Coronel Alexandre Eduardo Jansen
Há um imenso conhecimento acumulado pelos integrantes do Exército Brasileiro (EB), em todos os seus níveis, fruto de inúmeros cursos de formação, especialização, extensão, aperfeiçoamento e pós-graduação realizados no Brasil e no exterior. Esse cabedal é complementado pelas experiências individuais colhidas a partir da participação em operações militares, missões de paz e exercícios. Não faltam profissionais competentes nos quadros do Exército, capazes de elaborar uma Doutrina Militar atual e contextualmente adequada às novas e emergentes ameaças.
Entretanto, após análise aprofundada realizada durante os três últimos anos diagnosticou-se que somente uma parte ínfima desse conhecimento individual é repassada para o coletivo. Por diversas razões, o Exército não tem sido capaz de aproveitar os conhecimentos adquiridos pelos indivíduos que o compõem, permitindo, com isso, que a riqueza de novas ideias e informações que deveria ter sido absorvida em estudos profissionais acabe sendo desperdiçada, quando da passagem desses militares para a Reserva. É comum, infelizmente, observar que conhecimentos úteis para a Doutrina Militar Terrestre (DMT) tenham que ser novamente “garimpados” por outros militares, que, provavelmente, também os levarão consigo, num ciclo vicioso e interminável.
O impacto dessa situação é mais grave do que possa parecer. A DMT orienta a atividade fim do EB, pois o conjunto de seus produtos responde às necessidades primárias da Força Terrestre (FTer). Ou seja, o que será necessário para que a FTer disponha das capacidades de combate que lhe permitam enfrentar quaisquer ameaças, em um cenário futuro? A partir dessa visualização, a DMT procura responder às questões de como organizar os meios da FTer e como equipar essa força para este combate?
O Estado-Maior do Exército (EME) é o responsável por compilar e codificar esta Doutrina, mas, na verdade, quem a produz são os integrantes da Força, por meio de seus conhecimentos. Esta é a forma pela qual o EB transforma o conhecimento tácito de seus integrantes em um valioso ativo corporativo. Em qualquer ambiente, o conhecimento compartilhado é o principal fator de inovação e da produtividade.
Deseja-se, neste artigo, apresentar uma nova concepção da Gestão do Conhecimento para a Doutrina Militar do EB e, com isso, produzir uma Doutrina alinhada com os Objetivos estratégicos do Exército e compatível com os desafios que enfrentaremos em futuro próximo. Para isso pretendemos discutir a seguinte questão: “Como melhorar a confiabilidade, a qualidade e a rapidez de atualização dos produtos da Doutrina Militar do Exército Brasileiro”?
UM DIAGNÓSTICO DA GESTÃO DO CONHECIMENTO DOUTRINÁRIO NO EB
Da análise das conclusões de seminários e reuniões sobre a DMT, realizados durante os anos de 2009 e 2010, foram identificados os principais gargalos existentes no processo de atualização dos produtos doutrinários e os motivos pelos quais se acumulam críticas quanto à sua confiabilidade, qualidade e agilidade, com a consequente visão de que ele não tem sido capaz de atender às demandadas da FTer. Não surpreende que as soluções propostas por essa análise indiquem a necessidade de reformulação da Gestão de conhecimento no EB. Destacamos algumas recomendações:
• a produção doutrinária deve adotar uma formatação matricial que permita o estabelecimento de canal técnico com aqueles que efetivamente “geram” informações doutrinárias;
• no trato dos assuntos doutrinários, as diretrizes e orientações nem sempre ficam claras àqueles que podem contribuir com dados e informações de interesse. O EME deve selecionar e difundir periodicamente uma relação contendo os Elementos Essenciais de Informação Doutrinária (EEID), orientando os órgãos de direção setorial (ODS), e os Comandos Militares de Área (Cmdo Mil A) – e, de maneira mais ampla, todo o Exército – quanto ao foco a ser dado na busca e pesquisa de novas soluções doutrinárias;
