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Brig Aprígio – A voz e a visão da experiência

 


Cosme Degenar Drumond.
Diretor de Redação Revista DEFESA LATINA
degenar@terra.com.br

“O sábio é notado sem se exibir; renuncia a si mesmo e nunca é esquecido”, disse Lao-Tse. O tenente-brigadeiro-do-Ar  Aprígio Eduardo de Moura Azevedo é um desses. Ele passou 46 anos na Força Aérea. Aviador militar, voou mais de 6 mil horas, cerca de um terço delas como piloto de caça. Foi instrutor de voo, oficial de Estado-Maior, presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC) e da Comissão Aeronáutica Brasileira nos Estados Unidos, chefiou o IV Comando Aéreo Regional e o gabinete do Comandante da Aeronáutica. Como oficial de quatro estrelas, esteve à frente da Secretaria de Finanças e do Estado-Maior da Aeronáutica, onde completou seu tempo de serviço.
 
Sua despedida ocorre entre homenagens de amigos e companheiros da caserna e do meio civil, pois o brigadeiro Azevedo é dessas pessoas inesquecíveis. Casa cultura admirável com modos de fidalgo, tendo a modéstia entranhada na personalidade. No dia 4 de março, foi homenageado em almoço na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Entusiasta da indústria brasileira, disse na ocasião que, na última década, a Arma contratou R$ 9,5 bilhões somente em investimentos. Sobre o Plano Estratégico Militar da Aeronáutica 2010-2031, assinalou que os focos são “a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico, a fim de tornar a indústria de defesa cada vez mais moderna e atualizada”.
 
Dias antes, ele concedera entrevista a DEFESA LATINA, cuja equipe lhe dá os parabéns pela brilhante carreira militar, augurando-lhe felicidades na nova etapa.
 
O que o motivou a ingressar na Força Aérea?
 
A vontade de voar. Aqueles que, como eu, tiveram o privilégio de viver em Natal (RN), admirando o ir e vir das aeronaves sediadas na Base Aérea, o Trampolim da Vitória de tantas tradições, receberam forte influência para o despertar da vocação aeronáutica. Assim foi no meu tempo de adolescente, enquanto cursava a quarta série ginasial no Colégio Marista.
 
Pelas janelas da sala de aula, via encantado o voo dos imponentes B-26 Intruder rumando para as áreas de instrução. Também recebi decisivo incentivo da família, que me levou a prestar concurso para a Escola Preparatória de Cadetes do Ar, onde ingressei na turma de 1967.
 
Éramos 412 pré-cadetes, oriundos de todos os cantos do Brasil, sob o comando do inesquecível brigadeiro João Camarão Telles Ribeiro. A Escola de Barbacena  (MG) sempre foi e continuará sendo um dos melhores centros de ensino do país. Ali, aprendemos muito, de Aristóteles a Kant, de Sun Tzu a Clausewitz. Crescemos como seres humanos, conhecemos a caserna e juramos compromisso ao Brasil, se preciso, “com sacrifício da própria vida”. Agradeço todos os dias à Força Aérea Brasileira por ter-me acolhido, quase menino de calças curtas, proporcionando-me ampliação dos horizontes, conformando minha postura em sólidos princípios éticos e valores morais, burilando as lições de vida que trazia de casa, forjando o militar devotado ao serviço.
 
Como era a Força Aérea no seu tempo de jovem tenente?
 
Vibrante, assim como é hoje! O final da década de 60 e os anos 70 representaram, para o Ministério da Aeronáutica de então, momentos de profundas transformações na esfera administrativa, fruto do Decreto-Lei 200/67, que agregava importantes evoluções à burocracia do Estado, com os naturais reflexos na instituição.

“Não faz guerra quem depende do outro,
mas sim quem domina a novidade”
Brigadeiro Aprígio Eduardo de Moura Azevedo

Assim ocorria também nas demais áreas de atividades, como Pesquisa e Desenvolvimento – basta lembrar o primeiro voo da aeronave Bandeirante, no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em 1968, que desaguou na criação da Embraer, em 1969, representando o início do processo de consolidação da base industrial aeronáutica no país.

Do mesmo modo, configurou-se grande avanço no campo operacional, em face da incorporação de equipamentos modernos, dentre outros, os C-130 Hércules, os C-115 Buffalo, os HS 748 Avro, aprimorando os meios de transporte logístico; os T-37, jatos bimotores usados na instrução dos cadetes. No âmbito da aviação de caça, chegaram três importantes vetores. Os AT-26 Xavante, primeiros jatos de combate fabricados pela Embraer sob licença da italiana Aermacchi (MB-326) para treinamento avançado, servindo de transição para os franceses Mirage III, que vinham consolidar a doutrina de Defesa Aérea, tarefa dos “Dijon Boys”, que realizaram um magnífico trabalho, complementando, com o “braço armado”, a estrutura inicial do Sistema (Integrado) de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo, solução genuinamente brasileira, que naqueles anos dava os primeiros passos. Chegaram  ainda os F-5 Tiger, revigorando o espírito dos combatentes – especialmente do Primeiro Grupo da Aviação de Caça e do Esquadrão Pampa –, tão bem inoculado em nossas veias pelos queridos veteranos do “Senta a Pua”, que deixaram marcas indeléveis de coragem, audácia e bravura nos céus da Itália na Segunda Guerra Mundial. Vale recordar ainda as aeronaves P-16, do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, para emprego no recém-adquirido porta-aviões Minas Gerais.
 
 Renovava-se, desse modo, o poder de combate da Força Aérea.

Além dos novos meios, o que havia?
 
 Nas outras esferas de competência, desenvolviam-se intensos trabalhos: as escolas de formação e pós-formação promoviam a discussão acadêmica de temas doutrinários, que resultaram na evolução das atividades de preparo para emprego eficaz e efetivo da Força quando necessário. A indústria aeronáutica passou a receber incentivos importantes. Além da criação da Embraer, o Programa AM-X, que ao estabelecer os mecanismos do Programa Industrial Complementar (PIC), buscava fortalecer e consolidar o parque industrial de defesa, hoje claramente definido como prioridade na Estratégia Nacional de Defesa. Eis alguns motivos por que rotulo aquele tempo como vibrante. Cabe um preito de gratidão aos líderes e comandantes de cuja maestria redundou obra de tal magnitude.
 
Como avalia a instituição em termos de desenvolvimento material? Com o mesmo espírito de entusiasmo. Este é mais um momento de transformação.
 
Olhando pelo prisma do desenvolvimento material, verifica-se a absorção de novas tecnologias,embaladas no coração e nas asas dos equipamentos recentemente incorporados ao acervo da Força.

Basta examinar alguns destes: o A-29 Super Tucano, que protege nossas fronteiras da Região Amazônica e do Centro-Oeste.
 
Certamente, seu impecável desempenho em operações de combate real foi fundamental para a recente decisão do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que depositou na Embraer uma ordem inicial de compra de 20 aeronaves para emprego na zona conflagrada do Afeganistão.
 
Houve a aquisição dos helicópteros EC-725, da Helibras/Eurocopter, que consolida a capacidade de fabricação de aeronaves de asas rotativas no Brasil. E temos os AH-2 Sabre, concebidos para emprego em missões de ataque e já em operação na Base Aérea de Porto Velho (RO); e os H-60 Black Hawk, que fortalecem as unidades de busca, salvamento e resgate. No campo da aviação de transporte, os C-105 Amazonas, ao render os C-115 Buffalo, receberam a incumbência de continuar prestando suporte aos Pelotões de Fronteira do Exército Brasileiro e transportando esperança e lenitivo para as populações menos assistidas, especialmente aquelas dos longínquos rincões amazônicos.
 
Agrego a este cenário o enorme desafio do desenvolvimento da nova aeronave de transporte e reabastecimento em voo, o KC-390, a ser produzido pela Embraer . Não menos importante são os trabalhos de modernização das aeronaves F-5M Tiger, A-1M e P-3 Orion, que vêm revigorar a capacidade de emprego e de pronta resposta da Força Aérea Brasileira.
 
E quanto à operacionalidade?
 
Deixamos para trás os saudosos tempos dos cachecóis esvoaçantes e dos ponteiros e relógios, que emolduraram com glamour a história da aviação.
 
Adentramos o vertiginoso mundo digital, dos armamentos inteligentes, como as bombas guiadas, os mísseis BVR, os de autodefesa de quinta geração, os antirradiação, entre outros, sinalizando que estamos mantendo posição “na ala do século XXI”.

Já quanto à operacionalidade, a qualificação neste atributo é incontestável, verificando-se a atuação competente e segura da Força, tanto nos exercícios internacionais, em destaque a CRUZEX, quanto em operações internas e conjuntas, como as Ágatas, estas, com uso de aeronaves remotamente pilotadas (ARP), cuja doutrina operacional foi plenamente absorvida pela unidade aérea de emprego. Tais ações têm fortalecido o controle das fronteiras na luta contra o crime transnacional, o flagelo das drogas, o contrabando de armas.
 
Desses eventos, extrai-se a convicção de que a operacionalidade da Força Aérea alcança níveis de excelência, sendo garantia, nos céus, para a defesa dos interesses do Estado brasileiro.

O senhor falou em “transportar esperança e lenitivo”…
 
Sim. O tema das contribuições sociais faz parte do DNA da Força Aérea, porquanto, desde os primórdios,  destaca-se sua intensa participação nas ações voltadas à integração do país, consubstanciadas nas atividades do Correio Aéreo Nacional (CAN), que é motivo de apreço e admiração do povo brasileiro. Noutra via, merece registro a atuação da Força em situações de calamidades, desastres naturais ou emergências dentro e fora do país, a exemplo dos terremotos no Haiti e no Chile, das enchentes e secas na Amazônia e da recente tragédia em Santa Maria. Neste último caso, a FAB se fez presente incondicionalmente, integrando verdadeira corrente de solidariedade e ajuda humanitária, intentando amenizar o sofrimento das pessoas e famílias atingidas pelo infortúnio.

Nesse mesmo sentido, vale enfatizar o trabalho de apoio às comunidades indígenas e ribeirinhas que vivem em locais de difícil acesso, principalmente na Região Amazônica, levando em suas asas medicamentos, alimentos, socorro médico e, sobretudo, dignidade, que se materializa na presença do Estado. A propósito, penso ser oportuno render uma homenagem aos homens e mulheres integrantes da Comissão de Aeroportos da Amazônia (Comara), organização do Comando da Aeronáutica responsável, desde 1956, pelos serviços de engenharia e construção de mais de uma centena de pistas de pouso naquela região, enfrentando impensáveis desafios.

 Quais as suas expectativas quanto ao futuro da Força Aérea?
 

As melhores possíveis. Certamente, deparando com desafios, como é natural em todas as atividades, mas sempre colhendo conquistas, fruto do incessante trabalho dos que envergam o azul, sob a respeitada e serena liderança do comandante, o tenente-brigadeiro Juniti Saito. Penso ser esta uma visão fácil de verificar, dada a consistênciados Planos Estratégicos, abrangendo um período de vinte anos à frente e apontando rumos seguros para o futuro.
 
Nesse contexto, constata-se um conjunto de ações no campo operacional – a sequência do reaparelhamento, as aquisições e modernizações dos sistemas d’armas (aeronaves e artefatos bélicos), em especial o Projeto F-X2, que trará o almejado e imprescindível aprimoramento tecnológico e de combate para a aviação de caça. No setor logístico, há a racionalização dos processos de provisão e de contratação dos meios de suporte, estudando-se as possibilidades das parcerias público-privadas, privilegiando-se a economia de recursos e a reorganização da estrutura administrativa.
 
