Incertezas regulatórias ainda assombram setor de drones

Luis André Maragno Vivan
Consultor Jurídico (www.conjur.com.br)

Tarefas que no passado eram feitas ao longo de dias — e com considerável alocação de mão de obra — hoje podem ser precisamente desempenhadas em algumas horas com o uso de aeronaves não tripuladas (drones). Vantagens assim vêm acarretando diametrais mudanças em áreas como: agricultura, pecuária, cartografia, mineração, indústria cinematográfica e audiovisual, engenharia civil (detecção de defeitos construtivos), infraestrutura (utilities inspection), silvicultura, meio ambiente, facilities management, segurança, meteorologia, dentre inúmeras outras.

Como muito se tem noticiado, a Agencia Nacional de Aviação Civil (Anac) recentemente estabeleceu regras disciplinando a operação de drones para finalidades comerciais. Trata-se de diretrizes há muito aguardadas por empresários brasileiros do setor, cada vez mais estratégico na chamada nova economia mundial.

Pela ausência de estudos técnicos aprofundados, por ora, a Anac apenas regulamentou o uso de aeronaves remotamente pilotadas — e não aeronaves com operação totalmente autônoma e pré-programada.

O regulamento (RBAC-E 94, publicado em 3 de maio de 2017) é complementar a normas específicas sobre drones editadas por outros entes governamentais, tais como o regulamento do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), órgão ligado ao Comando da Aeronáutica que disciplina e fiscaliza o uso do espaço aéreo, e o manual da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), responsável pela fiscalização do uso de radiofrequências.

Naturalmente, tais regras administrativas não excluem a aplicação de disposições legais penais eventualmente aplicáveis ao uso de drones (tais como a tipificação da exposição de pessoas a risco), disposições pertinentes à legislação cível (incluindo as que dizem respeito à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem de pessoas), bem como pertinentes regras aplicáveis ao uso de aeronaves em geral, incluindo penalidades administrativas editadas pela própria Anac, pelo Ministério da Defesa e outros entes governamentais.

Antes da recente regulamentação, a Anac já vinha emitindo autorizações específicas, caso a caso, para operadores comerciais de drones. Contudo, não havia diretrizes uniformes e, tampouco, procedimentos simplificados para operações consideradas de menor risco, tais como aquelas envolvendo voos mais baixos e com equipamentos de menor peso.

Dentre as novidades trazidas pelo regulamento da Anac, pode–se mencionar como mais relevantes:

I) a criação de três diferentes classes de operações comerciais de drones, com procedimentos de certificação diferenciados em razão da complexidade de cada operação — e regras simplificadas para a operação de equipamentos com peso inferior a 25 kg e que voem em altura inferior a 400 pés (aproximadamente 120 metros);

II) a exigência de seguro de responsabilidade civil com cobertura de danos a terceiros para todas as operações envolvendo equipamentos com peso superior a 250g;

III) a proibição de voos com distância lateral inferior a 30 metros em relação a pessoas não anuentes (para drones com peso superior a 250 g), exceto para uso em atividades de segurança pública, defesa civil e fiscalização tributária e aduaneira; e

IV) a proibição de pilotagem comercial por menores de 18 anos.

Especialistas avaliam que a comentada regulamentação consiste em uma das mais flexíveis e permissivas do mundo, especialmente para operações envolvendo drones com peso inferior a 25 kg, que correspondem à grande maioria dos negócios brasileiros no segmento.

Ocorre que, apesar de otimista, o setor ainda enfrenta desafios práticos e burocráticos.

O mercado de seguros voltado a operadores de drones tem encontrado dificuldades de precificação e agido com cautela, principalmente em razão da falta de suficientes estatísticas de sinistralidade, bem como da ampla variedade de marcas e modelos de aeronaves.

A jurisprudência também tem um longo caminho a percorrer no que concerne à apuração da responsabilidade civil de operadores e integrantes da cadeia de fornecimento de aeronaves não tripuladas. Sabe-se, por exemplo, que drones podem colidir com aviões e linhas de transmissão de energia — e até serem manipulados por hackers, o que pode gerar danos de extensão incalculável.

No âmbito regulatório, é prematuro afirmar que o setor se encontra livre de incertezas e amarras burocráticas.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ainda não editou regras específicas disciplinando atividades aeroagrícolas desempenhadas por drones (tais como pulverização). Há informação de que o tema está previsto no planejamento da sua agenda regulatória.

Já empresas utilizam que drones em atividades de aerolevantamento (operações aéreas de medição, computação e registro de dados de terrenos com emprego de sensores), cada vez mais relevantes para a modernização tecnológica do país estão sujeitas, em tese, a autorização adicional do Ministério da Defesa para operarem, independentemente da altura de voo e do peso das aeronaves a serem pilotadas.

Essa exigência — que decorre de decreto presidencial editado no longínquo ano de 1971 (Decreto 1.177/1971), faz com que uma empresa de aerolevantamento disposta a seguir todos os trâmites legais para operar drones tenha que aguardar por uma manifestação específica do Ministério da Defesa. E essa autorização, que não exclui autorizações exigidas pela Anac e outros entes governamentais, pode demorar meses.

À luz do descrito panorama, além da bem vinda regulamentação da Anac, faz-se necessário um esforço de desburocratização — e preferencialmente de unificação procedimental — a ser articulado pelos entes governamentais competentes para regular o tema.

O general Rodolfo Costa Filho, um dos primeiros pilotos de drones do Brasil dos quais se tem notícia, ao descrever testes realizados com o elogiado protótipo “Acauã” [1], desenvolvido pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial do Comando da Aeronáutica ainda na década de 80, observa que, nessa época, o país detinha tecnologia no desenvolvimento de drones equivalente a Israel — hoje uma das principais potências no assunto. Todavia, lamenta que inexplicáveis mudanças de planejamento governamental vieram a causar um atraso de aproximadamente 20 anos no desenvolvimento de relevantes projetos nacionais no setor.

Como se vê, o setor brasileiro de drones não só revela indiscutível potencial empreendedor como, também, vocação tecnológica. Mas nenhuma dessas potencialidades será plenamente desenvolvida sem cuidadoso planejamento estratégico que vise eliminar barreiras burocráticas, incertezas regulatórias e, consequentemente, custos que ainda assombram pesquisadores e empresários, sabotando a agilidade necessária à expansão da oferta de produtos e serviços, bem como o reconhecimento internacional da nossa excelência criativa no segmento em questão.

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