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Xeque RODRIGO JALLOUL – A Ameaça Radical


LEONARDO COUTINHO

 
O Paulistano Rodrigo Jalloul, de 31 anos, foi criado como cristão na periferia de São Paulo. Descendente de libaneses, procurou uma mesquita na Zona Leste da capital paulista quando tinha 15 anos para aprender o idioma árabe e resgatar a cultura de seus antepassados, que já havia se perdido no dia a dia da família. Acabou convertendo-se ao islamismo. Em 2013, depois de estudos no Irã, recebeu o título religioso de “hojatoleslam”, um grau abaixo do de aiatolá, e se transformou no primeiro e mais graduado xeque xiita brasileiro.
 
Antes dele, outros três brasileiros foram enviados para estudar na cidade iraniana de Qom, mas nenhum concluiu a formação. Em seu centro islâmico, no andar térreo do sobrado da casa de um tio, no bairro de Vila Matilde, em São Paulo, Jalloul conversou com VEJA sobre a ameaça do radicalismo entre os jovens recém-convertidos no Brasil e sua relação com Mohsen Rabbani, clérigo iraniano acusado de ser o mentor do maior atentado terrorista da Argentina — a explosão de um carro-bomba contra a associação judaica AMIA, em Buenos Aires, que matou 85 pessoas em 1994.

O senhor já barrou algum brasileiro que queria se converter ao islamismo?

Sim, duas vezes. Um deles queria ser muçulmano por ódio aos cristãos e aos "malditos judeus", como ele dizia. Respondi que aquilo era uma tolice. Muçulmanos, cristãos e judeus são um povo só. Disse a ele que para ser muçulmano é preciso crer também no cristianismo e no judaísmo. Não é possível ser muçulmano sem aceitar os profetas Jesus e Moisés. Se uma pessoa já chega amaldiçoando os judeus e os cristãos, como pode aceitar o Islã? Mandei-o embora.

Como foi sua conversão?

 Eu tinha 15 anos. Trabalhava na Rua Santa Ifigênia (um importante núcleo de comércio de eletrônicos na região central de São Paulo) e por isso acabei tendo um contato muito grande com os árabes, que dominam as lojas. Embora fosse neto de libaneses, percebi que era totalmente ignorante em relação à cultura de meus ancestrais. Por curiosidade, procurei uma mesquita para aprender árabe. Além do idioma, comecei a estudar a religião e a entender as divisões dentro dela. Apesar de o ramo muçulmano da minha família ser sunita, escolhi o xiismo por acreditar ser o correto.

Por quê?

A divisão no Islã se deu depois da morte de Maomé. Ali, que era genro e primo do profeta, havia sido indicado para suceder-lhe, mas, enquanto preparava o corpo de Maomé para ser sepultado, um grupo de seguidores mais próximos fez uma eleição para escolher outra pessoa. Essa vertente se autodenominou "sunita". Por mais que eu a respeite, não posso considerá-la legítima. Naquele tempo, muitos muçulmanos também pensaram assim. Os sunitas os chamaram de xiitas, que em árabe quer dizer "partidários". É uma denominação pejorativa. Essa terminologia não deveria existir. Muçulmano é muçulmano.

O senhor é contra essa divisão?

 Não posso ser contra a divisão porque ela existe. Mas defendo uma pacificação. Um respeito mútuo. Em países como o Brasil, onde a rixa não é tão profunda, isso seria possível. Meu centro islâmico é frequentado por quatro sunitas, que fazem suas orações lado a lado com os xiitas. Não vejo problema algum. O fato de eu acolher alguns sunitas não significa que concorde com eles. Infelizmente, alguns xeques pregam uma visão muito radical do Islã, o que impede essa união.
 

"A radicalização dos muçulmanos brasileiros deve-se ao excesso de informação disponível, mas sem um filtro adequado. Todo o cuidado é pouco”


Existe pregação radical no Brasil? Alguns xeques erram em focar muito a política e pouco a religião. Eles dizem abertamente que os xiitas são hereges e malditos. Os brasileiros que se convertem não conhecem a história da religião e acabam caindo nessa farsa. A radicalização dos muçulmanos brasileiros deve-se ao excesso de informação disponível, mas sem um filtro adequado. Certa vez, encontrei uma muçulmana sunita na porta da mesquita do Brás e convidei-a para entrar. Ela se recusou, pois um xeque sunita lhe havia dito que se tratava de um lugar maldito. Era uma jovem normal, mas com uma visão totalmente radicalizada da religião. O wahabismo e o salafismo, que são as subcategorias mais radicais do sunismo, têm se manifestado de modo muito forte no Brasil. Isso é uma ameaça. A radicalização que afeta jovens na Europa também está acontecendo no Brasil. Todo o cuidado é pouco.

Por quê?

A religião islâmica é de origem árabe. No Oriente Médio, as pessoas lidam com a religião com naturalidade. Alguns brasileiros, porém, estão abraçando a fé cegamente. Há muitos fanáticos pregando para gente intelectual e emocionalmente vulnerável por aí. Não necessariamente incitando ao terrorismo, mas ensinando uma forma equivocada de lidar com a religião. Esses fanáticos pregam que cristãos e judeus não podem existir. Pregam até o afastamento da família, apesar de o profeta Maomé dizer que o respeito aos pais deve ser mantido até o fim da vida. Aqueles que têm mais sede de conversão são os piores. Eles querem se converter e não discutem nem questionam nada.