• o EB necessita urgentemente de um Banco de Dados Doutrinários que seja constantemente atualizado e permita fácil acesso por todos que integram a produção doutrinária. Essa iniciativa permitirá a sistematização do conhecimento reunido, por meio de ferramentas corporativas de Tecnologia da Informação (TI), com todos os encadeamentos necessários, conferindo sinergia ao trabalho de todos os órgãos e comandos envolvidos no sistema;
• a rotina de coleta de lições aprendidas e seu eventual aproveitamento pela DMT ainda carecem de meios e processos que os tornem eficientes; uma organização profissional tem que poder aprender com seus erros e sucessos e permanecer aberta a critica e a sua melhoria;
• a cultura de permanente atualização da DMT sofreu impacto negativo com as mudanças estruturais ocorridas no âmbito do EME, na última década. Os reflexos acabaram alcançando toda a Força. Poucos têm a conhecimento sobre o processo de produção doutrinária e a perfeita compreensão de que seus objetivos estão ajustados às demandas doutrinárias de todos os órgãos do EB e dos escalões da F Ter;
• a experiência adquirida por oficiais e praças em situações específicas nem sempre é aproveitada, particularmente daqueles que concluem cursos e missões no exterior e de outras especializações. Integrantes da reserva também não são adequadamente aproveitados na produção doutrinária. Não existe, portanto, um cadastramento de colaboradores voltado à doutrina, que possibilitaria a formação de um corpo virtual de especialistas por assunto – um “banco de talentos”, para a montagem de Grupos de Trabalho (workshops) para a formulação/ revisão de temas doutrinários inéditos, manuais de campanha e outros produtos de doutrina;
• a alta rotatividade do pessoal que trata de doutrina conduz a uma significativa perda da capacidade de acompanhamento doutrinário desde a fase de pesquisa até as experimentações conduzidas nos Comandos Militares de Área e suas Grandes Unidades. Esse problema é agravado pelo excesso de atividades paralelas, que desviam os analistas de sua missão;
• a configuração linear do ciclo de produção doutrinária não é a mais adequada. Ele seria mais bem servido se passasse a ser cíclico e contínuo.
MODELOS DE GESTÃO DE CONHECIMENTO DOUTRINÁRIO
Soluções adotadas por Forças Armadas estrangeiras sempre são um bom caminho para buscar e discutir soluções inovadoras, com procedimentos de operação mais eficazes. Adaptadas à realidade das Forças Amadas brasileiras, podem conduzir a um desempenho superior na produção doutrinária, com melhor aproveitamento do conhecimento individual e coletivo obtido por seus integrantes.
As Forças Armadas dos Estados Unidos da América (EUA) estão, sem dúvida, entre as que melhor evoluíram seus métodos de Gestão do Conhecimento, seja por sua imensa estrutura voltada para esse fim, seja por terem permanecido empregadas durante as duas últimas décadas. O Battle Command Knowledge System (BCKS), sediado no Centro de Armas Combinadas do Exército EUA (CAC), no forte Leavenworth,
Kansas, foi o agente de mudança para a implementação de gestão do conhecimento do Exército dos EUA. Tinha como missão apoiar a geração, aplicação, gestão e exploração de conhecimentos do Exército, promovendo a colaboração entre soldados e unidades, para compartilhar as expertises e as experiências; contribuir com o desenvolvimento de líderes intuitivos na tomada de decisão e apoiar o desenvolvimento das organizações e equipes.
Hoje, essas missões foram absorvidas pelo Army Operational Knowledge Management (AOKM), que pertence ao Diretório de Integração de Desenvolvimento das Capacidades (CDID) do CAC2. O Exército estadunidense desenvolveu o manual FM 6-01.1 “A Célula de Gestão do Conhecimento do Comando da Batalha”3, que serve como referência para a compreensão do papel da gestão do conhecimento nas operações.
