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Brig Joceli Camelo STM- 8JAN se for provado crime militar, pode haver expulsão

Foi excessiva a participação de militares no governo Bolsonaro, Tenente-Brigadeio-do-Ar Joceli Camelo presidente do STM

Maria Cristina Fernandes
Valor
19 Fevereiro 2024

Se na investigação da participação nos atos que depredaram os Poderes, no 8 de janeiro do ano passado o Superior Tribunal Militar não viu crime militar sobre o qual se debruçar, desta vez, as revelações sobre o envolvimento de militares na tentativa de golpe, a partir da operação da Polícia Federal,

“Tempus Veritatis”, pode ter outro desfecho. Ao fim do processo que se desenrolará no Supremo Tribunal Federal, se houver penas superiores a dois anos, o STM se debruçará sobre os casos para saber se os militares, além de eventual condenação no STF, devem ser expulsos das Forças Armadas.

Cioso em não se pronunciar sobre casos que poderão estar sob seu julgamento, o presidente do STM, Joseli Camelo, reconhece que as situações são distintas e diz que, pela primeira vez, os militares serão julgados de acordo com a Constituição e “sem subterfúgios”.

Reconhece danos à imagem das Forças Armadas que atribui, primordialmente, à participação excessiva de militares no governo Jair Bolsonaro. Diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou ao rejeitar GLO no 8/1, que o tuíte do general Villas Bôas contra o habeas corpus a Lula foi um erro e que o 31 de março não merece comemoração ou lamento.

Como secretário de coordenação e assessoramento militar do Gabinete Institucional da Presidência, o brigadeiro Joseli Camelo não tinha obrigação de pilotar o avião presidencial, mas Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff o preferiam em detrimento de pilotos mais jovens. Foi assim que, por 12 anos, pilotou para ambos.

Indicado por Dilma ao STM, ficou oito anos como ministro até assumir a presidência, em março do ano passado, aos 69 anos.

A seguir, a entrevista concedida ao Valor na sexta-feira (16FEV24):

Valor: A operação da PF sugere que haverá militares denunciados por afronta ao Estado de direito e tentativa de golpe, crimes a serem julgados no STF. E a afronta à hierarquia e à disciplina, não configura um crime militar?

Joseli Camelo: Existimos para tutelar a hierarquia e disciplina nas Forças Armadas (FA). Crimes contra o poder político e ordem social são julgados pela Justiça Federal. Há uma carga muito grande sobre o ministro Alexandre de Moraes. Eu até o defendo. Não temos a quantidade de informações que ele tem. Estamos em fase investigativa.

Temos que respeitar a presunção de inocência. Desta vez, não é como no 8/1, quando nada aconteceu em instituição militar. Se houver militares condenados a mais de dois anos de prisão, é obrigação do Ministério Público Militar fazer a denúncia ao STM e lá haverá novo processo, ministro relator, ministro revisor, direito à defesa e ao contraditório e análise da vida pregressa para saber se ele é digno ou não. É um tribunal de honra com 10 ministros militares e cinco civis.

Valor: A vida pregressa do réu pode contrabalançar o que a Justiça comum tiver decidido? Um não anula o outro, certo?

Camelo: Pode contrabalançar, mas ele mantém as condenações anteriores. O que decidimos é se ele vai continuar na Força ou se vai ser expulso.

Valor: Na ordem militar, como são consideradas as afrontas à hierarquia e à disciplina?

Camelo: Pode ser que ao longo do julgamento venha a se decidir que houve, mas até o momento não vejo nada. A afronta é se ele ofender a instituição militar.

Valor: Coronéis tramando golpe não é afronta aos comandantes?

Camelo: Não, é um crime contra a ordem política.

Valor: Se ficar comprovado que houve tentativa de constranger ou punir militares que não aderiram à tentativa de golpe não é quebra de hierarquia?

Camelo: Seria, mas não temos conhecimento de nenhum caso.

Valor: A troca de mensagens entre o general Braga Netto e o ex-major Ailton Barros não é isso?

Camelo: Se concluírem que houve isso, é crime militar.

Valor: Mesmo se o acusado estiver na reserva está sujeito ao STM?

