O encanto do Coronel


O encanto do coronel

Ao eleger como ícone o presidente venezuelano
Hugo Chávez, a esquerda brasileira mostra que perdeu o rumo

 


Hugo Chávez vive dias de festa. O Fórum Social Mundial de Porto Alegre converteu-se na entronização do presidente da Venezuela em farol da esquerda brasileira. Num ginásio esportivo da capital gaúcha, ele foi ovacionado por 15.000 pessoas, basicamente o mesmo público que vaiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo lugar, dias antes. Intelectuais brasileiros disputaram quase a tapa a oportunidade de posar ao lado do coronel. A elevação de Chávez a modelo tem mais a ver com a desorientação da esquerda brasileira do que com as idéias do venezuelano.

Em tese, há fartura de escolhas melhores. Predominam na América do Sul os presidentes de centro-esquerda. O socialista Ricardo Lagos, que comanda a ascensão do Chile a um padrão de vida de Primeiro Mundo, por exemplo. Ou Luiz Inácio Lula da Silva, o operário que chegou lá. O argentino Néstor Kirchner é opção para quem gosta de personalidades erráticas. São governantes de esquerda que, de modo geral, adotam políticas realistas e sensatas.

Como se explica a escolha do extravagante venezuelano? "Ao apoiar Chávez, a esquerda latino-americana mostra que perdeu totalmente o rumo", diz o historiador Boris Fausto. "Os ícones do passado eram, no mínimo, consistentes em seu ideal revolucionário, enquanto Chávez, hoje, oferece apenas um antiamericanismo tosco e primitivo." Depois de se decepcionar com Lula, que se recusou a adotar a política econômica proposta pela claque alternativa, parte da esquerda brasileira encontrou o venezuelano.

A escolha é perigosa, pois o coronel representa o repúdio à democracia representativa, que tanto custou aos brasileiros. Em seu país, ele se aproveitou da popularidade para usurpar os poderes do Estado e se converter em ditador. Do ponto de vista social, seu governo é um desastre. Como diz a piada argentina, Chávez gosta tanto de pobres que seu governo cuidou de multiplicá-los na Venezuela.

O que a esquerda brasileira vê em Chávez é um líder revolucionário surgido das massas. Em outros tempos, quando os ensinamentos de Karl Marx eram levados a sério, teria olhado com desconfiança sua promessa de resolver o problema da pobreza com medidas populistas.

"A revolução bolivariana na Venezuela é o fato político mais importante da América Latina desde a Revolução Cubana de 1959", diz o escritor Fernando Morais, que também é admirador de Fidel Castro e do ex-governador paulista Orestes Quércia. No ano passado, Morais levou a Caracas uma carta de solidariedade assinada por 69 personalidades brasileiras, entre elas o arquiteto Oscar Niemeyer, o compositor Chico Buarque e o governador Roberto Requião, do Paraná. Fidel tem no currículo uma revolução fracassada, mas que inspirou uma geração. Já o presidente venezuelano é da categoria caudilho iluminado, tipo comum na América hispânica, que se empenha em reconstruir o continente de acordo com suas fantasias revolucionárias. Na prática, Caracas tenta substituir Havana como quartel-general da esquerda violenta.

A arma para isso não é tanto o discurso vazio do presidente, mas o dinheiro do petróleo. Graças ao aumento dos preços, Chávez tem recursos para comprar apoio nas vizinhanças. Como Fidel, ele recebe com salamaleques os simpatizantes que visitam Caracas. Não há intelectual esquerdista que não se encante com palácio e tapete vermelho.

A parte perigosa é o refúgio que Chávez oferece à narcoguerrilha colombiana. Ele também financiou Evo Morales, o líder dos distúrbios que derrubaram um presidente na Bolívia. Chávez inspirou e, de acordo com a imprensa peruana, deu dinheiro aos militares que tentaram uma sangrenta quartelada no Peru, no mês passado. O coronel vermelho dá petróleo praticamente de graça a Cuba e agora promete abastecer a Argentina com preços camaradas. É curioso que a Venezuela seja o terceiro maior fornecedor de petróleo dos Estados Unidos. A razão disso é que, apesar de toda a retórica, Chávez prefere evitar o confronto real com – as palavras são dele – "a mão peluda do imperialismo".

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