Profª Lysian Carolina Valdes
Co-autora: Profª Fernanda Claudia A. Silva
As primeiras notícias do fluxo de migração de venezuelanos para o Brasil, em grande quantidade, ocorrem nos municípios de Pacaraima (cidade fronteiriça à Venezuela) e Boa Vista, ambos no Estado de Roraima. A situação fez com que instituições governamentais tomassem providências para conter o movimento migratório e resolver os problemas sociais advindos da situação contingencial que não era vista na região.
A crise econômica, política, social e alimentar da República Bolivariana da Venezuela causou essa explosão de deslocamento das pessoas e levou milhares de venezuelanos a entrar no Brasil por via terrestre (outros seguiram para Colômbia, Equador, México, Chile, Argentina e Panamá).
Em virtude do interesse por Pacaraima, foi baixado o Decreto n.º 36, que declara situação de emergência e desenvolve ações humanitárias no município, em razão da triplicação do contingente de estrangeiros. No entanto, a situação continuou insuportável, tanto àquele município, como à capital.
Por isso, em fevereiro de 2018, foi editada a Medida Provisória n.º 820/2018 (hoje convertida na Lei n.º 13.684/2018), que dispõe sobre ações de assistência emergencial para acolhimento de estrangeiros que se refugiam no Brasil, a fim de escapar de crises humanitárias em seus países.
Na mesma data, dois decretos foram editados: o Decreto n.º 9.285/2018 e o Decreto n.º 9286/2018. O primeiro reconheceu a situação de vulnerabilidade dos venezuelanos e o segundo definiu a composição, as competências e as normas de funcionamento do Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária. O comitê, que é presidido pela Casa Civil, envolve doze ministérios e as três esferas das Forças Armadas, com apoio da ONU, das agências humanitárias e da sociedade civil.
Com o fito de operacionalizar a Medida Provisória, foi criada a Força-Tarefa Logística Humanitária para o Estado de Roraima, a qual desencadeou a “Operação Acolhida” que se destina a apoiar – com pessoal, material e instalações – a montagem de estruturas e a organização das atividades necessárias ao acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Suas atividades são desenvolvidas em três frentes: ordenamento da fronteira com o país vizinho na Cidade de Pacaraima; parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e as demais agências de ajuda humanitária no abrigamento das pessoas desassistidas; e fornecimento da logística necessária às ações.
Ganha destaque nessas linhas a interiorização, que é uma das etapas do processo de acolhimento dos migrantes venezuelanos, levados a diversos estados do País para ser integrados à sociedade local. A interiorização está sob a responsabilidade de um subcomitê específico, que trabalha com a Casa Civil e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), órgão da ONU.
O apoio da Força-Tarefa consiste no transporte de migrantes, do abrigo para um local de transição, onde passam por triagem médica. A agência responsável verifica se eles estão de posse dos documentos necessários, como identidade, protocolo referente ao pedido de refúgio ou residência temporária, CPF e carteira de trabalho.
É importante registrar que o processo de interiorização não pode ser visto apenas como uma forma de deslocar os venezuelanos de Roraima para outras localidades. Documentá-los e registrá-los para fins de controle migratório é uma etapa importante, mas não suficiente.
Há a necessidade de criação de condições para que possam se integrar à nova sociedade, seja por meio de políticas públicas específicas de saúde, educação e moradia, seja por intermédio de parceria com a sociedade local para inserção nos postos de trabalho.
Se, de um lado, a integração local permite ao imigrante reestruturar a vida em outro país, de outro, acarreta algumas dificuldades no tocante à adaptação. Isso porque a nova sociedade em que será inserido pode representar uma cultura (com hábitos, crenças e tradições) diversa daquela de sua origem.
Desse modo, a interiorização é vista como via de mão dupla, pois exige não só a adaptação do sujeito a ser interiorizado, como também da comunidade local, o que impõe mudança de valores, normas e comportamentos, não significando o abandono da própria cultura dos deslocados.
O maior desafio é, portanto, a colocação dos novos moradores no mercado de trabalho, pois a pouca oferta de empregos, aliada à baixa qualificação dos venezuelanos, que, em sua maioria, possui nível médio completo, compromete o processo. Isso sem contar que os venezuelanos vão para os destinos finais sem emprego garantido e têm prazo de três meses para permanecer nos abrigos.
No entanto, impende registrar que a interiorização é muito bem aceita pelos abrigados venezuelanos, pois a grande maioria deseja fazer parte do contingente que é levado para os estados de acolhida. Apenas uma minoria pretende permanecer no Estado de Roraima, em virtude da proximidade com o país natal e os familiares que lá ficaram.
A distância dos locais de interiorização é um fator que pesa na decisão dos abrigados, de aderirem ou não ao processo. Por outro lado, o desejo de recomeçarem a vida em busca de melhores oportunidades sobrepõe-se a essa questão.
Além disso, a proatividade, a simplicidade e a alegria do povo brasileiro, formado pelo processo migratório na sua origem, são grandes atrativos e contribuem para um ambiente em que a diversidade cultural encontra espaço, favorecendo a integração dos que buscam construir um novo lar e uma nova vida.
Hoje, o maior desafio da operação é o processo de interiorização, visto que a ideia de abrigamento é provisória. Todavia, muito há que ser feito para que, de fato, seja efetivado o processo de integração, pois não deve ser visto apenas como uma forma de reduzir os impactos da migração no Estado de Roraima, mas como integração dos venezuelanos na sociedade brasileira.