OUTRO LADO: Defesa de GDias diz não ter documentos e que ex-ministro tem respondido a todas as perguntas nas investigações
General Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI, ao deixar a sede da Polícia Federal em abril – Pedro Ladeira
Catia Seabra
Thaísa Oliveira
Folha de São Paulo
Brasília
14 Junho 2023
Partiu do general Gonçalves Dias, então ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do governo Lula (PT), a ordem para a direção da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) suprimir de relatório entregue ao Congresso Nacional os alertas enviados a ele sobre a ameaça de ataques em 8 de janeiro.
Nota DefesaNet Ver os documentos da ABIN postados pelo senador Marcos do Val Link O editor |
A pedido da CCAI (Comissão de Atividades de Controle de Inteligência), o GSI encaminhou ao Congresso um documento com informes de inteligência disparados pela ABIN entre os dias 2 e 8 de janeiro.
A relação, enviada à comissão no dia 20 de janeiro, continha mensagens dirigidas a diferentes órgãos pelo WhatsApp. Não apresentava, porém, os informes que tinham sido enviados, segundo a agência, diretamente a GDias (nome pelo qual o general é conhecido).
A Folha apurou que o general mandou omitir esses informes de uma minuta submetida previamente a ele, sob o argumento de que essa troca de informações não ocorreu por canais oficiais.
A agência era chefiada à época pelo oficial de inteligência Saulo Moura da Cunha. Ele deixou o posto em março e passou a ocupar um cargo no próprio GSI a partir de abril, durante a gestão de GDias. Pediu exoneração no dia 1º de junho.
Os alertas enviados ao então ministro só chegaram ao Congresso no mês passado, por meio de um novo relatório da ABIN —esse com os informes que, segundo a agência, foram disparados diretamente para GDias.
A diferença entre as duas versões dos relatórios foi revelada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha. No total, 11 alertas enviados a GDias foram suprimidos do primeiro documento.
O primeiro pedido de informações ao GSI foi feito em 9 de janeiro pelo então presidente da CCAI, senador Esperidião Amin (PP-SC). Em resposta, a ABIN elaborou uma planilha com os informes distribuídos pela agência por WhatsApp no período que antecedeu as depredações na Esplanada.
A Folha apurou que, ao receber essa minuta, GDias determinou que o relatório encaminhado ao Congresso contivesse apenas as informações distribuídas em grupos —tratados como canais oficiais da ABIN desde o governo Jair Bolsonaro (PL).
Essa decisão competia ao general, uma vez que, pela lei que instituiu o chamado Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), documentos sobre as atividades e assuntos de inteligência produzidos pela Abin somente podem ser fornecidos às autoridades pelo chefe do GSI.
A planilha completa ficou nos arquivos da agência de inteligência.
GDias pediu demissão do cargo em abril, após a divulgação de imagens que colocam em xeque a atuação do órgão durante o ataque golpista de 8 de janeiro. Vídeos do circuito interno da segurança durante a invasão da sede da Presidência da República mostram uma ação colaborativa de agentes com golpistas e a presença de Gonçalves Dias no local.
Como mostrou a Folha em abril, o uso do WhatsApp para a troca de informações de inteligência se tornou comum durante a gestão do delegado e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), membro da CPI. Na ocasião, a agência estava subordinada ao ministro do GSI Augusto Heleno.
A reportagem apurou que o segundo documento foi entregue à CCAI de forma espontânea pela direção atual da ABIN depois que a PGR (Procuradoria-Geral da República) solicitou os informes, publicados pela Folha em março.
O envio do segundo compilado, portanto, se deu quando GDias já tinha sido exonerado pelo presidente Lula —e a ABIN estava sob o guarda-chuva da Casa Civil, e não do GSI.
No dia 31 de maio, os parlamentares que integram a comissão analisaram os relatórios da ABIN e a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes que determinou o envio de cópias à PGR.
A Folha verificou que o primeiro documento entregue aos senadores tampouco informa que parte dos alertas foi disparado também no grupo de WhastApp criado pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.
Na época dos ataques —e da entrega do primeiro relatório—, a agência estava sob o comando de Saulo Moura da Cunha, indicado por Lula como diretor-adjunto até a sabatina do Senado. Em 13 de abril, ele foi convidado por GDias para a chefia da Assessoria Especial de Planejamento e Assuntos Estratégicos do GSI.
Uma semana depois, o ministro foi exonerado após a revelação de suas imagens dentro do Palácio do Planalto durante a ação dos invasores. Moura foi mantido pelo atual chefe do GSI, general Antônio Amaro.
Alvo de pedidos de convocação para depor à CPI do 8 de janeiro, Moura entregou seu cargo em 1º de junho.
Como mostrou a Folha em abril, a ABIN afirma que Gonçalves Dias recebeu os alertas de inteligência em seu próprio WhatsApp entre os dias 6 e 8 de janeiro. Três deles, conforme a ABIN, foram enviados exclusivamente a GDias —identificado no documento como “ministro do GSI”.
O conteúdo das mensagens enviadas pelo WhatsApp já indicava na noite de sexta-feira, dia 6 de janeiro, o risco de invasão do Congresso, a possibilidade de ações violentas em outros edifícios da Esplanada e a existência de manifestantes armados.
Questionado pela reportagem sobre qual teria sido a orientação de GDias para o envio de informações ao Congresso, Moura, que é servidor de carreira da ABIN, alegou restrições legais.
“Obrigado pelas perguntas, mas por razões legais não posso me manifestar sobre questões relacionadas à atividade de inteligência”, respondeu à Folha.
O advogado André Callegari, que defende GDias, afirmou em nota que não tem “esses documentos” citados, que o tema está sob sigilo e que o general tem respondido a todas as perguntas feitas no âmbito das investigações.
“Há diversas investigações em curso, em instâncias variadas, sobre o tema. O general tem respondido a todas as perguntas que lhe são feitas no âmbito das investigações e não pode dar entrevistas neste momento.”
Questionada pela reportagem no dia 2 de junho sobre a divergência entre os dois relatórios, a ABIN não quis se manifestar e afirmou que o assunto está sendo tratado pela Casa Civil. Procurada na mesma data, a Casa Civil pediu para que a reportagem entrasse em contato com a ABIN.
A Folha havia questionado a ABIN e o GSI no dia 26 de maio sobre a exclusão dos alertas enviados ao ex-ministro.
A ABIN afirmou que respondeu ao pedido da comissão “de forma exaustiva, por meio de repasse ao Gabinete de Segurança Institucional, conforme determina o art. 9º A da lei 9.883”, e que “não possui informações sobre a difusão de documentos entre o GSI e a CCAI”.
Já o GSI —ao qual a ABIN estava subordinada em 8 de janeiro— disse que “encaminhou à Comissão de Controle das Atividades de Inteligência o relatório conforme recebido da ABIN “.