TC Anderson Félix Geraldo
No dia 11 de junho de 2023, estreou na NETFLIX o documentário “Irmãos por Escolha”. Não foi possível assisti-lo sem buscar nas lembranças os anos de formação na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Lembrei-me das dificuldades lá vividas, das amizades construídas, dos ensinamentos adquiridos e, o mais importante, dos valores do código de honra do guerreiro aprendidos; o Ethos militar.
Desde Moniz Barreto até os dias atuais, os militares são incompreendidos nesse aspecto:
“Corações mesquinhos lançam-lhes em rosto o pão que comem; como se os cobres do pré pudessem pagar a Liberdade e a Vida. Publicistas de vista curta acham-nos caros demais, como se alguma coisa houvesse mais cara que a servidão. Eles, porém, calados, continuam guardando a Nação do estrangeiro e de si mesma.”
Ao assistir o documentário, o meu coração cansado se aqueceu e o código do guerreiro ressurgiu, fazendo com que o ânimo retornasse para esse oficial.
Se no passado já era difícil entender a vida militar, imagina na atual sociedade onde o indivíduo é mais importante do que o grupo e onde impera a lei do menor esforço?
Muitos se perguntam o que faz um jovem ingressar na AMAN. A jurar morrer por sua Pátria, desprezando a morte e o sofrimento físico? Por que abdicar de sua juventude e de sua vontade? Do conforto do seu lar? Isso é algo inexplicável para a maior parte da população e até considerado ultrapassado, pois essa sociedade abriu mão de valores que nos tornaram humanos como a preocupação pelo grupo – o espírito de corpo.
Nem todo cidadão está disposto a viver aquilo que os cadetes vivem na AMAN. O que se vive lá parece uma loucura para as pessoas que perderam a sua fé na humanidade. Não entendem os motivos que levam indivíduos a colocar os seus valores acima de sua própria sobrevivência física.
Para compreender a carreira militar, é necessário entender o Ethos militar. O código de honra dos guerreiros surgiu com as primeiras sociedades guerreiras nômades. Seus integrantes caçavam juntos para manter a alimentação e a proteção de todo o bando. Daí surgiu um dos códigos mais antigos, o qual tinha como virtudes a coragem, a abnegação, a paciência, o controle, a determinação para tolerar as adversidades, o amor e a lealdade para com os companheiros. Para esses guerreiros, o espírito de corpo valia muito mais do que o espírito individual, tendo o líder um papel primordial por sua responsabilidade em ser o primeiro a dar o exemplo.
Na AMAN, no transcorrer de sua formação, o jovem cadete aprende esse código e a ser líder. Passa por um regime de aprendizado com disciplinas teóricas e práticas que culminam em diversas iniciações de honra – provas Aspirante Mega e Engenheiro de Ferro, assim como, as entregas do Espadim e da Espada. Tais iniciações são importantes, pois mostram à sociedade que os cadetes estão prontos para defendê-la com o sacrifício de suas vidas.
O cadete aprende, ainda, a pensar no todo, no grupo, e não em si próprio. É mostrada a importância do espírito de corpo e de reconhecer o maior dos seus inimigos, aquele que existe dentro de si. Isso permite identificar os seus vícios e as suas fraquezas, tais como a inveja, a ganância, a indolência, o egoísmo, a capacidade de mentir, de trapacear e de ferir seus irmãos de arma.
Além disso, nos treinamentos, o cadete aprende a ser humano no meio de um mundo cada vez mais caótico e degradado como o nosso, ajudando-o a encontrar a sua humanidade em tempos de paz e de guerra. O processo de “conhecer a ti mesmo” é importante, pois permite ao militar respeitar o seu inimigo sem desumanizá-lo. O faz entender que do outro lado da trincheira está um profissional como ele cumprindo o seu dever de guerreiro para com o seu povo. Esse inimigo poderá se tornar um amigo no futuro.
Esse é um divisor de águas entre um guerreiro que segue um código para os demais que desumanizam o adversário e não respeitam as normas dos conflitos armados. Naquele educandário, o cadete descobre que o profissional militar não deve se voltar para a versão sombria do código, representado por organizações criminosas e terroristas. Estes possuem até estratégias eficazes, mas com fins terríveis, pequenos, vulgares, baixos e indignos. Promovem a guerra movidos por ódio e/ou interesses, não pela sensação do dever e da missão cumprida.
Esses grupos usam o código contra o próprio guerreiro ao usar civis, mulheres e crianças como alvos e escudos. Isso obriga, assim, o guerreiro a descer ao nível moral deles, onde esses grupos possuem total domínio. São capazes de tudo para ganhar a guerra, por não respeitarem nada, nem a sua própria sociedade. Para eles, o inimigo deve ser eliminado totalmente não importa como.
Nossa sociedade ocidental jamais aceitará que seus militares se portem de tal maneira. Da mesma forma, não quer que os seus militares façam guerra, porém, quando ela vier, querem que eles saibam sair dela sem se voltarem para o lado sombrio do código, perdendo a sua humanidade. Já vivemos uma guerra diária, onde cada grupo de interesse busca impor a sua vontade por meio da força. Por esse motivo, necessitamos cada vez mais de líderes capazes em todos os níveis dos campos de poder.
No campo militar, os líderes militares precisam ter a capacidade de enfrentar o perigo, mesmo com os seus homens sangrando e morrendo. De ganharem o respeito de seus homens por meio do exemplo, do amor e da abnegação à Pátria. De serem os primeiros e os últimos a pisarem no campo de batalha. De servirem à Nação, mostrando o caminho para a vitória na guerra. Que sejam melhores a cada dia. Que tenham paz na vitória e humildade na derrota.
Por tudo isso, a importância da AMAN. Local onde o profissional militar aprende a ser esse líder. A perder a sua individualidade em prol do grupo. A pensar, viver e ser como integrante de um grupo que luta na busca de um ideal. Descobrirá que a felicidade está diretamente ligada à posse da honra e de que a desonra perante os amigos é maior do que as armas do inimigo. Reconhecerá que o espírito de corpo é importante para vencer as vitórias e que a abnegação se pauta por uma meta – o interesse do todo sempre é mais importante do que o interesse individual.
O cadete verá que matar o inimigo não é considerado sinal de honra, somente quando realmente necessário, sendo desonra matá-lo covardemente. Com isso, aprenderá que a morte é muito melhor do que a desonra – algo raro no mundo atual.
Aprenderá a superar os seus limites e as suas paixões para amar a sociedade que integra, pois o amor nos faz vencer todos os medos na defesa de todos os que amamos, entregando-nos por completo a um ideal que justifique as nossas vidas – o amor à Pátria. Essa grandeza de valores é contagiante e evoca grandeza a todos aqueles que convivem com o líder militar impregnado pelo código de honra do guerreiro.
Por isso, é necessário resgatar o guerreiro em nossa sociedade e trazer esses valores ao mundo! Fazer o cidadão brasileiro pensar no todo e não em si próprio, pois “Nem um de nós é tão forte quanto todos nós!”
O documentário “Irmãos por Escolha” buscou isso.
https://www.youtube.com/watch?v=iJcbs7TJJL8&ab_channel=Irm%C3%A3osporEscolha-BrothersbyChoice
Anderson Félix Geraldo, tenente-coronel da arma de Engenharia, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras em 2002. Cursou a EsAO em 2011 e a ECEME em 2018-2019. Foi monitor interamericano na Colômbia (2014) e instrutor de ação contra minas e operações de paz no CCOPAB (2015-2017; 2020-2021). Atualmente, compõe a Secretaria-Executiva Permanente da Conferência dos Exércitos Americanos (SEPCEA).