O crime compensa no Brasil? Os indicadores e a realidade parece confirmar que sim.
Flávio César Montebello Fabri
Colaborador DefesaNet
A World Justice Project – WJP trata-se de uma organização internacional cujo escopo é a promoção do Estado de Direito, em âmbito global. Um de seus fundadores é William Horlick Neukon, um advogado que atuou como consultor jurídico da Microsoft por mais de duas décadas. Filantropo, efetuou considerável doação para que fosse erguido um novo prédio na Universidade de Stanford (edificação situada no complexo da faculdade de direito).
A World Justice Project é uma organização independente, sem fins lucrativos. Uma de suas ferramentas de avaliação (quantitativa) é a WJP Rule of Law Index (com a análise a respeito de 142 países, conforme publicação de 2023). Para a pontuação, são levados oito quesitos em consideração (incluindo justiça criminal, corrupção, abertura do governo, segurança etc.).
O Brasil encontra-se na não exatamente honrosa 83ª colocação (ou seja, abaixo da média). Se pesquisarmos a avaliação “justiça criminal”, caímos mais ainda: 114ª colocação (entre 142 países). Necessário citar que a respeito das leis, avaliam se as mesmas, além de claras, protegem os direitos fundamentais, incluindo a segurança das pessoas e do patrimônio. A respeito da justiça, se a mesma é prestada por representantes neutros, competentes, em número suficiente e com recursos adequados. Verificam, também, se o sistema judicial está livre de corrupção e influência “imprópria”, tão como se a resolução de demandas ocorre em tempo hábil.
Por curiosidade, há o Global Peace Index – GPI. Disponibilizado pela Vision of Humanity, que é uma instituição fundada em 2008, fornece dados e análises (por sua vez, recebe informações do Institute for Economics and Peace – IEP, uma instituição sem fins lucrativos sediada na Austrália e com vários escritórios pelo mundo, cuja referência se encontra logo no inicio do GPI). A análise engloba 163 países, estando o Brasil na 132ª posição, no índice de 2023.
Caso pesquisarmos outro documento disponível no site do IEP, encontraremos o Índice de Percepção de Segurança 2023 (Safety Perceptions Index – SPI). A situação do Brasil não parece melhor lá: 115ª posição (entre 121 países). A respeito do documento, lemos logo em seu início que o “Índice de Percepções de Segurança da Fundação Lloyd’s Register (SPI) fornece uma avaliação abrangente das preocupações e experiências de risco em 121 países. O SPI é o único corpo de trabalho que proporciona uma compreensão mais profunda dos sentimentos de segurança dos cidadãos, do que qualquer outra fonte publicamente disponível. O índice é produzido pelo Instituto de Economia e Paz (IEP) com base em dados da World Risk Poll, uma pesquisa global elaborada pela Lloyd’s Register Foundation e administrado pela Gallup”. Enquanto em algumas nações a maior preocupação citada é a respeito de terrorismo e guerra (ou mesmo, em algumas, o temor a respeito da segurança financeira / econômica), no Brasil, é sobre o crime e a violência.
Para os que desejarem ampliar eventual pesquisa, opino para que consultem, também, o Global Organized Crime Index. Trata-se de uma ferramenta financiada pelo governo dos Estados Unidos, com a finalidade de mensurar os níveis de crime organizado em um país e avaliar a sua resiliência à atividade criminosa organizada. A concepção e desenvolvimento do Global Organized Crime Index teve o apoio do projeto ENACT (Enhancing Africa´s Response To Transnacional Organized Crime), um programa cujo início se deu em 2017 e que se estenderá até 2025, com um orçamento de aproximadamente 26 milhões de euros da União Européia e França, cujo objetivo é a utilização da análise criminal para melhorar a resposta da África ao crime organizado transnacional. Há ações de capacitação, fornecimento de equipamento, software analítico, entre outros, tão como a avaliação do impacto do crime organizado na governança. É implementado pelo Instituto de Estudos de Segurança e pela INTERPOL, em associação com a Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional. Mais uma vez, não estamos bem avaliados no Global Organized Crime Index.