Comparando-se essa solução com as necessidades e possibilidades do EB, pode-se concluir pela validade da criação de fóruns virtuais para debate que estimulem a participação de todos nesse processo e a revisão das IG 20-134, incluindo normas que regulem a Gestão do Conhecimento no campo doutrinário e operacional.
Já nas Forças Armadas canadenses5 existe um sistema de doutrina e da instrução da FTer do qual o Centro de Lições Aprendidas do Exército (CLRA)6 faz parte e é o responsável pelo processo de aprendizagem do Exército canadense.
Para os canadenses, o processo está apoiado sobre uma cultura de aprendizado orientado pelo Estado-Maior no programa de revisão das lições aprendidas, o que facilita e agiliza a análise e absorção das experiências operacionais que possam influenciar na melhoria da instituição.
Desse modelo, pode-se retirar o ensinamento de que, como levantado na análise do Sistema de Doutrina do EB, é importante institucionalizar as Lições aprendidas e sistematizá-las para que realimentem o processo de produção doutrinária e difundam as melhores práticas e lições aprendidas, parte importante da Gestão de Conhecimento que visa a evitar a repetição dos erros cometidos por outros ou mesmo aproveitar soluções que podem economizar tempo e dinheiro para a Instituição como um todo.
Do Exército da França, podemos extrair dois exemplos de como aproveitar o Conhecimento para produzir Doutrina. Diretamente subordinado ao Chefe de Estado-Maior do Exército7, o Centro de Doutrina de Emprego das Forças (CDEF) é o órgão central da Doutrina da Força, enquanto que no Estado-Maior das Forças Armadas, o Centro Interforças de Concepção, de Doutrinas e Experimentação (CICDE) faz esse papel8.
O CDEF possui uma organização que permite gerir todo o ciclo da produção doutrinária que compreende a concepção, a elaboração, a pesquisa, a simulação e a pesquisa operacional, as lições aprendidas e a difusão. Na vertente da difusão, impressiona a expressiva participação de integrantes do Exército e mesmo civis na produção de textos sobre assuntos doutrinários e lições aprendidas. Os militares são estimulados a escrever não só para as publicações da FTer, mas também para revistas e jornais civis.
Nos trabalhos executados no CICDE, são utilizados três grandes princípios metodológicos:
• a atividade é organizada por projetos; um projeto pode ser a escrituração de uma doutrina, de uma concepção ou a execução de uma experimentação;
• o trabalho é essencialmente colaborativo, buscando a participação de todos os correspondentes externos ao centro que tiverem uma contribuição a levar a cada projeto;
• o recurso à experimentação quando se necessita responder a uma necessidade operacional urgente ou quando a problemática é complexa.
A organização do CICDE é totalmente matricial, sendo composto pelo seu Diretor, um Diretor adjunto e três Subdiretores – um de concepção, outro de doutrinas e o outro de sinergia doutrinária. Abaixo dos dois primeiros só existem sete oficiais de projeto para cada um. Quando da execução de novos projetos, são designadas equipes temporárias, com pessoas a serem escolhidas pelo gerente do projeto, dentro do universo de todo o Ministério da Defesa, considerando as especialidades necessárias.
Dessas experiências podemos retirar um bom caminho para modificar a situação atual da Gestão do conhecimento no EB: a importância de estimularmos os profissionais da FTer a difundirem suas experiências e seus conhecimentos – frutos de especializações, lições aprendidas e melhores práticas –, por meio de instrumentos que permitam fácil acesso a todos os integrantes do EB.
