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Como lidar com Vladimir Putin

Na foto os líderes da OTAN, na reunião em Vilna, 12-13 Julho 2023

Nicholas Kristof
Estadão
13 Julho 2023
Tradução  Guilherme Russo

VILNA, Lituânia — Muitos americanos e europeus trocam lisonjas por perceber a guerra na Ucrânia através de um prisma falso. Com bastante frequência nós pensamos que estamos nos sacrificando pelos ucranianos, trocamos tapinhas nas costas por fornecer armas caras e pagar contas de gás mais altas para ajudar os ucranianos a lutar por sua liberdade — e nós desejamos que eles alcancem seu objetivo.

Mas na realidade, o que fica claro aqui nos Países Bálticos é que ocorre o inverso: os ucranianos que estão se sacrificando por nós; são eles que nos fazem um favor ao desgastar o Exército russo e reduzir o risco de uma guerra na Europa que consumiria vidas de nossos soldados.

“Por meio do apoio à Ucrânia, estamos defendendo a nós mesmos”, afirmou Egils Levits, que concluiu este mês seu mandato como presidente da Letônia. Ele usou sua última entrevista antes de deixar a função para argumentar que o Ocidente deveria fornecer à Ucrânia mais armas para garantir que Kiev recupere todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, para que a agressão de Vladimir Putin seja absolutamente descreditada.

A cúpula da OTAN em Vilna, esta semana, movimentou-se para adicionar a Suécia ao jogo, manteve todos os membros unidos e, em geral, foi bem. A única perdedora é a Rússia. Mas o teste verdadeiro não é conseguir oferecer palavras lustrosas diante das câmeras, mas se os países ocidentais irão aumentar ou não as transferências de armas para a Ucrânia e melhorar a perspectiva de que a guerra possa realmente se encerrar.

“Todos nós temos de fazer mais”, disse-me a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas. Ela está correta, mas eu não tenho certeza se todos no Ocidente compreendem isso. O presidente Joe Biden tem feito um ótimo trabalho em administrar a aliança — uma das razões que explica a cúpula ter ido tão bem — mas eu acredito que ele tem sido cauteloso e reativo demais no fornecimento de armas que a Ucrânia necessita, como mísseis precisos de longo alcance e caças de combate.

Considerando as duas décadas recentes, muitos na Alemanha e em toda a Europa Ocidental e EUA foram enganados com a ficção de que a Rússia pós-comunista seria um urso mais gentil. Em contraste, os Países Bálticos — Lituânia, Letônia e Estônia — foram os primeiros a expressar alertas a respeito de Putin, portanto nas preparações para a cúpula eu viajei aos três países para colher suas impressões sobre Ucrânia e Rússia.

Francamente, eles ainda pensam que nós somos algo ingênuos.

“Nós deveríamos dar mais apoio agora, para que a Ucrânia possa vencer”, insistiu Levits, alertando que seria um grande erro pôr fim à guerra com um pacto que dê à Rússia a Crimeia ou outras regiões ucranianas. “Isso é uma péssima ideia, porque provocaria a guerra seguinte”, afirmou ele. “A conclusão para Moscou seria clara: o Ocidente é fraco.”

Os Países Bálticos são lúcidos a respeito da Rússia em razão de sua história. Os soviéticos se apoderaram das três nações durante a 2.ª Guerra e as governaram com pulso de ferro até sua independência, em 1991. A mãe da primeira-ministra Kallas foi deportada para a Sibéria num vagão de gado.

Mas a Rússia nunca acertou as contas com esse passado, o que pode explicar por que 70% dos russos afirmaram em uma pesquisa de 2019 que aprovam Stálin — e por que eles afirmam hoje em pesquisas que aprovam Putin.

Se Putin terminar a guerra com uma fatia da Ucrânia, afirmou ela, ditadores receberão a mensagem de que agredir vale a pena, e “Ninguém mais poderá se sentir realmente seguro”.

Os Estados Bálticos são motivados por temer que, se a Ucrânia cair, eles poderão ser os próximos a ser derrubados. A Estônia contribuiu mais para o esforço de guerra ucraniano em relação ao próprio PIB do que qualquer outro país — fornecendo obuses e até saunas móveis (os estonianos adoram suas saunas). Kallas lamentou que outros países não tenham se esforçado mais para acelerar envios de armas para os ucranianos, em vez de optar por fornecer-lhes gradualmente os equipamentos.

“Às vezes eu penso que o desfecho poderia ter sido diferente se nós tivéssemos lhes dado já em março do ano passado toda a ajuda militar que estamos lhes dando agora”, refletiu Kallas. “Porque a Rússia poderia ter percebido mais cedo que estava cometendo um erro.”

Uma razão para Biden demorar para enviar mísseis de longo alcance e caças de combate para a Ucrânia é a preocupação a respeito de motivar Putin a usar armas nucleares táticas. Levits e Kallas rejeitam esse argumento e, dado seu histórico recente em estar corretos, vale a pena lhes dar ouvidos.

“A Rússia ou Putin são motivados pela fraqueza, não pela força”, afirmou Levits, notando que, mesmo que não saibamos ainda da história completa, ao que parece o chefão mercenário Ievgeni Prigozhin cruzou todos os limites e desafiou diretamente Moscou — e a resposta de Putin foi negociação, conciliação e desescalada.

Kallas, da mesma forma, quer ver o Ocidente fornecer mais armamentos — incluindo bombas de fragmentação — para ajudar a Ucrânia a vencer.

“Se dermos sinais de que nos ameaçar com uma bomba nuclear realmente lhe dará o que ele quer, todos os ditadores vão querer uma”, acrescentou ela. “Isso faria despertar um mundo muito mais perigoso.”

Nós estamos certos em celebrar uma cúpula da Otan bem-sucedida. Mas especialmente se a Ucrânia tiver dificuldades para recuperar grandes fatias de território nesta contraofensiva haverá indivíduos irresponsáveis resmungando nas capitais ocidentais a respeito do preço que nós estamos pagando e dos favores que nós estamos fazendo pela Ucrânia. Qualquer um tentado a pensar desta maneira deveria escutar os líderes bálticos, porque eles aprenderam do modo mais difícil como lidar com ursos indomáveis.

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