O inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos só perseguiu quem o ministro Alexandre de Moraes considera de “extrema direita”; jamais algum miliciano digital ligado à esquerda chamado a depor
J. R. GUZZO
Revista OESTE
29 Dezembro 2023
Já faz cinco anos que o ministro Alexandre de Moraes, com o apoio intransigente dos colegas e das polícias do pensamento que comanda, lançou um dos projetos estratégicos mais ambiciosos que o STF já teve em toda a sua história: a eliminação da mentira no território nacional. Parece louco, e é louco, mas eles já convenceram muita gente de que as redes sociais transmitem o vírus das fake news. Isso tem de acabar.
As pessoas, segundo o seu evangelho, passarão a ouvir só a verdade se houver uma repartição do governo com o poder de controlar a internet e proibir a publicação de notícias falsas. Lula, o PT e a esquerda brasileira estão no mesmo barco. Tanto quanto Moraes, dizem que uma das piores ameaças para o Brasil dos nossos dias é o fato de que os brasileiros podem hoje falar em público aquilo que têm na cabeça — uma calamidade tecnológica tão perigosa quanto a “crise do clima”, a direita mundial e a produção de alimentos.
É a grande ideia fixa do STF, de Lula e do consórcio que governa hoje o país: ou a gente acaba com a liberdade na internet, ou a liberdade na internet acaba com a gente.
Nunca houve um único minuto de honestidade de propósitos em nada disso. Nem o STF nem Lula jamais tiveram o mais remoto interesse em separar a verdade da mentira — além do mais, seria perfeitamente inútil se tivessem tido, levando-se em conta que uma pretensão dessas é a mesma coisa que querer regulamentar por decreto-lei o movimento de rotação da Terra.
O que querem não é proibir a divulgação de notícias falsas nas redes sociais, ou onde for. Querem, isto sim, proibir a publicação de tudo aquilo que não querem que seja publicado. É o que as ditaduras fazem desde a invenção da linguagem escrita — chama-se a isso de censura. Hoje, pela primeira vez na história humana, não é mais preciso de imprensa, ou de “meios de comunicação”, para se publicar nada. Há a internet, e 8 bilhões de pessoas têm acesso livre, permanente e gratuito a ela.
Uma das consequências é que não adianta mais fazer a censura de sempre — com oficial do Exército dentro da redação armado de uma caneta Pilot. É preciso, então, controlar o que as pessoas dizem nas redes sociais. Eis aí o começo, o meio e o fim do combate às fake news.
“Acaba de aparecer, no Brasil, a primeira morte provocada de maneira direta e indiscutível pelo esgoto da internet — não o massacre imaginário do ministro Dino, mas a morte de um ser humano de verdade, com nome, corpo e alma”
Naturalmente, como é sempre o caso com as ideias totalitárias, a censura através do “controle social das redes de comunicação” vem falsificada numa outra garrafa — a da “defesa da democracia”. Também como sempre, é indispensável racionar severamente a liberdade para salvar o “estado democrático de direito”. Da mesma forma que a religião de Cuba proíbe a liberdade de imprensa para impedir “ataques contra a democracia popular”, o consórcio Lula-STF quer proibir os “fascistas”, ou a “direita”, de se manifestarem para não perturbar o seu tipo de ordem democrática — ou seja, quer proibir que se fale contra o governo e a sua rede de protegidos, clientes e parasitas.
O ministro Moraes, nessa obra conjunta, abriu em 2019 o seu inquérito perpétuo contra as fake news, que viria a casar em segundas núpcias, e com os mesmos propósitos, com os “atos antidemocráticos”. Lula persegue há um ano no Congresso a aprovação de uma lei de censura. Acaba de criar um Comitê Nacional de Cibersegurança, a ser formado por representantes de 19 órgãos federais diferentes, com a intenção de criar “mecanismos de regulação, fiscalização e controle” do universo digital.
Toda essa fraude maciça vem acompanhada de apelos à virtude, aos sentimentos humanos e ao “processo civilizatório”. O ministro Flávio Dino, em especial, andou falando durante certo período de intensa militância contra as Big Tech que era preciso combater a liberdade “sem limites” na internet — entre outras coisas, para acabar com o “massacre de crianças” que estaria sendo provocado pelas redes sociais.
Foi uma pregação indignada contra as taras que sempre estiveram presentes no conteúdo de um meio de comunicação aberto para todos os que têm um telefone celular a seu dispor — e que são, sem dúvida, um desvio perverso no uso da liberdade de expressão. Vai daí que acaba de aparecer, no Brasil, a primeira morte provocada de maneira direta e indiscutível pelo esgoto da internet — não o massacre imaginário do ministro Dino, mas a morte de um ser humano de verdade, com nome, corpo e alma.
É a jovem Jéssica Canedo, de 22 anos de idade, que se suicidou em Minas Gerais depois de ser alvo de uma bateria de mentiras cruéis num site que pratica difamação aberta e constante em relação a “celebridades”. E aí — o que acontece com as exigências de regulamentação?
A tragédia teria, obrigatoriamente, de ser um caso de mobilização imediata para um governo e um STF que se dizem tão horrorizados com a selvageria das redes sociais.
Não está em plena operação no tribunal supremo da Justiça brasileira um inquérito para cuidar dessas coisas, com poderes de repressão ilimitados e acima da lei?
Não há um Ministério da Justiça obcecado em combater a mentira na internet?
Não há uma Polícia Federal (“que eu comando”, como diz Flávio Dino), um Ministério Publico com 4 mil procuradores e o resto da máquina do Estado?
Não há um presidente da República que não para de falar no assunto?
Há tudo isso, mas até agora todos eles estão no mais absoluto silêncio sobre o que aconteceu. É muito compreensível.
O rastro dos responsáveis pelo site que causou o suicídio da moça leva diretamente para dentro do Palácio do Planalto. A campanha eleitoral de Lula no ano passado pagou por seus serviços — tinham a função de produzir “conteúdos” diários em favor de sua candidatura. Mais: a mulher do presidente, Janja, tem ligações com um dos envolvidos, que foi convidado por ela para subir no carro de som que comemorava na Avenida Paulista o anúncio dos resultados da eleição pelo TSE.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania e a ministra das “Mulheres” falaram do caso uma vez — e depois não deram mais um pio. Os dois, é claro, usaram a morte de Jéssica para denunciar as mentiras que levaram à sua morte e para exigir, mais uma vez, o controle oficial sobre as redes sociais. Não está claro por que falaram sozinhos; é possível que não soubessem direito o que estavam falando, e que tenham ficado quietos depois que souberam.
Mas o que ficou evidente no episódio foi a contrafação que envolve toda essa campanha para regulamentar as redes sociais. Ninguém, no consórcio Lula-STF, tem qualquer intenção de servir ao bem comum ou de proteger as pessoas do mau uso da internet — se tivessem, teriam tomado alguma medida, por mínima que fosse, em relação ao suicídio da jovem.
Não fizeram nada. Nunca fazem. O inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos, em cinco anos inteiros, só perseguiu quem o ministro Alexandre de Moraes considera de “extrema direita”; em nenhum caso, jamais, algum miliciano digital ligado à esquerda foi chamado a depor. Os operadores do site que prestou serviços a Lula podem dormir em paz.
É um fenômeno. O Brasil, de acordo com o STF, é o único país do planeta em que só a direita é capaz de dizer mentiras. A esquerda, em compensação, só diz a verdade. Nada disso tem alguma coisa a ver com a prestação de justiça, a defesa da Constituição, a verdade ou a mentira. Tem tudo a ver, unicamente, com a necessidade de calar a voz de quem não está de acordo.