Em resumo, podemos concluir sobre a necessidade de atender a alguns pontos fundamentais que podem servir para melhorar a Gestão de Conhecimento do EB e, consequentemente, conferir mais confiabilidade, qualidade e rapidez à produção da Doutrina:
• estimular todos os integrantes da FTer que difundam suas experiências, seus conhecimentos frutos de especializações, as lições aprendidas e as melhores práticas, por meio de instrumentos que permitam fácil acesso a todos do EB, como revistas, ou por meios de portais de Doutrina, além de fóruns de debate;
• revisar as IG 20-13 para incluir normas que regulem a Gestão do Conhecimento no campo doutrinário e operacional do EB;
• institucionalizar a coleta, análise e difusão das lições aprendidas, sistematizando-as para que realimentem o processo de produção doutrinário;
• centralizar o destino das informações de interesse doutrinário coletadas pelos integrantes da Força e facilitar sua análise e difusão por esse único órgão, o mesmo que gerenciará todo o ciclo de produção doutrinária, e;
• os integrantes das equipes de produção dos manuais devem ser escolhidos por suas competências e não pelo local onde estão servindo. Sobre este último aspecto, aprofundemos um pouco mais nossas considerações.
A Gestão de passoas por competências na área de doutrina
Competência engloba o conhecimento real, a habilidade, a experiência, os julgamentos de valor e redes sociais. É o elo entre conhecimento e estratégia. Não pode ser copiada com exatidão, é transferida pela prática.
Segundo Idalberto Chiavenato9, gestão por competências é um programa sistematizado e desenvolvido no sentido de definir perfis profissionais que proporcionem maior produtividade e adequação ao negócio, identificando os pontos de excelência e os pontos de carência, suprindo lacunas e agregando conhecimento, tendo por base certos critérios objetivamente mensuráveis.
Partindo dessas definições, podem-se detectar três problemas no EB para realizar a Gestão de Pessoas por Competências, que produzem reflexos negativos para a produção doutrinária.
O primeiro é a ideia, contestada, mas ainda forte na cultura do EB, de que o militar deve possuir uma formação generalista e servir em áreas diferentes da organização. Com isso, dificilmente um oficial consegue ter elevado grau de competência em determinada função, possuindo, ao contrário, um conhecimento superficial e pouca experiência em várias frentes.
Seria muito importante que houvesse planos de carreira que permitissem que o militar realmente se especializasse naquela área do conhecimento e adquirisse a experiência servindo por mais tempo nessa área determinada ou escolhida por sua aptidão.
O segundo é a seleção do pessoal para realizar os diversos cursos ou missões no Brasil ou no exterior e sua posterior classificação em determinada função em seu retorno. Culturalmente, o EB encara essas missões como uma forma de valorizar o desempenho dos profissionais que se destacaram durante suas carreiras, o que não significa, necessariamente, que as suas aptidões e histórico profissional sejam levados em conta, muito menos que a melhor aplicação do conhecimento adquirido nessas missões esteja sendo visualizada, quando da seleção.
Por exemplo, é comum encontrar militares selecionados para serem instrutores de escolas no estrangeiro sem que tenham sido instrutores da escola congênere do EB. Outro exemplo é o de militares que, tendo aprendido as doutrinas em uso nos exércitos de países amigos, cursando diretamente uma das escolas desses exércitos – de Estado-Maior ou equivalentes –, são, depois do seu retorno, classificados para a área de finanças ou de comunicação social. Com isso, nem sempre temos os militares aplicando ou difundindo seus conhecimentos adquiridos. No EB, na verdade, a aprendizagem organizacional é prejudicada, pois, na maior parte das vezes, como todo o prêmio, aquela riqueza cultural é do militar que a recebeu e não do coletivo.
O terceiro problema é que a base de dados que contém as informações sobre o pessoal do EB, a do Departamento Geral de Pessoal10, não passa a quem precisa decidir tudo o que é necessário, pois, para se estabelecer a competência da pessoa em determinado assunto, é preciso saber que funções ela exerceu, por quanto tempo, quais foram os trabalhos acadêmicos por ela realizados, os artigos que escreveu, ou mesmo que assuntos ela domina– mesmo não constando como curso realizado –, além de suas experiências profissionais e pessoais naquele determinado domínio do conhecimento.