De qualquer forma, infelizmente, não há qualquer surpresa. Por sinal, DefesaNet em março de 2023 (https://www.defesanet.com.br/ghbr/se-voce-fala-isso-para-um-policial-europeu-ele-acha-que-voce-esta-brincando/) já havia mencionado diversos aspectos a respeito de pontos elencados nos números e classificações desses índices produzidos no exterior. Por exemplo, que no período compreendido entre 2016 e 2022, ocorreram 820 casos de tentativa de homicídio no Estado de São Paulo, onde figuravam como vítimas policiais militares. De 2013 a 2022, no artigo publicado, verificamos que mais de 500 policiais militares foram vítimas de homicídio. Estamos falando a respeito de profissionais que são treinados para a utilização de armamento e que são conhecedores de técnicas e táticas para atuarem no enfrentamento ao crime.
Por qual motivo não citei algum “índice” ou relatório de institutos ou de qualquer outra organização que efetuam análises de segurança pública no Brasil? Por um motivo simples, para começar: os números não são confiáveis. Muitas dessas estatísticas acabam sendo utilizadas por pesquisadores e também por aqueles que pretendem, in tese, fomentar debates, melhoras ou mesmo alterações na segurança pública (por vezes até são emitidas sugestões, que são feitas por pessoas que jamais passaram um único minuto atuando em um viatura policial). Em um caso específico, algumas das análises (e números) tinham como origem um compilado de reportagens jornalísticas (com fonte praticamente única), tão como outros posicionamentos teóricos.
Em um trabalho científico primoroso, o Capitão PM (PMESP – Polícia Militar do Estado de São Paulo) Ricardo Savi já demonstrou que as estatísticas de um famoso fórum, por exemplo, não batiam com a realidade que se apresentava (isso no decorrer de vários anos). A análise dele não foi meramente teórica, por sinal. Por anos chefiando operacionalmente agentes da Equipe PM Vítima (uma unidade com a árdua missão de atuar na elucidação de crimes onde figuram como vítimas policiais militares), o oficial referenciado não somente atuava na prisão de homicidas de policiais, em uma das missões mais cansativas, arriscadas e menos conhecidas (para não falar compreendidas), mas também efetuou a análise de centenas e centenas de casos em que ativamente participou. É irreal ouvir a respeito de vitimização de agentes da lei, pessoas (ou profissionais) que sequer atuaram em um único caso, conhecendo profundamente o que ocorreu, deixando de ouvir especialistas como o que mencionei. Se nem nos números muitos institutos com “especialistas” conseguem acertar, por qual motivo devem ser levados em consideração? Por qual motivo especialistas de verdade na área de segurança pública (os policiais) são menos ouvidos?
No início de 2023, o Comandante Geral PM (SP), Exmo. Sr. Coronel Cassio Araújo de Freitas, já havia se posicionado a respeito da legislação brasileira e seu impacto na Segurança Pública.
- “O criminoso começa cometendo pequenos delitos. Nós temos uma permissividade muito grande para os pequenos delitos, coisa que os países modernos já superaram. Os pequenos delitos funcionam como incentivo para os grandes. O rapaz cometeu 13 crimes, entre roubos e furtos, e vamos esperar o que? Ele cometer um latrocínio? Porque é a seqüência lógica. Aí ele vai preso? Vai ficar 20 anos preso?
(…)
Se ele tomasse uma reprimenda séria, eu acredito que a chance dele continuar na reincidência diminui.
(…)
Nós estamos condicionando o criminoso a continuar no crime.
A legislação é a nossa ferramenta de trabalho. Se a ferramenta tem algumas deficiências, isso vai repercutir.”
(LOPES, Guilherme: Comandante da PM: A legislação condiciona o criminoso a continuar no crime – Revista Oeste – disponível em https://revistaoeste.com/brasil/comandante-da-pm-a-legislacao-condiciona-o-criminoso-a-continuar-no-crime/)
Assim, que tal recordarmos uma teoria? Mais especificamente, a elaborada por Gary Stanley Becker: a teoria econômica do crime.
- “Em 1968, Becker publicou o artigo intitulado “Crime and Punishment: An Economic approach” (Crime e Punição: uma abordagem econômica, em tradução livre), publicado no Journal of Political Economy, por meio do qual fez uso do raciocínio econômico para explicar as variáveis consideradas previamente à decisão de praticar condutas penalmente ilícitas, decisão essa tomada por indivíduos racionais. A idéia central do modelo reside na ponderação realizada por esses mesmos indivíduos entre custos da prática delituosa e os benefícios esperados (expectativas de lucro)”.
