País báltico tenta conter a disseminação da desinformação de Moscou, mas dada sua grande comunidade de língua russa, a tarefa é difícil. Para os russos étnicos que vivem na Letônia, sua língua e cultura estão em jogo.
(DW) Antes parte da União Soviética, a Letônia ganhou sua tão esperada independência na década de 1990 e, depois, se tornou membro da União Europeia (UE) e da OTAN. No entanto, três décadas depois, o passado soviético ainda tem um forte impacto no país.
A marca de Moscou está especialmente presente em Rezekne, uma cidade de cerca de 27 mil habitantes localizada a aproximadamente 60 quilômetros da fronteira com a Rússia. Na superfície, não há nenhuma diferença visível entre esta cidade leta e pequenas cidades russas rurais.
Muitos moradores vivem em blocos de apartamentos da era soviética, com telhados cobertos por antenas de satélite que recebem sinal da TV estatal russa. Ao caminhar pelas ruas da cidade, ouve-se mais russo do que leto. Há uma razão para isso: quase metade da população de Rezekne é de etnia russa, e muitos dos moradores têm pouco ou nenhum conhecimento da língua leta.
Cidades como Rezekne, com suas grandes populações de língua russa, levantam uma questão importante: que influência os meios de comunicação controlados pelo Kremlin têm sobre a população leta, pouco mais de um quarto da qual é composta por russos étnicos?
Letônia proíbe mídia estatal russa
Mesmo antes do início da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, as autoridades letas já estavam começando a retirar a mídia estatal russa do país. Em agosto, o Conselho Nacional de Mídia Eletrônica baniu 20 meios de comunicação russos, considerando-os uma ameaça à segurança nacional da Letônia.
Mas apesar da proibição, moradores disseram à DW que os canais de TV estatais russos ainda estão acessíveis pela internet e por antenas via satélite.
Maria Dubitska, natural de Rezekne, acredita que o efeito da propaganda russa é especialmente aparente em sua cidade.
“Estamos perdendo nossos amigos e nossos vizinhos. Dói. A propaganda russa é como veneno, está dividindo nossa sociedade”, disse à DW. “Circulam ideias sobre o retorno da União Soviética, e todas essas ideias são transmitidas diretamente para a cabeça das pessoas aqui”, destaca.
No entanto, outros falantes de russo consideram positivo poder seguir acessando a TV estatal da Rússia, justificando que o Estado leto não deve limitar as opções de mídia.
“Para formar opinião, é preciso conhecer os dois lados”, disse Igor, que preferiu não informar o sobrenome. “Especialmente quando há muitos falantes de russo vivendo na Letônia, por que violar seus direitos?”, acrescentou.
Apoio generalizado da Letônia à Ucrânia
É um debate interessante em um país que está entre os principais apoiadores da Ucrânia, tanto em termos de assistência militar quanto humanitária. Pesquisas recentes indicam que 82% dos letos apoiam a Ucrânia contra a Rússia.
Neste contexto, admitir assistir à TV estatal russa pode ser uma postura impopular.
“Hoje em dia, é melhor deixar essa pergunta sem resposta”, disse Sergei, que também preferiu não revelar seu sobrenome.
Atitudes não mudam da noite para o dia
De acordo com Arnis Kaktins, chefe do centro de pesquisa de opinião pública SKDS, com sede em Riga, as narrativas do Kremlin ainda desempenham um papel crucial entre muitos membros da minoria russa na Letônia.
“Durante décadas, os falantes de russo assistiram à propaganda russa, que era de alta qualidade, e funcionou”, explica. “Isso moldou a visão de mundo de muitos – e suas atitudes não podem mudar da noite para o dia”.
As redes sociais também se tornaram um campo de batalha da informação nos últimos anos, explica Inga Springe, cofundadora da Re:Baltica, uma organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos com sede em Riga.
“Vemos cada vez mais desinformação no TikTok; é como o Velho Oeste. Alguns blogueiros estão dizendo como a vida é ruim na Letônia e boa na Rússia”, contou à DW. “Eles pegam os problemas existentes e os amplificam, como as altas contas de luz, e acusam as autoridades letas. [Os blogueiros] não vêem a raiz da questão, que é a invasão da Ucrânia pela Rússia que elevou os preços”.
A questão da mídia também toca em outra preocupação mais ampla para os russos étnicos na Letônia, muitos dos quais estão preocupados que sua língua e sua identidade estejam em risco. Um medo que, como dizem as autoridades letas, o Kremlin sabe explorar muito bem.
“Não há razão para que a Letônia continue a manter dois espaços de informação paralelos e totalmente separados”, disse Rihards Kols, membro do Parlamento leto, à revista Foreign Policy em março. “A Rússia usa o idioma russo como arma através de seus meios de comunicação para dividir, causar confusão, ofuscar e manipular”.
Nika Aleksejeva, pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Atlantic Council, alertou contra generalizações sobre a comunidade russa na Letônia, justificando que não se trata de um grupo homogêneo.
“Há pessoas que teimam em não aprender leto e têm opiniões mais pró-Kremlin”, disse ela à DW. No entanto, segundo ela, há também toda uma geração que cresceu na era pós-soviética. “Eles estão pensando mais como europeus, embora usem o russo em suas casas”.
Em seu esforço para promover a língua leta, Riga aprovou uma lei que elimina completamente o russo do currículo escolar. A medida foi considera por muitos na comunidade russa como discriminatória. Especialistas em direitos humanos da ONU também expressaram suas preocupações, dizendo que as autoridades letas têm a obrigação de “proteger e defender os direitos linguísticos das comunidades minoritárias do país, sem discriminação”.
Polêmica sobre monumentos soviéticos
Outra tentativa dos letos de se distanciarem de Moscou foi a remoção dos memoriais soviéticos, dos quais há cerca de 300 no país, de acordo com avaliações de especialistas. Para críticos, esses monumentos glorificam a era soviética.
Em julho do ano passado, o Parlamento da Letônia iniciou a remoção de dezenas de monumentos, que haviam sido erguidos para marcar a vitória soviética sobre a Alemanha nazista em 1945.
Para muitos russos étnicos, os monumentos são parte integrante da história. No entanto, na opinião de muitos outros letos, não é bem assim.
“Os monumentos não são simplesmente para lembrar aqueles que caíram em sua luta contra o fascismo. Com eles, a Rússia traz sua própria versão da história. Os letos não veem o Exército soviético como libertadores, mas como uma força de ocupação”, disse Kaktins, do centro de pesquisa SKDS, acrescentando que a invasão da Ucrânia pela Rússia levou os letos a reconsiderar, figurativa e literalmente, o lugar dos monumentos soviéticos em seu país.
“Está claro agora que os memoriais, glorificando o passado heroico e grandioso, são um dos pilares da atual ideologia russa que permitiu a guerra na Ucrânia”, acrescentou.
Mas Springe, da Re:Baltica, disse que as autoridades poderiam ter agido com mais consideração. “A comunidade russa se sente ofendida”, destacou. “Muitos deles provavelmente nem se importam com política. Isso cria ódio de ambos os lados, e não acho que isso ajude a unidade da Letônia”.
“A polarização certamente aumentou, mas acho que é um efeito de curto prazo”, opina Katkins. “A longo prazo, vai diminuir, o que deve ser para o bem do povo leto”.