Hoje não se associam as funções às competências das pessoas. Para que se possam realizar trabalhos doutrinários com qualidade e confiabilidade, é preciso que o projeto seja realizado pelas pessoas mais competentes, que possuam o conhecimento, a experiência e a aptidão para isso.
Evoluindo a estrutura funcional para uma estrutura em rede
O tema central da Gestão do Conhecimento é aproveitar os recursos que já existem na organização para que as pessoas procurem, encontrem e empreguem as melhores práticas em vez de tentar criar algo que já está criado. Através da aprendizagem contínua, a organização exercita a sua competência e inteligência coletiva para responder ao seu ambiente interno (objetivos, metas, resultados) e externo (estratégia).
Criar-se, assim, uma organização que aprende e que gera conhecimento. O conhecimento que as pessoas produzem e a que têm acesso, uma vez digitalizado e disponibilizado na Internet, aumenta exponencialmente, produzindo uma explosão de novas ideias e fundamentando uma nova forma de gerar riqueza para a Força.
Atualmente, não há uma estrutura específica para tratar de Doutrina nem nos ODS, nem nos Cmdo Mil A. Esse fato acarreta uma impossibilidade de esses órgãos serem utilizados para participarem da Gestão do Conhecimento no EB. Os Estabelecimentos de Ensino, subordinados ao Departamento de Educação e Cultura do Exército11, são os únicos que possuem seções de Doutrina em sua organização e, por esse motivo, são os únicos órgãos que auxiliam na Gestão do Conhecimento, mesmo assim com restrições, pois suas missões são voltadas para atender as necessidades internas das Escolas.
O EB possui diversos militares no exterior, como adidos militares às Embaixadas, Instrutores e alunos em escolas militares dos mais diversos níveis e em missões de paz. Dentre eles, somente os adidos devem preencher um relatório de informações doutrinárias do exterior. Entretanto, essas informações, quando prestadas, são insuficientes e sem profundidade.
Os demais militares em missão no exterior só têm como obrigação elaborar um relatório por ocasião de seu término, quando retornam ao Brasil. Esse relatório tem assuntos de todas as áreas de interesse do EB e a doutrina é somente uma delas. Não há EEID específicos para cada um dos países ou para cada curso/missão realizado e, por isso, praticamente nada se aproveita desses relatórios.
Esses problemas podem ser atenuados com uma estrutura em rede, com cada órgão possuindo uma seção específica para a Doutrina, e os militares no exterior estabelecendo ligação direta com o órgão central do sistema responsável pela produção doutrinária. Esse, por sua vez, estabeleceria com antecedência os EEID específicos para cada missão e para cada órgão do sistema, visando a permitir que esses relatórios sejam feitos à medida que as informações forem sendo obtidas, e com possibilidade de serem bem mais úteis do que são, atualmente.
Identificando demandas e processos
Cumpre destacar que o processo de aprendizagem organizacional não se restringe a um mero sistema de informações, ou um data warehouse, uma intranet, uma atividade ou função, um serviço de informações, um mercado de pesquisa para fins específicos ou uma ferramenta de análise. Kirk M. W. Tyson12, defende adoção de uma ferramenta que viabilize a coleta, a análise e a disseminação (ou o compartilhamento) do conhecimento, de forma sistematizada. Para ele, isso é condição fundamental para que os usuários possam tomar ações adequadamente, considerando todo o conhecimento disponível.
Essa ferramenta deve contemplar (reunir) informações sobre funcionários, concorrentes, clientes, fornecedores, terceiros e alianças estratégicas, e incluir eventos econômicos, reguladores e políticos que tenham impacto sobre os negócios da empresa.
