O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pede há várias semanas aos europeus que forneçam aviões de caça a Kiev. A questão que muitos estrategistas tentam responder é até que ponto o controle do céu permitiria à Ucrânia recuperar as áreas perdidas de seu território para a Rússia?
Franck Alexandre, da RFI
Enquanto Volodymyr Zelensky insiste na necessidade de reforçar a força aérea ucraniana, o Exército do presidente russo, Vladimir Putin, associado ao grupo paramilitar Wagner, aproveita ao máximo as batalhas de artilharia na frente de combate, antes da chegada de tanques ocidentais mais modernos.
Élie Tenenbaum, diretor de pesquisa do Instituto Francês de Relações Internacionais, analisou para a RFI a implicação dos caças para a estratégia ucraniana.
RFI – Depois dos tanques, Volodymyr Zelensky pede aviões aos europeus. É um componente necessário para a vitória da Ucrânia?
Élie Tenenbaum – É um passo lógico adicional após o acúmulo progressivo de equipamentos cada vez mais ofensivos, e o desejo dos ucranianos de poder lutar nas profundezas do sistema inimigo. De uma forma ou de outra, isto levará à questão da terceira dimensão e, portanto, dos aviões de caça, particularmente os caças-bombardeiros, a fim de poder realizar uma ofensiva sobre todo o território ocupado, seja nesta primavera [no hemisfério norte] ou em etapas futuras.
RFI – O presidente francês, Emmanuel Macron, disse que não descarta a entrega de caças à Ucrânia, mas que a prioridade neste momento é ajudar Kiev a resistir nas próximas semanas. A França tem condições de fornecer aviões a Kiev?
Élie Tenenbaum – Parece muito complicado no sistema atual, ou seja, de uma força aérea consideravelmente limitada, reduzida em seu número. Ao mesmo tempo, se analisarmos em detalhes, o presidente francês anunciou uma etapa de transição para todos os modelos Rafale no âmbito da lei de programação militar que está por vir, e, portanto, o desmantelamento inevitável ou um mercado de segunda mão de alguns aviões Mirage 2000 que poderiam potencialmente corresponder às necessidades dos ucranianos. Entretanto, esta não é a opção preferida pelo Palácio do Eliseu atualmente, tanto do ponto de vista do diálogo dissuasivo com a Rússia quanto do desejo de não provocar a fúria de Moscou, além do que tem acontecido a cada entrega de armas para Kiev.
O Ocidente tem procedido com bastante cautela, aumentando sua ajuda à Ucrânia gradualmente, a fim de criar uma forma de hábito para Moscou, sem acentuar uma divisão muito radical. Talvez a entrega de aviões de caça, hoje, ainda não esteja suficientemente madura para os Ocidentais e certamente entre os europeus. Mas não tenho dúvidas de que chegaremos lá no final. A força aérea ucraniana está muito danificada, com equipamentos de fabricação russa que não podem ser utilizados a longo prazo. Em algum momento esta força aérea terá que ser transformada com equipamentos ocidentais.
RFI – Para Paris, o fornecimento de aeronaves poderia ser um gesto simbólico para pressionar outros aliados a fazer o mesmo? Algo como os tanques leves AMX 10?
Élie Tenenbaum – Com certeza, seria um sinal muito forte, na perspectiva da entrega dos F-16 americanos, que sabemos que estão realmente na mira de Zelensky. Mas novamente, não me pareceu, ouvindo as palavras de Macron, que Paris contasse atualmente com este cenário. A opinião pública e a classe política sem dúvida terão que se acostumar com a ideia de que a próxima etapa consistirá na entrega de aviões de combate. Agora, neste ponto, o Eliseu não está totalmente errado ao dizer que o campo de batalha hoje é caracterizado por uma forma de interdição aérea. Não há caças ucranianos sobre o campo de batalha, mas também não há caças russos em combate.
É como se existissem ‘bolhas de proibição’, com uma defesa aérea relativamente eficaz e, deste ponto de vista, mesmo que a superioridade aérea possa representar uma vantagem considerável para os ucranianos, está longe de ser uma realidade que eles possam implementar, uma vez que a defesa antiaérea russa está presente e ela também é eficaz. Em segundo lugar, o que os ucranianos têm demonstrado até agora é que eles ainda podem ganhar terreno sem o domínio aéreo. Será que eles serão capazes de fazer muito mais do que isso, ou seja, pequenas contraofensivas locais? Não está claro.
RFI – A poucos dias de a guerra completar um ano, muitos temem uma nova ofensiva de Moscou. Os russos têm uma dinâmica, uma janela de oportunidade para agir primeiro?
Élie Tenenbaum – É muito claro que as recentes mudanças no Estado-Maior russo demonstram que o Kremlin quer passar a mensagem de um retorno ao espírito ofensivo. A mobilização de recrutas permitiu restabelecer uma forma de paridade numérica no campo de batalha, até mesmo uma superioridade numérica gradualmente alcançada do lado russo. Em termos de materiais, sabemos que a superioridade russa diminuiu, mas ela ainda está presente. Tudo isso foi planejado para relançar uma ofensiva.
Vimos recentemente em Soledar uma infantaria blindada que manobrou de forma muito diferente do que tínhamos visto durante o inverno. A ação dos paramilitares do grupo Wagner foi mais uma tentativa de conquistar algum território do que uma verdadeira ofensiva. Há novos desdobramentos, mas os resultados estão longe de ser brilhantes. As forças russas não parecem capazes de fazer incursões significativas, mas é claro que o plano russo é relançar a ofensiva.
RFI – A má notícia para os ucranianos é uma restrição de acesso à rede de satélites Starlink.
Élie Tenenbaum – Sim, o acesso ao Starlink [sistema de satélite desenvolvido por Elon Musk] tinha desempenhado um papel fundamental na manutenção das comunicações ucranianas no início do conflito, principalmente depois dos ataques russos que paralisaram os sistemas e antenas locais. Hoje, a dependência ucraniana do Starlink é menor. Eles tiveram tempo para estabelecer sistemas substitutos.
Este caso levanta a questão da sustentabilidade do esforço de apoio ocidental, mesmo no setor privado. O impulso dos primeiros meses começa a arrefecer, à medida que as contas se acumulam e, obviamente, levanta também a questão da dependência ucraniana, não tanto do Starlink como sistema, mas globalmente do sistema de comando e controle e, acima de tudo, do sistema de inteligência, vigilância e reconhecimento que agora é amplamente fornecido pelos americanos. Isso dá aos ucranianos uma vantagem de informação em termos de transparência no campo de batalha. Permite a Kiev antecipar os movimentos do Exército adversário, o que até agora explica o bom desempenho do Exército ucraniano. Se esta fonte de informação secasse, seria obviamente uma notícia muito ruim para os ucranianos.
Atualmente, ainda não chegamos a esse ponto. Os laços e o compartilhamento de inteligência vindos dos Estados Unidos, e não do setor privado, são de muito boa qualidade.