(…)
“A decisão de cometer ou não o crime resultaria de um processo de maximização da utilidade esperada, em que o indivíduo confrontaria, de um lado, os potenciais ganhos resultantes da ação criminosa, o valor da punição e as probabilidades de detenção e aprisionamento associadas e, de outro, o custo de oportunidade de cometer crimes, traduzido pelo salário alternativo no mercado de trabalho”.
(PIRES, Adriane da Fonseca: A economia do crime: precisamos falar sobre Gary Becker – Canal Ciências Criminais – disponível em https://canalcienciascriminais.com.br/a-economia-do-crime-precisamos-falar-sobre-gary-becker/#_ftn1)
Quando o Cel PM Cássio efetuou sensato posicionamento, há perfeita fundamentação teórica para o que disse. A quase perpétua vontade de alguns para que um criminoso tenha penas brandas, progressão de regime, que interpretações diversas façam com que aquele que cometeu um crime sequer permaneça muito tempo (ou mesmo vá) preso, tem um custo altíssimo para a sociedade. Não é raro vermos criminosos com dezenas de passagens, ainda em liberdade. Ele (o criminoso) aprendeu que, caso cometa um crime, terá uma grande probabilidade de (caso seja preso pela polícia) sair na audiência de custódia. Terá uma legislação permissiva a seu favor (para que, teoricamente, seja “reeducado” e possa “conviver de forma harmoniosa” em sociedade).
Quando o criminoso aprende na prática (principalmente pela lei que deveria inibir a ação criminosa e, naquele que pratica o crime, punir para que seja afastado de suas ações por intermédio do encarceramento, servindo isso também de fator de inibição para quem pretenda cometer um crime similar) que seu ganho roubando compensa pelo baixo risco de permanecer preso muito tempo, com certeza ele irá reincidir na prática. Para ele, o crime passa a compensar. Ao invés de pesada pena, será bem tratado na audiência de custódia, talvez responda o processo em liberdade (continuando a praticar crimes) e, caso seja preso, terá toda benevolência da lei a seu favor, promovendo rapidamente seu retorno às ruas. Não dificilmente, irá ousar mais. Há uma excelente relação custo x benefício para ele.
Com uma triste freqüência, vemos o custo pago pela sociedade (e por aqueles que efetivamente se prontificam a defendê-la) por termos uma legislação permissiva, com custo x benefício totalmente favorável ao criminoso. No mesmo período em que foi amplamente noticiado que uma magistrada foi elogiada por oferecer café a um detendo, determinar que suas algemas fossem retiradas e que uma blusa lhe fosse oferecida, por estar com frio (tão como que o ar condicionado fosse desligado), recebendo este o tratamento de “senhor”, causou extrema comoção o assassinato de uma jovem policial militar paulista.
A policial Sabrina Freire Romão Franklin foi morta na noite de 18 de janeiro, ao retornar do serviço. A condição de policial militar (na circunstância em que se é vítima) trata-se de um fator que faz com criminosos potencializem a violência. Foi brutalmente assassinada ao ser vítima de roubo (derrubada da motocicleta que conduzia, recebeu disparos de arma de fogo quando se encontrava no solo). A resposta da polícia foi eficiente, com agentes da Polícia Civil e Militar (incluindo nesta, a Equipe PM Vítima), atuando prontamente. Permanece a questão da permissividade da lei (que não inibe que esse tipo de evento ocorra). Nossa legislação faz com que qualquer um fique receoso em cometer qualquer crime? Por qual motivo alguns ainda insistem em ouvir (ou estudar) o que pretensos especialistas (que sequer acertam uma estatística) falam? Por qual motivo ainda insistem em se ouvir a respeito de assuntos afetos à Segurança Pública, pessoas que jamais atuaram como policiais?
Ninguém deseja uma legislação (ou doutrina) que faça com que uma magistrada trate mal alguém (mesmo sendo um detendo). O que se deseja é uma legislação que iniba o crime e que trate com rigor o criminoso. Que este pese o ato que pretende fazer com a pena que receberá (caso o cometa), tão como que qualquer um fique temeroso em atentar contra a vida ou integridade de alguém (pois passará décadas encarcerado). É isso.
Ao vermos como o Brasil se encontra classificado nos “índices” (GPI, WJP Rule of Law Index etc.), temos uma resposta: tanto Gary Becker como o Cel PM Cássio, estão corretos em suas premissas (ao menos para o Brasil que atualmente vivemos).