Camelo: Sim, julgamos até civis, desde que o crime seja militar. Se um civil se juntou com um militar e roubou uma arma nossa, ele vai levar uma punição. Se fraudar uma licitação militar, também. Se falsificar documento para entrar em instituição militar, é crime militar.

Valor: E quem decide se o caso deve ser enviado ao STM?

Camelo: O juiz do caso, ele decide se é crime comum ou militar. E aí chega no STM e analisamos se é. Tivemos um fato interessante no período revolucionário. Em 1978 começaram a proliferar greves no país. Em 1980 criou-se o PT. Houve uma greve com adesão de 100 mil trabalhadores, muito duradoura. Foram presos 12 sindicalistas. O advogado era Sepúlveda Pertence.

Na diplomação de Lula ele me disse o quanto admirava o STM. [Ernesto] Geisel tinha tipificado greve como crime contra a Lei de Segurança Nacional. Sepúlveda entrou na primeira instância dizendo que a greve não poderia estar sob a LSN porque se destina a melhorar a vida da população. Eles foram condenados na primeira instância a três anos e quatro meses. Quando o caso chegou ao STM, os ministros entenderam que não era um crime contra a segurança nacional e que a competência não era nossa. Anularam o julgamento e mandaram o processo à Justiça do Trabalho. No 8/1 nos acusaram de entregar tudo a Alexandre de Moraes, mas a competência não era nossa.

Valor: Um dos diálogos tornados públicos mostra dois oficiais, um cedido à Presidência e outro lotado no Comando Sul, usando a estrutura militar para colaborar com tentativa de golpe, inclusive o canal interno de comunicação oficial do Exército.

Este coronel estava atuando fora de suas atribuições. Isso em nada fere a hierarquia e disciplina?

Camelo: Eles estavam trabalhando para a ruptura da ordem política, que é da competência da Justiça Federal. Quem tem os autos é Alexandre de Moraes. Dizem que tem que trocar o ministro. Não tem problema em trocar, mas me parece que o resultado vai ser o mesmo porque o crime está configurado. É

só ver as provas. Se chegarem à conclusão de que há um crime militar, vão remeter para o STM.

Valor: Pode ser transferido tudo ou uma parte?

Camelo: O que disser respeito à Justiça Militar. Não podemos dizer que o oficial cometeu este crime. O importante é que o processo está sendo conduzido pela primeira vez dentro dos limites constitucionais, sem subterfúgios. Na intentona comunista (1935), [Getúlio] Vargas conseguiu aprovar um Estado de Sítio. Criou um tribunal de segurança nacional dentro da estrutura da Justiça Militar. E este tribunal julgaria sempre que o país estivesse em estado de guerra. Foi um tribunal de exceção. Foi tanta gente presa que tiveram que criar prisões agrícolas e navios-prisão.

Durou até o fim do Estado Novo. A Justiça Militar ficou com estereótipo negativo. Em 1964, o comando supremo revolucionário se auto intitulou Poder Constituinte. E o

Ato Institucional no 1 determinou que a Constituição de 46 permaneceria em vigor com as modificações impostas pelo Poder Constituinte.

Antes mesmo de Castelo [Branco] assumir. Depois saiu o AI2, quando o STF passou a ter 16 ministros e nós, 15 [depois o STF recuou para 11 e o STM ficou com 15]. Naquele ato estabeleceu-se que a Justiça Militar julgaria os crimes contra a LSN, uma lei muito dura, as penas eram desproporcionais.

Não temos que estar na política, mas na defesa da pátria e na garantia dos poderes constitucionais.

Agora tivemos um governo que se achava que era militar. E

não foi. Bolsonaro empregou muitos militares e contaminou nossa instituição. Temos que ter o cuidado e separar indivíduos e instituição, que não aderiu.

Valor: As investigações mostram que dois ex-comandantes, Freire Gomes, do Exército, e Batista Jr, da Aeronáutica, resistiram às pressões. Mas também há cobranças por não terem denunciado a pressão que sofreram.

Houve omissão?

Camelo: Não posso emitir juízo de valor sobre o que será julgado.

Valor: A comparação que sempre aparece é aquela com Mark Milley, ex-chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas que denunciou pressão de Donald Trump. Não caberia uma denúncia pública como aquela que houve nos EUA?

Camelo: Não conheço o caso. A justiça militar não está omissa. Não podemos nos antecipar.