O que se visualiza hoje no EB, em todas as áreas, é uma necessidade urgente de:
• disseminar, compartilhar e incentivar a reutilização do conhecimento da instituição;
• tornar o processo decisório mais ágil e preciso;
• promover maior integração das equipes;
• eliminar (ou a menos reduzir) o retrabalho;
• aumentar a eficiência na estratégia de comunicação das novas ideias;
• promover a inovação em áreas com carências específicas, e;
• buscar a eficiência na gestão dos conteúdos.
Para conseguir responder a essas necessidades, é necessário desenvolver soluções que, ao mesmo tempo:
• empreguem tecnologias e metodologias específicas para incentivar a colaboração e o compartilhamento de ideias e conhecimentos;
• promovam a gestão do conhecimento baseada em um modelo no qual as responsabilidades sejam compartilhadas pelos diversos órgãos do EB;
• organizem a análise dos dados obtidos, de acordo com as estratégias e processos do EB, garantindo uma atualização constante,
• sejam ágeis na disseminação do conteúdo corporativo.
Na área de Doutrina, essa solução deve incluir ferramentas que garantam acesso franqueado a todos os integrantes do EB – e mesmo a civis com interesse nos temas da Defesa – que poderão se cadastrar para trocar experiências ou mesmo participar de trabalhos doutrinários. A facilidade de acesso deve alcançar os pontos mais extremos no Brasil e no exterior.
Para conseguir realizar todas essas exigências, a ferramenta deve estar disponível na Internet, possuir uma tecnologia que permita a Gestão Eletrônica de Documentos, permitir a montagem de um banco de dados para o cadastro dos dados de interesse para a doutrina das pessoas que se inscreverem e que permita que grupos de trabalho que realizem determinados projetos doutrinários coordenem seus trabalhos mesmo não estando fisicamente no mesmo local de trabalho, sendo todo o processo controlado automaticamente.
Existem diversas soluções de TI no mercado que possuem essas características.
O NOVO SIDOMT E AS SOLUÇÕES ADOTADAS
Com a velocidade da evolução tecnológica e das mudanças no ambiente operacional de hoje, a grande dificuldade é captar, com a necessária agilidade, as nuances doutrinárias contidas nas tendências que se nos apresentam. Além disso, no âmbito do Exército, o desafio é transformar o conhecimento tácito, que está na cabeça das pessoas, em conhecimento explícito – ou seja, em produtos doutrinários formalmente escritos e assimilados pela Força.
Desde novembro de 2012, o Exército Brasileiro passou a adotar o novo Sistema de Doutrina Militar Terrestre (SIDOMT). Como era de se esperar, ele surge com foco na busca pela gestão otimizada do conhecimento tácito que circula na Força e na agilização dos processos que permitem a atualização doutrinária.
A efetiva implantação do Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex) – como o órgão central do SIDOMT – torna ainda mais explícita as responsabilidades do EME quanto ao planejamento, estabelecimento de diretrizes, supervisão e controle da execução dos projetos doutrinários. Como parte da Governança Corporativa13 que o EME deve executar como Órgão de Direção Geral, a Governança da Doutrina do EB consolida-se sob o C Dout Ex14. Ou seja, todo o planejamento estratégico, a supervisão, a coordenação e o controle da Doutrina estarão centralizados.
Outros órgãos do EB poderão iniciar e gerenciar certos projetos, mas sempre a partir de planejamento coordenado pelo C Dout Ex. Para tanto, as novas Instruções Gerais15 normatizam a participação dos integrantes do EB nesse processo. Ademais, a criação de seções de doutrina e lições aprendidas nos ODS e nos Cmdo Mil A, tecnicamente vinculadas ao C Dout Ex, permitirá a necessária estruturação do SIDOMT em rede.
Uma excelente alternativa apresentada pelo novo SIDOMT para a solução de muitos problemas citados neste artigo. O SIDOMT adota a adequada priorização da busca por ideias inovadoras a partir de seu próprio universo de profissionais, ampliando a capacidade de gerar conhecimentos de interesse para a DMT.