Esse fenômeno explica o surgimento do grupo de brasileiros que foi preso pela Polícia Federal no ano passado, acusado de planejar um atentado na Olimpíada?

Fiquei chocado com a notícia, mas não duvidei dela, pois de fato existem ramificações religiosas no Brasil que apoiam o Estado Islâmico. Não posso afirmar que sejam ramificações terroristas, mas são integradas por pessoas com pensamentos extremistas. Por mais que muitos xeques neguem, existem extremistas entre nós. Basta ir ao centro de São Paulo e ver brasileiros recém-convertidos com roupas árabes e mulheres de burca. Ora, essas vestes são culturais, não são religiosas. Não fazem sentido no contexto brasileiro. O que Maomé prescreve é o recato ao vestir e o uso do véu para as mulheres. Elas podem usar saias longas ou calças e podem mostrar os pés e as mãos. O que deve ficar coberto são os cabelos. Quanto à possibilidade de um atentado terrorista no Brasil, seria uma tragédia para todos, principalmente para nós, muçulmanos. A ação da Policia Federal e do juiz que manteve esses radicais presos salvou a paz da religião e de seus seguidores no Brasil.

 

"A ação da Policia Federal e do juiz que manteve esses radicais presos salvou a paz da religião e de seus seguidores no Brasil."


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Qual é a sua opinião sobre o Estado Islâmico?

O Estado Islâmico é uma organização política governada pelos muçulmanos, baseada nas leis da charia, no Corão, nos ditos do profeta e na história da religião. O grupo terrorista, porém, é uma anomalia anti-islâmica. Por isso seus maiores opositores são muçulmanos xiitas que veem as barbaridades do EI como um atentado contra a religião. O grupo é uma máquina de matar que está fazendo muito mal para a imagem da religião. Por usarem o nome "islâmico", eles levam os mais desavisados a pensar que tudo o que vem do Islã é do mal. Quando o presidente americano Donald Trump barra a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, está discriminando povos e culturas ligados a uma religião. Mas qual a parcela de culpa do EI nisso? Trump está fazendo política e aproveitando-se do EI para isso. Ou seja, é nos erros de alguns muçulmanos que líderes como Trump se apoiam para nos perseguir.

Como é ser muçulmano no Brasil?

Pode acreditar, não existe islamofobia no Brasil. Algumas mulheres dizem que sofrem preconceito por cau-sa do véu, por exemplo. Mas acho que se trata de casos isolados ou da necessidade que algumas pessoas têm de se apresentar como vítimas. Os brasileiros são flexíveis com religião. Meu centro islâmico recebe kardecistas e evangélicos. Sim, existem muçulmanos espíritas, e não vejo motivo para barrá-los. Sinceramente, não há problema algum para nós aqui. As dificuldades que os muçulmanos encontram no Brasil são de ordem comportamental. O difícil é abrir mão das baladas, da bebida alcoólica e do consumo de carne de porco. Trata-se mais de uma relação dos indivíduos com o ambiente do que propriamente de discriminação.
 

"Os brasileiros são flexíveis com religião. Meu centro islâmico recebe kardecistas e evangélicos. Sim, existem muçulmanos espíritas, e não vejo motivo para barrá-los"

 
O senhor falou do risco de atentados cometidos por radicais sunitas, inspirados no Estado Islâmico. Mas existem também grupos terroristas xiitas. O senhor mesmo teve como mentor religioso o iraniano Mohsen Rabbani, apontado como responsável pelo atentado em Buenos Aires em 1994.

Quando fui para o Irã fazer minha formação religiosa, eu não sabia do atentado na Argentina. Apenas quando cheguei lá descobri que Rabbani era procurado pela Interpol. Não dá para acreditar que um homem amável como ele possa ser acusado de um ato tão brutal. Rabbani foi quem me recepcionou em Teerã, foi quem me levou à mesquita. Em 2011, VEJA publicou uma reportagem que mostrava meu vínculo com ele. Na visita seguinte ao Irã, coloquei uma edição da revista debaixo do braço e fui pela primeira vez conversar com Rabbani sobre isso. Queria saber que tipo de problema eu teria por estar trabalhando com ele e se as acusações contra ele eram verdadeiras. Rabbani se disse inocente, mas ficou furioso comigo por eu ter ido tirar satisfação. Ora, depois que meu nome veio a público, fui procurado pela Polícia Federal, fui investigado por terrorismo. Mas ele não quis compreender minhas preocupações.

O que ele fez?

Perdeu a confiança em mim e rompeu comigo. Perdi o apoio que ele me dava, e a vida ficou bem mais difícil no Irã. Na última vez em que tentei visitar o país, fui barrado na imigração. Nunca me contaram o motivo. Os guardas disseram em tom de brincadeira que eu era espião americano. O fato é que fui enviado de volta para o Brasil. Embora o Irã tenha fechado as portas para mim, não desisti de difundir a religião. Montei meu centro islâmico graças à ajuda de alguns iranianos que vivem no Brasil e sigo em frente.

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