Valor: Entre os oficiais cuja interação com os golpistas ficou evidente, o general Theophilo Oliveira seguiu à frente do Coter até ir para a reserva em novembro, o coronel Bernardo Correa Neto foi mandado para a Escola Interamericana de Defesa, em Washington, e o coronel Fábio Martins foi promovido. Não existe um gatilho de afastamento preventivo ou para congelar a ascensão de suspeitos?

Camelo: Não havia denúncia contra Theophilo. O único gatilho que temos é que se o elemento for denunciado ele não será promovido e ficará aguardando o julgamento. Fábio Martins foi promovido porque não estava denunciado.

Valor: Hoje se sabe que Lula resistiu a uma GLO e esta decisão pode ter salvado a democracia. O senhor concorda com isso?

Camelo: Foi o maior acerto dele. GLO tem que ter planejamento. Fui o responsável por analisá-las no GSI, minha assessoria é que analisava se era o caso de GLO e que estrutura seria necessária. Com isso posto é que acionamos. Não pode ser num estalar de dedos.

Pela primeira vez, militares serão julgados sem subterfúgios e dentro da Constituição

Valor: O senhor foi consultado?

Camelo: Não, porque foi feita uma sugestão na hora.

Valor: Pelo ministro Múcio.

Camelo: Múcio perguntou se não seria o caso e Lula disse “de maneira alguma vou colocar GLO agora” e não era pra colocar mesmo porque ele conhece. E sabe como o processo funciona. Eu estava em férias e não era presidente do tribunal ainda.

Valor: Se Lula rejeitou, um outro poderia ter aceitado. Por isso, o 142 [artigo da Constituição que prevê a atuação das FA na garantia da lei e da ordem] não deveria ser mudado para a democracia não ficar ao alvitre do presidente de plantão?

Camelo: A GLO é um recurso emergencial, excepcional, não é brincadeira. É o último recurso para resolver um problema. Se a PM entra em greve, quem resolve, as FA americanas? Que instrumento lhe restaria? O estado de sítio?

Valor: Eduardo Pazuello era general quando foi convocado para o Ministério da Saúde. Como subiu em palanque, foi aberta uma sindicância. Agora está envolvido na trama golpista. Tivesse havido uma punição efetiva, não teria inibido seu comportamento posterior?

Camelo: O caso do Pazuello foi gritante. Não houve prisão porque se perguntaram: se ele estava num cargo político, não poderia fazer política? Não podia porque era militar da ativa. Era desejável que não se permitisse, mas a lei permitia e ele foi escolhido pelo presidente. Então criou-se a simbiose.

Não participei do processo porque era uma questão disciplinare isso é decidido pelo comandante da Força. Temos que evitar os militares na política. Têm que ser subordinados ao poder civil, ministro da Defesa tem que ser civil. Detemos as armas e elas têm que ser usadas para defender a pátria. Quando se elege o presidente está se elegendo o comandante- supremo das FA.

Valor: Então o senhor é favorável a que o militar, assumindo um cargo civil, deixe a força?

Camelo: Sim, vá para a reserva. Isso agora vai entrar no Congresso mas, num primeiro momento, eles não quiseram radicalizar. O que vai entrar é que se o elemento for candidato ele passa automaticamente para a reserva.

Valor: Mas isso aí não impediria o Pazuello…

Camelo: Para resolver com mais facilidade este caso, inicialmente o PL que conheço é focado nos candidatos.

Os argumentos foram de que há militares excepcionais, por exemplo, na ciência e tecnologia, e nesta área eles seriam essenciais.

Mas deve ser debatido melhor.

“A decisão de Lula de não decretar GLO no 8/1 foi um de seus maiores acertos”

Valor: O que foi mais determinante em tudo isso para o dano à imagem das FA?

Camelo: Em 1985 houve um recuo para que os militares não se envolvessem mais na política. Não se podia nem andar com adesivo de candidato no carro. Agora tivemos a eleição de um ex-militar. A turma dele estava no generalato. Ele pegou as pessoas de sua confiança e, com isso, caímos para a quinta instituição mais respeitada. O fato de ter tantos militares na política não está certo.

Valor: Se o STM tivesse mantido a condenação do capitão Jair Bolsonaro na primeira instância não teria evitado tudo isso?

Camelo: Ele não foi condenado.

Valor: Ele foi punido e o STM reverteu esta punição…

Camelo: Temos um Conselho de Justificação que analisa acertos e erros. General Leônidas [Gonçalves] reuniu o conselho e entendeu que ele Bolsonaro não estava dentro dos critérios de disciplina do quartel [Bolsonaro perdeu por 3 x 0 neste conselho]. O conselho recomendou que se enviasse o caso para o STM decidir se o elemento deveria permanecer na Força.

Valor: À luz da história, o STM não errou?

Camelo: Naquele momento foi analisado que ele deveria continuar. Em seguida pediu reserva. Foi 30 anos deputado federal. Teve reconhecimento do povo. Não fez nada contra as FA. Julgamos tão certo que ele chegou à Presidência.

Valor: Como o senhor vê a adesão que ele teve nas Forças Armadas tendo sido um militar indisciplinado?

Camelo: Na realidade, o que tivemos foi uma polarização muito

grande, em cima do defeito de um e de outro. Tem gente que tem uma forma de angariar as pessoas. Foi eleito oito vezes como deputado porque o povo o elegeu. Sem fraude.

Ele tem empatia. Muitos militares aderiram, isso é democracia.

Valor: 0 discernimento das FA não melhoraria se o currículo de escolas militares fosse aperfeiçoado?

Camelo: Anualmente aperfeiçoamos nosso currículo, o mundo evolui, o comunismo acabou, bipolarização também. As FA não podem atuar com ideologia.

Valor: Mas por que não se admite ingerência civil nos currículos?

Camelo: Dentro da Defesa tem civis para atuar conosco. Hoje temos um livro branco que explica como atuamos. Múcio pediu concurso para 300 vagas de civis para trabalhar junto com militares.

Valor: O senhor discorda que o Congresso se debruce sobre isso?

Camelo: O Congresso já tem tanta coisa pra fazer. As FA têm competência para isso.

Valor: O senhor reconhece o dano na imagem das FA e que a ascensão de um capitão contribuiu para isso. Nada poderia tê-lo evitado?

Camelo: O erro foi o número de militares no governo, uma participação excessiva. Hoje temos três comandantes excepcionais. Atuam nos problemas dos Yanomamis, nas enchentes, sempre atentos a atender a população e manter a paz social, criar pontes para unificar o país.

Valor: O tuíte do general Eduardo Villas Bôas [que pressionou o STF contra habeas corpus a Lula] faz parte da missão do militar?

Camelo: Não. Tanto que estamos a acabar com essa ingerência. Há orientação dos comandantes para nos voltarmos ao público interno.

Valor: O que foi feito para se coibir tuítes como o de Villas Bôas se agora as redes foram usadas pra enxovalhar oficiais?

Camelo: Durante todo o século passado nunca foi feito nada. Não cabia a nós interferir em outro poder.

É admissível isso. Estamos amadurecendo e vivendo outros tempos. Temos que pensar daqui pra frente o que se precisa para acabar com os vícios do passado.

Valor: Como será o 31 de março?

Camelo: Não vai haver nada, mas não temos que ter vergonha porque Jango [João Goulart, o presidente deposto] nos impulsionou, falando mal das FA. Depois houve 1 milhão de mulheres no centro de São Paulo contra Jango e a reunião no Automóvel Clube pregando insubordinação de suboficiais. Tínhamos apoio da população, da imprensa e de empresários.

Valor: Mas não tinham o apoio da Constituição

Camelo:
Não, foi uma ruptura, mas impulsionada pelo povo.

Valor: Mas as FA estão submetidas ao povo ou à Constituição?

Camelo: Era a tradição das FA participar de tudo, proteger o imperador. O STF foi criado, mas demorou a assumir as funções. Hoje o STF funciona e as FA são outras.

Valor: Por que não houve eleição depois de 1964?

Camelo: O ato institucional no 1 determinava eleições em 1966.

Houve uma série de erros e isso não pode mais acontecer. Temos que conhecê-los para que não se repitam. Tínhamos que ter devolvido o poder aos civis. Pela primeira vez estamos julgando dentro do processo legal. Daqui pra frente, vai ser melhor.

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