No campo de pesquisa e desenvolvimento, estamos focando energia nos projetos estratégicos espaciais, em especial olhando a família de foguetes lançadores de cargas úteis, como os satélites geoestacionários e de órbita baixa. Ressalte-se que essa competência já foi adquirida e materializada nos lançamentos dos VSB-30 em parceria com entidades da Alemanha, Suécia e Noruega.
 
Sem esquecer o campo da defesa e do controle do tráfego aéreo, cada vez mais integrados e fortes, em franca preparação para os eventos da Copa das Confederações 2013, da Copa do Mundo 2014 e da Olimpíada 2016. A relevânciada área do pessoal se reflete na constante evolução de ações de apoio a homens e mulheres, militares e civis que dão vida à instituição. A área de economia e finanças assegura eficácia e confiabilidade aos atos e fatos administrativos concernentes à execução orçamentária. E temos no campo do ensino a menina dos olhos da instituição, como de todas as instituições que prezam seu bem mais precioso, as pessoas. São elas o instrumento vital à perpetuidade da Força Aérea, seus valores e princípios de conduta. Nessa área, continuam a evoluir os conteúdos programáticos, em sincronia com os avanços do conhecimento e das tecnologias. Daí nossa tradicional Escola de Engenharia, o ITA, estar ampliando sua capacidade de absorção de estudantes, objetivando dobrar o contingente atual no horizonte de três anos.
 
Considero essas razões bastantes para embasar minha absoluta confiança nos promissores destinos da Força Aérea, sinalizaçãode um futuro que é motivo de júbilo para aqueles que têm o privilégio de participar dessa construção com suas ações no presente.
 
Qual o legado da Força Aérea para o senhor?
 
O compromissoincondicional com o Brasil, que se mantém incólume, geração após geração, desde os precursores, abnegados brasileiros que perseguiram com obstinação, desprendimento, paciência, coragem, atitude, amor e sonhos aparentemente inatingíveis. Lembro Alberto Santos-Dumont, o Pai da Aviação, Patrono da Aeronáutica Brasileira, que no auge do sucesso em Paris, em 1901, quando consultado se pretendia naturalizar-se francês, disse: “A França continuará a ser minha segunda Pátria.(…) mas o Brasil precisa de mim, para difundi-lo entre os povos do mundo. Nasci brasileiro. Lá quero morrer”. Eis um exuberante exemplo de cidadania e amor às origens. Recordo Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, parlamentar nordestino, figura intrépida que, em 1902, ofertou a vida tentando provar suas teses sobre a dirigibilidade dos balões.
 
Penso em Eduardo Gomes, o soldado-cidadão, devotado às causas do seu tempo, um dos criadores do Correio Aéreo Militar [depois Nacional], juntamente com personalidades marcantes como Nelson Freire Lavenère-Wanderley, o historiador, e Casemiro Montenegro Filho, fundador do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
 
Reverencio Nero Moura, herói de guerra, junto com os companheiros do Primeiro Grupo de Aviação de Caça, na campanha da Itália. Em continuidade harmônica de propósitos, agregam-se numerosos outros líderes. Com todos aprendi muito. Deles levo o melhor que uma vida dedicada a servir ao Brasil poderia almejar como recompensa: a sensação de que, segundo traduzia Immanuel Kant, “há duas coisas belas no universo: um céu estrelado sobre nossas cabeças e o sentimento do dever cumprido no coração”.
 
Gostaria de acrescentar algo?
 
Um agradecimento especial à DEFESA LATINA, pela oportunidade de falar da Força Aérea Brasileira, expressando minha reverência à instituição que me acolheu carinhosamente e à profissão que escolhi como projeto de vida. Também renovo minhaconfiança nas gerações do presente e do futuro. A corrida de bastões continua no inexorável curso da história, permanecendo “as asas que protegem o País” em muito boas mãos .

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