Adicionalmente, essa solução traz a vantagem de diminuir a percepção de que há excessivo personalismo na produção doutrinária do EB.
Para ampliar o debate doutrinário, incluindo o maior número possível de profissionais que desejem participar da formulação doutrinária, foram criados o Portal do C Dout Ex na Internet e a “Doutrina Militar Terrestre em Revista”16. Ambos oferecem a oportunidade de participação de todos na produção de conhecimentos de interesse para a DMT. A responsabilidade de coletar as ideias, analisá-las e difundir as informações consideradas válidas será do órgão central, que administra as duas ferramentas.
A gradual operacionalização dessas soluções sem dúvida irá gerar um novo modelo de Gestão do Conhecimento Doutrinário do EB.
O SISTEMA SINAPSE
O Sistema para a Gestão do Conhecimento foi batizado de Sistema Integrador das Atividades de Pesquisa, Simulação e Experimentação – SINAPSE17. Ele é o novo modelo aplicado na concepção do SIDOMT, com a finalidade de melhorar a confiabilidade, a qualidade e a rapidez de atualização dos produtos da Doutrina Militar do Exército Brasileiro.
A escolha do nome foi feliz ao adotar o simbolismo da sinapse nervosa para destacar o trabalho em rede, em que cada órgão depende do outro, recebendo e difundindo conhecimento, de forma matricial. Isso é o que se deseja executar na Gestão do Conhecimento, como um contraponto ao sistema funcional que vigorou até o momento.
Adicionalmente, a sigla mostra a importância que será dada às atividades de pesquisa, simulação e experimentação, que terão seus processos de execução sensivelmente alterados.
O C Dout Ex buscará fazer uso de todas as oportunidades de absorção de conhecimento de interesse para a Doutrina gerada no âmbito da Força(e fora dela).
UMA ORGANIZAÇÃO QUE APRENDE
A pesquisa servirá de base para a elaboração, pois estará constantemente alimentando um banco de dados de conhecimentos adquiridos pela análise de uma equipe voltada para esse fim no C Dout Ex, seja dos trabalhos de integrantes do EB, seja por meio dos diversos relatórios existentes e já citados anteriormente, seja do trabalho sistemático dessa equipe que terá três frentes principais: a História Militar, o combate no futuro e materiais e sistemas de emprego militar. Em caso de um assunto totalmente novo, esta equipe emitirá EEID para os diversos militares no exterior e abrirá linhas de pesquisa para os trabalhos dos alunos/estagiários das Escolas Militares.
A fase de validação terá um papel importante, pois é nela que serão aplicadas a avaliação técnica e a experimentação, com vistas a certificar os produtos do projeto elaborado e permitir a correção de eventuais erros antes de o produto ser efetivamente utilizado por todo o EB. Cabe ressaltar que a simulação, enquadrada pela experimentação, nessa fase, tem o caráter de buscar um resultado bem próximo da realidade, para realmente comprovar que a nossa Doutrina será efetiva em caso de ativação de alguma das hipóteses de emprego do EB.
O acompanhamento doutrinário servirá para, após o produto ser validado na avaliação e aprovado pelo Chefe do EME, verificar como a doutrina está sendo empregada na prática, por meio do acompanhamento de exercícios no terreno, das operações de paz (como a do Haiti), das simulações de combate e das operações reais, como as da Força de Pacificação no Rio de Janeiro.
De todas essas atividades, pode-se também trazer as lições aprendidas e fazer com que se passe a rever a Doutrina em vigor.
As lições aprendidas das unidades do EB virão das atividades realizadas por elas no seu adestramento ou no emprego real; por meio de relatórios que devem ser enviados ao C Dout Ex obrigatoriamente após a execução dessas atividades. Entretanto devem-se acolher também as lições aprendidas individuais, os pontos de vista dos militares. Esses relatos individuais não serão compulsórios, mas são extremamente valiosos e, portanto, deverão ser estimulados por meio de ações já sugeridas neste artigo.
