Em 2022, Brasil adquiriu 101 mil toneladas de diesel da Rússia. Em apenas um ano, volume bate recorde e passa para 6,1 milhões de toneladas. Cenário é reflexo de resposta europeia à guerra na Ucrânia.
(DW) Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a União Europeia (UE) resolveu cortar os laços energéticos que mantinha com o país agressor, que durante anos foi sua maior fonte de energia. Essa decisão teve efeitos colaterais que foram sentidos no Brasil. Com o embargo europeu ao petróleo e diesel russos, o Brasil passou a ser o terceiro maior importador de hidrocarbonetos da Rússia, ficando atrás apenas de China e Turquia, duas nações historicamente menos alinhadas ao Ocidente.
Em 2022, o Brasil importava 101 mil toneladas de diesel da Rússia, totalizando 95 milhões de dólares em compras. Em 2023, importou 6,1 milhões de toneladas – uma alta de 6.000% em relação ao ano anterior –, gastando 4,5 bilhões de dólares nesse negócio. Esse aumento fez com que o país se tornasse o maior importador de diesel russo.
Em alguns momentos, mais de 90% do diesel importado pelo Brasil foi de origem russa. Já no caso do petróleo, houve aumento de 400% nas importações na comparação anual.
“A tendência observada ao longo de 2023, marcada pelo aumento das importações de diesel russo pelo Brasil, substituindo principalmente os volumes dos Estados Unidos e Índia, foi significativamente influenciada pela aplicação integral das sanções europeias ao diesel russo”, afirma o analista da Rystad Energy Raphael Faucz. O movimento teve início com importadores menores buscando aproveitar os descontos oferecidos pela Rússia, estratégia que posteriormente foi adotada também pelas grandes companhias, visando manter a competitividade no mercado, avalia.
“Como a Rússia teve que encontrar novos lares para o seu diesel em meio às sanções europeias, o Brasil tem sido um comprador disposto”, afirma o analista da empresa de pesquisas Kpler Matt Smith. A Rússia exporta cerca de 950 mil barris de diesel por dia, e enviava cerca de 70% deste volume para a União Europeia e o Reino Unido antes do embargo.
Produto mais barato e grande demanda
O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, confirma a intenção de buscar preços menores entre os fornecedores, e afirma que o resultado foi sentido no bolso pelos brasileiros. “Considerando que existe competição no fornecimento primário do diesel, bem como no elo de distribuição da cadeia de suprimentos, os descontos obtidos nas importações foram repassados para os preços nas bombas”, acrescenta.
O diretor de precificação de produtos refinados nas Américas da Platts, parte da S&P Global Commodity Insights, Matthew Kohlman, aponta outro aspecto que impulsionou as importações. “A economia do Brasil está crescendo, especialmente os mercados agrícolas que dependem do diesel para transporte. As refinarias locais aumentaram a produção, mas ainda não conseguiram acompanhar a demanda”, aponta.
O tema é visto ainda como prioridade para a segurança energética brasileira, país que tem sua matriz de fretes bastante dependente de veículos a diesel. “Sem dúvida, a importação deve ser considerada como prioridade para garantia do abastecimento e segurança energética nacional. O déficit na produção nacional é da ordem de 30% da demanda”, afirma Araújo.
Desconforto com o Ocidente e riscos
Para Faucz, a mudança no cenário de importações não foi impulsionada por uma política pública deliberada, mas sim pelo dinamismo dos agentes privados em busca das melhores oportunidades de mercado. “Até o momento, não se observou um escrutínio significativo por parte dos Estados Unidos ou da União Europeia em relação aos fluxos de petróleo e derivados da Rússia”, afirma.
Em sua visão, isso se deve, em parte, às preocupações globais com a inflação e os preços dos combustíveis, em especial em um ano eleitoral críticos nos Estados Unidos, que têm levado essas potências a adotar uma postura mais cautelosa quanto à imposição de pressões adicionais. “É pouco provável que haja um aumento significativo da pressão do Ocidente para que o Brasil cesse suas importações de diesel da Rússia”, avalia.
Em setembro de 2023, o governo russo ordenou a proibição das exportações dos combustíveis do país, visando garantir o suprimento interno. À época, o movimento fez com que importadores brasileiros tivessem de buscar opções de última hora. Sobre o cenário e os eventuais riscos, Araújo argumenta que a proibição foi por um pequeno período. “Entendemos que não existe risco de descontinuidade das operações”, afirma.
Para Faucz, uma suspensão ou redução nas exportações russas provocaria, em escala global, um incremento nos preços, afetando consequentemente a referência para as refinarias locais no Brasil. Além disso, as importadoras brasileiras, diante da necessidade de buscar alternativas em mercados potencialmente menos competitivos, poderiam enfrentar redução nas suas margens de lucro, o que, por sua vez, teria impacto direto no preço final ao consumidor, com um possível aumento no custo do diesel nas bombas.
Cenário provavelmente mantido em 2024
“Para 2024, considerando a continuação das sanções sobre as cargas russas, é provável que a tendência de importação de diesel russo pelo Brasil se mantenha, com o país seguindo com os descontos atrativos, e se as condições dos mercados continuarem favorecendo esta opção”, avalia Faucz.
Segundo Araújo, considerando a expectativa de alta do PIB em 2024, a forte correlação existente da atividade com o consumo de diesel e a manutenção da oferta atual de produto nacional, o volume importado deverá ser um pouco maior que o verificado em 2023. “O aumento no teor de biodiesel no diesel não impactará a necessidade de importação”, aponta ainda. “A expectativa é de que a Rússia continuará ofertando produto com desconto, sendo a melhor opção para os importadores”.