Ao decidir entregar projéteis obus de urânio empobrecido a Kiev, Londres provocou uma nova escalada de tensão no conflito com Moscou. Durante uma entrevista transmitida pela televisão russa, o presidente Vladimir Putin anunciou a implantação de armas nucleares táticas no território de seu aliado bielorrusso, que faz fronteira com a Ucrânia e com países da União Europeia.
Por Jean-Didier Revoin, correspondente da RFI em Moscou
(RFI) “Dez aviões estão prontos para usar esse tipo de arma. A partir de 3 de abril, iniciaremos o treinamento de equipes e, em 1º de julho, concluiremos a construção de um depósito especial para armas nucleares táticas no território de Belarus”, declarou Putin neste sábado (25).
O líder do Kremlin explicou que, por um lado, Moscou não estava violando seus compromissos internacionais de não-proliferação de armas e, por outro, os Estados Unidos vinham implantando suas armas nucleares táticas no território de seus aliados há décadas.
“Aqui não há nada inédito: os Estados Unidos fazem isso há décadas. O país tem suas armas nucleares táticas posicionadas há muito tempo em território de seus aliados”, declarou. “Nós decidimos fazer o mesmo”, acrescentou, garantindo que tinha o aval do presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko.
“Sem violar nossos acordos internacionais de não proliferação nuclear (…), dez aviões estão prontos para usar este tipo de armas”, afirmou. Putin ressaltou que a Rússia já tinha entregue a Belarus um sistema Iskaner de mísseis balísticos com capacidade para transportar ogivas nucleares.
As observações feitas por Putin se seguem a intensão britânica de entregar os projéteis à Ucrânia, um assunto sobre o qual o chefe de Estado russo não perdeu a oportunidade de se pronunciar durante a emissão: “A Rússia, é claro, tem com o que responder. Temos, sem exagero, dezenas de milhares desses obuses. No momento, não os usamos”, alertou.
Belarus faz fronteira com Letônia, Lituânia e Polônia, três países da UE e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Uma guerra sem vencedor
Os comentários também acontecem poucos dias depois de uma declaração conjunta com o presidente chinês, Xi Jinping, em que os dois afirmaram que “uma guerra nuclear não deveria ser iniciada, porque não poderia haver vencedor”.
O líder russo já havia feito, anteriormente, ameaças veladas de usar armamento nuclear na Ucrânia, reativando temores da Guerra Fria. Putin também ameaçou ordenar o uso de obuses de urânio empobrecido na Ucrânia se este país receber esse tipo de arma do Ocidente, depois que uma vice-ministra do Reino Unido mencionou essa possibilidade.
A vice-ministra da Defesa do Reino Unido, Annabel Goldi, disse na segunda-feira (20) que seu país planejava entregar à Ucrânia obuses “com urânio empobrecido”, que são “muito eficazes para destruir tanques e veículos blindados modernos”.
Um dia depois, a organização antinuclear britânica Campaign for Nuclear Disarmament advertiu que seu uso provocaria um “desastre ambiental e sanitário adicional para os que estão no centro do conflito” na Ucrânia. O uso de munições de urânio empobrecido implica riscos de caráter tóxico para os militares e a população das áreas onde é usado.
Putin insiste em que a Rússia responderá se a entrega for feita. Estas armas “podem ser classificadas como as mais nocivas e perigosas para os humanos (…) e para o meio ambiente”, ele ressaltou.
Risco nuclear
No mês passado, a Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, advertiu que o risco de uso de armas nucleares se acentuava com o prolongamento do conflito na Ucrânia, que já dura 13 meses.
Putin suspendeu, em fevereiro, a participação da Rússia no tratado de desarmamento nuclear Novo Start, que havia firmado com os Estados Unidos, e acusou os países ocidentais de “atiçarem” o conflito na Ucrânia.
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, lamentou essa decisão, ao lembrar que se tratava do último acordo bilateral entre Rússia e Estados Unidos em matéria de desarmamento nuclear. “Mais armas nucleares e menos controle de armas tornam o mundo mais perigoso”, ele afirmou.
A Rússia já havia suspendido, em agosto do ano passado, as inspeções de suas instalações nucleares pelos Estados Unidos, que estavam previstas no Novo Start. O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, anunciou no sábado que vai visitar na próxima semana a usina nuclear iraniana de Zaporíjia (sudeste) que, em sua opinião, está em situação “precária”.
Esta será a segunda visita de Grossi à usina, a maior da Europa, desde a ocupação de suas instalações pelas tropas russas no início do conflito. O objetivo da visita é “avaliar diretamente a gravidade da situação de segurança nuclear no local”, ele afirmou.
(Com informações da AFP)