Será uma das principais fontes de informações, principalmente no nível de técnicas e procedimentos da pequena fração, isto é, até o nível pelotão.
A difusão da doutrina e das melhores práticas será feita pelo Portal do C Dout Ex. Os produtos doutrinários lá estarão disponíveis para consulta, sempre na sua versão mais atualizada, o que diminuirá consideravelmente os custos com a impressão e principalmente com a distribuição, além de garantir que sempre será consultado um produto atualizado.
A Gestão do Conhecimento não funciona sem mudanças culturais e gerenciais. O EB precisa dessa Gestão para não repetir os erros, particularmente em seu sistema de doutrina, pois a Organização deve “aprender com a experiência”, para registrar o conhecimento dos colaboradores, para registrar as melhores práticas e disponibilizar o conhecimento gerado na organização.
O FUTURO
O novo SIDOMT e o C Dout Ex representam um importante passo na efetiva transformação do Exército. Visualizamos grandes possibilidades para a produção doutrinária no EB, mas queremos destacar dois aspectos culturais de seus integrantes que ainda podem ser explorados.
São eles: a falta de hábito em transmitir conhecimentos por escrito e a busca pela valorização de seus trabalhos, com o correspondente reflexo em pontos que podem importantes para futuras promoções ou missões.
O estímulo para que sejam produzidos mais trabalhos escritos vem da possibilidade de considerar como trabalho útil aqueles que puderem ser aproveitados na formulação de doutrina. Já existe uma regulamentação quanto aos trabalhos úteis, mas estas normas devem ser adaptadas para abranger outras formas, como a participação de Grupos de Trabalho para elaboração de manuais, o envio de experiências que possam ser consideradas como melhores práticas e a produção de artigos de cunho doutrinário.
Outro aspecto a considerar é a formação dos quadros do EB. A sistemática adotada atualmente leva à formação de militares “generalistas” – que acabam por possuir conhecimentos sobre muitos assuntos, porém quase todos com pouca profundidade. A extensa gama de tecnologias e a amplitude das especializações dos dias atuais contraindicam que se tente ensinar um pouco de tudo a todos. Sugere-se que, após o ensino dos aspectos básicos necessários à formação de acesso à profissão das armas, a Força concentre esforços na qualificação de seus especialistas, em número suficiente para preencher os cargos existentes.
Um correto Gerenciamento de Pessoas por Competências é essencial para que isso ocorra.
Iniciativas como essas podem aprimorar a qualidade dos quadros do EB, produzindo profissionais com amplo domínio em suas respectivas áreas de atuação. E o capital intelectual desse universo de profissionais estará sendo adequadamente captado pelo C Dout Ex, para a atualização da DMT. Afinal, de que adiantaria uma organização composta por excelentes profissionais, com alto capital intelectual, se ela não dispusesse de um mínimo de estrutura para aprender com eles?
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Publicado Originalmente: DOUTRINA militar TERRESTRE e m r e v i s t a | Ano 001 | Edição 001 | Janeiro a Março / 2013 – Centro de Doutrina do Exército
Autor: O Cel JANSEN é o atual Subcomandante da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, no Rio de Janeiro. Entre os anos de 2009 e de 2012, serviu no Estado-Maior do Exército, tendo sido o gerente do projeto de implantação do Centro de Doutrina do Exército.
Além dos cursos normais da carreira militar, realizou o Curso da Escola de Guerra, em Paris/França. Possui o mestrado de Relações Internacionais pela Universidade de Paris e a pós-graduação em Governança Corporativa, pela Fundação Getúlio Vargas. Nesta, seu trabalho acadêmico, foi “A Nova Concepção da Gestão do Conhecimento para a Doutrina Militar do Exército Brasileiro: o Sistema SINAPSE”.