Lei amplia ação feminina no Exército e permite que elas recebam formação para atuar no front

Kamila Almeida


As mulheres avançam sobre uma das últimas trincheiras ocupadas exclusivamente por homens no Brasil.

Depois de 20 anos dedicadas a cargos técnicos do Exército, atuando na Saúde, na Educação e na Informática, surge uma nova opção: o quadro de combatentes.

A Aeronáutica e as forças policiais de quase todo o país já ampliaram a ação feminina na linha de frente há anos. Em pleno século 21, a lei 12.705, aprovada na semana passada, quebra paradigmas, mas é mais tardia do que parece. Isto porque o Exército ainda terá cinco anos para se ajustar a uma realidade mais do que presente no Brasil, que tem, inclusive, uma representante do gênero no comando — a presidente Dilma Rousseff.

Alojamentos e escolas de formação precisarão de reformas estruturais, e até o conteúdo técnico pode sofrer adaptações para recepcionar as novatas na linha militar bélica de ensino. Elas devem ser formadas para atuar em Campanha e poderão até ser vistas a bordo de um blindado, portando fuzis e pistolas, durante patrulhamentos nas missões de paz, por exemplo.

O grau de dificuldades durante a capacitação em escolas como a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e na Escola de Sargentos das Armas (EsSA), tradicionalmente frequentada apenas por homens, deverá ser o mesmo, independentemente do sexo. Mas alojamentos devem passar por adaptações, incluindo os quartéis.

O coronel da reserva Paulo Roberto de Almeida Rosa, da Comunicação Social da 3° Divisão de Exército, situada em Santa Maria, região central do Estado, lembra que as militares, quando vão para uma missão, recebem um preparo específico, com instrução de tiro e condicionamento psicológico para resistir às adversidades dos locais para onde serão enviadas.

— Embora formalmente não estejam na linha de frente, tecnicamente fazem tudo o que os homens fazem em uma situação extrema. Uma oficial na selva enfrentará adversidades, como exposição ao calor, ao frio, ficará sem banho e dormirá sem conforto. É uma questão de semântica — avalia o coronel Rosa.

Livres de preconceitos, não estarão. Para recebê-las, deve haver muitas mudanças. Há quem comemore a novidade.

— A entrada do segmento feminino já mudou muito o nosso meio, até o jeito como nós nos comportamos. Isso é muito positivo. Ficamos mais sensíveis também — afirma o coronel Francis de Oliveira Gonçalves, comandante e diretor de Ensino do Colégio Militar.

— O homem é impetuoso. A mulher, prudente — lembra o coronel.

A aposta do diretor é de que ambos serão complementos na linha de frente.

Vocação familiar

Jociele Moreira Rezende, 16 anos, é filha única de um subtenente do Exército. Admira desde menina as medalhas do pai, Joacir de Oliveira Rezende, 44 anos. Quando o assunto eram os treinamentos de guerra, o coração se enchia de esperanças de um dia fazer igual. Mas sabia que era impossível.

Ela e as colegas Ana Paula dos Santos Cavalheiro, 16 anos, também filha de subtenente e Vanessa Ferreira Abdalla, 17 nos, cujo pai é coronel, também cultivavam o sonho antigo de entrar para a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), castrado pelo rigor da carreira bélica, destinada ao sexo masculino.

No último ano do Ensino Médio do Colégio Militar, as três já definiram carreiras na Engenharia militar e na Força Aérea. A idade máxima para prestar concurso no Exército é 21 anos. Estão chuleando que as vagas sejam abertas antes desse prazo. Jociele largaria tudo para ser intendente no Exército.

— É claro que não é uma profissão normal. O juramento mesmo diz que defenderemos o Brasil com o sacrifício da própria vida, que é o nosso bem maior. Mesmo assim teria muito orgulho se ela conseguisse entrar — argumenta Joacir.

Elas são de uma escola onde muitas moçoilas partilham do mesmo sonho e sentiam a exclusão desde o ambiente escolar. O Colégio Militar tem por hábito organizar excursões para as tradicionais academias militares do país nas férias de julho, mas só os garotos podiam se inscrever para o passeio ao Rio de Janeiro e São Paulo, conta o major Flávio Marcelo Lima dos Santos, comandante da 3ª Companhia de alunos, que congrega o 2º e 3° ano do Ensino Médio:

— É sonho de muitas aqui no colégio. Ficavam fora da viagem porque sabíamos que não era permitido o ingresso delas na maioria das academias. Agora estão animadas para o ano que vem, quando devemos fechar um ônibus só com elas.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter