O estudo sobre as particularidades da água rendeu a Márcia Barbosa o prêmio L'Oréal-Unesco. A brasileira defende o fim da imagem "nerd" associada à ciência para que mais mulheres se apaixonem pela pesquisa.
Quem escuta a pesquisadora Márcia Cristina Bernardes Barbosa explicar seu trabalho em metáforas, comparando as propriedades de difusão da água ao trânsito engarrafado de Paris, pode pensar que física é coisa simples. Ela fala apaixonadamente sobre ciência, conta sua rotina à frente do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de forma convidativa e quer, com a sua experiência, motivar outras mulheres a seguirem os caminhos da pesquisa. “A carreira de cientista é uma coisa muito emocionante. A gente faz descobertas. Imagine só a emoção quando você se dá conta que é a primeira pessoa que compreendeu um certo fenômeno. Esse é um sentimento muito especial”.
A brasileira está em Paris para receber nesta quinta-feira (28/03) o prêmio L'Oréal-Unesco para Mulheres na Ciência, em cerimônia de gala. No currículo, a física acumula os títulos de mestre e doutora, além de três cursos de pós-doutorado. Ela é a quinta brasileira a ser premiada e será homenageada ao lado de outras quatro mulheres, representando cada continente do globo.
O prêmio reconhece as pesquisas de Márcia sobre a anomalia da difusão da água. Ela explica que se trata da propriedade que faz a água diferente de outros elementos. Uma barra de ferro, por exemplo, afunda em um tanque com ferro em estado líquido. Já o gelo, que é a água em forma sólida, permanece na superfície.
Márcia descobriu que quanto maior o número de moléculas de água, mais rapidamente ocorre uma troca de elétrons, o que faz o líquido fluir mais rápido. Os resultados de seu trabalho têm aplicações amplas: podem explicar como ocorrem os terremotos ou mesmo esclarecer como as proteínas estão estruturadas, o que pode influenciar o tratamento de diversas doenças.
Mulheres são ensinadas a cuidar
O prêmio internacional deixou Márcia emocionada. Em vez de apenas festejar, ela decidiu transformar a situação em uma nova oportunidade para falar de ciência para quem vive longe das universidades. “Eu vivo em um país no qual o reconhecimento do cientista não é muito grande, em particular o reconhecimento das cientistas mulheres”. Ela conta que depois de saber sobre o prêmio, passou a dar muitas entrevistas e tem aproveitado as chances para exaltar a qualidade da pesquisa feita por mulheres no país. “As nossas pesquisadoras têm uma dedicação muito grande e estão se sobressaindo no mundo”, garante.
Márcia lembra que a presença femina na ciência está mais intensa, mas essa participação ainda é mais forte na área da Biologia. Na física – e também nas engenharias e na informática – as mulheres são minoria. Apesar de o quadro se repetir no mundo todo, valores culturais também influenciam a escolha da profissão e as mulheres, ensinadas desde cedo a cuidar, acabam encaminhadas para as áreas médicas ou biológicas.
“As mulheres não querem ir para um ambiente que pareça hostil”, avalia. Para ela, em muitas culturas, inclusive na brasileira, a mulher ainda é criada para o lar. “As meninas têm uma tendência de, ao escolherem uma carreira, buscarem alguma que tenha cara de lar”, compara.
Uma nova imagem para as cientistas
“Mas a falta de mulher na ciência é um fenômeno global”, afirma Márcia. Ela entende que a imagem da profissão também torna a carreira desinteressante para as meninas. “Essa imagem nerd”, resume. Uma reformulação seria necessária. “As meninas têm uma imagem de que cientista é uma pessoa que não tem vida social, uma pessoa que só se preocupa com o trabalho e não têm outros interesses na vida. E isso não é verdade”, enfatiza.
Para aquelas que aceitaram o desafio de viver de ciência, o mesmo programa que está premiando Márcia oferece outras formas de reconhecimento. Especialistas nas áreas de Ciências Biomédicas, Biológicas e da Saúde, Ciências Físicas, Ciências Matemáticas e Ciências Químicas podem concorrer a bolsas de 40 mil reais. As inscrições estão abertas até o dia 13 de maio. Desde 2006, 47 pesquisadoras já foram beneficiadas.