Fabio Murakawa
Especial Valor 31 Agosto 2018
Encarregado de chefiar a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em Roraima, o General-de-Brigada Gustavo Henrique Dutra de Menezes disse ontem ao Valor ser contrário ao fechamento da fronteira com a Venezuela porque isso "dificultaria loucamente" o controle e a contabilização dos refugiados que chegam ao Brasil fugindo do desastre econômico no país vizinho.
Ele também afirmou que a capital Boa Vista pode "colapsar" em fevereiro do ano que vem caso o processo de interiorização de venezuelanos não se acelere nos próximos meses.
O fechamento da fronteira vem sendo defendido por políticos de praticamente todas as correntes no Estado, pressionados pela insatisfação popular em meio ao processo eleitoral. As duas mais influentes autoridades de Roraima hoje – a governadora Suely Campos (PP) e o senador Romero Jucá (MDB) – já levantaram essa bandeira. Ambos têm a reeleição ameaçada em parte por causa da recente crise migratória.
Comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva (1ª Bda Inf Sl), o general Dutra afirma que a medida é até fisicamente possível, apesar da porosidade da fronteira. Mas, além do esforço de se montar uma barreira humana entre os dois países, esse gesto seria contraproducente para o país, em sua opinião.
"Eu poderia botar, como fez a Jordânia em relação à Síria, um homem do lado do outro. Não é nossa cultura, não é nossa política externa, mas eu poderia fazer uma barreira humana ali. Só que isso é inviável", afirmou o general.
Ele disse que os militares também seriam capazes, dada a geografia do Estado, de fazer uma espécie de cerco para apanhar os clandestinos. Mas, por causa da legislação vigente, não seria possível simplesmente expulsá-los do país.
"Quem entrou por qualquer lugar iria pegar a estrada. Ela canaliza [os fluxos]. Eu controlaria e veria quem está ilegal", disse. "Mas tem outra situação, que é a nossa lei de imigração.
Uma vez que entrou está aceito. […]Não haveria nenhum amparo legal para pegar o imigrante aqui dentro e botar para fora. Se ele falar 'eu vim pedir refúgio', ele está legal."
O comandante afirmou que também seria possível fechar a fronteira legalmente, cessando os serviços de todos os órgãos federais. Porém, isso atrapalharia os trabalhos dos diversos
órgãos que fazem o controle e a contabilização de quem entra e sai do país.
"Fechar a fronteira, além de ir contra toda nossa política, dificultaria loucamente o controle dos números", afirmou. "Porque faria com que as pessoas entrassem por fora dessa organização que já está no ordenamento da fronteira."
O general alertou também para a necessidade de o governo acelerar o processo de envio de venezuelanos para outros Estados, a chamada interiorização. Dutra opinou que esse é o único aspecto falho até o momento da chamada "Operação Acolhida", a força-tarefa logística e humanitária montada em Roraima para lidar com a crise dos refugiados.
Segundo ele, o ordenamento da fronteira e a questão dos abrigos, as outras duas vertentes da operação, têm funcionado de maneira satisfatória. Porém, dado o fluxo contínuo e em grande volume de imigrantes venezuelanos, Boa Vista já está perto de seu limite.
O general estimou em cerca de 15 mil os venezuelanos que vivem atualmente na capital de Roraima. Seu número é menor do que os cerca de 25 mil estimados pela prefeitura em levantamento feito em junho. Mesmo assim, disse ele, é bastante alto para uma cidade de cerca de 300 mil habitantes.
Segundo o comandante, dessas 15 mil pessoas, 5 mil estão vivendo em abrigos, disse ele. Outras 5 mil a 7 mil já estão integradas, com ao menos um membro da família trabalhando na cidade. E há entre 2 mil e 3 mil pessoas vivendo nas ruas da cidade.
Pelos seus cálculos, cerca de 500 venezuelanos cruzam a fronteira todos os dias. Muitos dos que têm chegado já possui destino certo ou parentes esperando.
Mesmo assim, a cidade tende a se inchar ainda mais, e a sensação de incômodo dos moradores com os venezuelanos deve crescer.
Para o general, ao menos mil venezuelanos deveriam ser enviados para fora de Roraima nos próximos meses até o fim do ano.
"Se não fizer isso, a cidade vai colapsar em fevereiro ou março de 2019", disse. "E é possível que episódios como a violência que houve em Pacaraima se repitam em Boa Vista. As pessoas aqui têm sido muito receptivas, mas estão ficando irritadas com a situação."
O decreto de GLO firmado pelo presidente Michel Temer não dará ao Exército o poder de policiar as cidades. Mas as tropas poderão atuar em casos como o da agressão aos venezuelanos em Pacaraima, no dia 18 de agosto.
Serão reforçados o controle de fronteira e das rodovias e instalações federais. Ontem, o Valor percorreu os 213 km que separam Boa Vista de Pacaraima e não notou nenhuma movimentação diferente.