégia que leva a produção para mais perto dos mercados consumidores –, com Washigton buscando assegurar sua cadeia de suprimentos em países mais próximos e com os quais tenha maior aliança.

Visando ampliar o nearshoring pelo continente, tramita no Congresso americano a chamada Lei de Investimento Comercial dos EUA, que contempla um investimento de 14 bilhões de dólares na América Latina e um plano de redução de impostos. Além disso, a secretária de Comércio dos Estados Unidos, Gina Raimondo, mencionou algumas vezes a possibilidade de o Brasil fazer parte da cadeia de investimentos do país em semicondutores, um dos temas mais sensíveis das disputas comerciais atualmente.

Por sua vez, o diplomata Marcos Caramuru, que foi embaixador do Brasil na China, tem uma opinião mais cética sobre a real capacidade de Washington fazer frente aos investimentos de Pequim na região. “A China funciona com empresas estatais, que muitas vezes possuem uma visão mais acoplada a do governo, o que não ocorre nos Estados Unidos”, aponta, sugerindo que para que o capital privado americano chegue à região, não basta vontade política.

“Nova infraestrutura”

Enquanto isso, a China amplia seus planos de investimento, especialmente focando no que vem sendo chamado de “nova infraestrutura”. Para Margaret Myers, diretora do programa de Ásia e América Latina do Inter American Dialogue, e autora de um estudo recente sobre o tema, estes setores incluem a fabricação de veículos elétricos e outras indústrias de ponta, telecomunicações, energia renovável e linhas de transmissão de ultra-alta tensão.

Nos últimos meses, as montadoras chinesas BYD e GWM fizeram uma série de anúncios para novos projetos na região, com destaque para o Brasil. Um dos mais recentes foi o da produção de baterias da primeira na Zona Franca de Manaus.

O interesse da China nas chamadas “novas infraestruturas” é em grande parte impulsionado pelos seus próprios esforços para melhorar a sua economia, aponta Myers. Segundo ela, Pequim observa que o crescimento futuro, mesmo a taxas moderadas, exigirá um maior grau de competitividade e até domínio dos setores fronteiriços.

De acordo com Myers, os projetos são geralmente de menor escala do que os grandes e emblemáticos da Nova Rota da Seda na América Latina, e tendem a incorrer em menos riscos operacionais, financeiros e de reputação. “Isto é importante num momento em que a China procura reduzir o risco da iniciativa”, avalia.

O boom de grandes construções financiadas por Pequim teve como legado obras importantes, como o porto de Chancay no Peru, que é visado por vários países da região, mas não escapou de polêmicas. Na Colômbia, a represa de Hidroituango, a maior do país, ficou marcada por problemas contratuais com empresas chinesas. A inciativa da China também impulsionou a alta nos endividamentos nacionais, algo que ficou marcado especialmente no continente africano, acrescenta Caramuru.

No Brasil, em meio ao entusiasmo com os as promessas de investimentos de Pequim, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) instaurou um procedimento extrajudicial para investigar um projeto que propunha a construção de um porto de águas profundas e de uma cidade futurística em Mataraca, no Litoral Norte da Paraíba. Os investimentos previstos seriam de R$ 9 trilhões, o que levantou suspeita.

Um estudo do Inter American Dialogue revelou que dados sobre o investimento estrangeiro direto chinês na região mostraram uma notável tendência decrescente nos anúncios de projetos nos últimos anos. A queda é atribuível a numerosos fatores, mas está, pelo menos parcialmente, relacionada a uma recalibração em curso das prioridades de investimento por parte do governo da China e das suas empresas, concluiu. “A China está apostando em projetos menores e com utilização intensiva de tecnologia para fazer crescer a sua própria economia e reduzir o risco da sua presença internacional”, pontua Myers.

Tendências de não alinhamento

Os analistas convergem na visão de que os países da região deverão manter uma postura sem alinhamentos automáticos. “O quadro na América Latina tende a ser mais pragmático. Se trazem empregos e investimentos, serão bem-vindos”, avalia Caramuru. O diplomata reconhece que Washington até poderá tentar exercer maiores pressões para um afastamento de Pequim, mas não crê que isso gere grandes resultados.

Os analistas da Eurasia compartilham da visão, e acreditam que este movimento pode ocorrer em algum momento no futuro, mas não enxergam como algo próximo. “A tradição de não alinhamento é um marco na política externa brasileira, e da maioria da América Latina”, avaliam. “Diplomatas americanos reconhecem os laços comerciais grandes com a China, mas não vão forçar uma escolha. Isso ficou evidente com o fracasso da tentativa de forçar a exclusão da Huawei na adoção do 5G “, lembram, citando o episódio em 2020 quando houve pressão para que o Brasil não adotasse a tecnologia da empresa chinesa.

“É evidente que iniciativas como o anúncio da construção de uma fábrica da Huawei no Brasil, por exemplo, poderiam gerar certa consternação para os americanos, potencialmente acarretando uma queda na temperatura diplomática”, apontam. No entanto, tal evento, por si só, dificilmente se converteria em um divisor de águas nas relações bilaterais, ponderam os especialistas.

“Nações como Peru e Chile exemplificam essa dinâmica ao manterem acordos comerciais tanto com a China quanto com os Estados Unidos, demonstrando a habilidade da região em equilibrar e sustentar conexões políticas e econômicas com as duas potências”, concluem.

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