Leticia Sorg
Durante os protestos na Moldova e no Irã, em 2009, formou-se a ideia de que a internet favorecia protestos – e ameaçava governos ditatoriais. Ao fim das manifestações, descobriu-se, porém, que a rede tinha um papel e um poder menores do que se imaginava. As recentes manifestações no mundo árabe – organizadas, em parte, com a ajuda da web – e a queda dos governos da Tunísia e do Egito reabrem a questão da importância política da internet e colocam em xeque a visão de céticos como o jornalista bielo-russo Evgeny Morozov, autor do livro The net delusion: the dark side of internet freedom (A desilusão com a rede: o lado obscuro da liberdade na internet), lançado no mês passado. Na entrevista, Morozov reflete sobre as possibilidades – e os limites – do ativismo digital.
QUEM É
Evgeny Morozov nasceu em Soligorsk, Belarus, em 1984. Mora desde 2008 nos EUA, atualmente em Palo Alto, Califórnia, onde é pesquisador visitante na Universidade Stanford
O QUE ESCREVEU
O blog Net Effect, da revista Foreign Policy, e o livro The net delusion (2011)
– ÉPOCA – O senhor diz que a internet tem um poder limitado, que pode ser usado por governos ditatoriais. Os eventos no mundo árabe o fizeram mudar de opinião?
– Evgeny Morozov – Não muito. Os regimes fracos vão cair com ou sem a internet. Que ela tenha ajudado no caso do Egito e da Tunísia é ótimo – mas não devemos esquecer que os governos que caíram não eram exatamente peritos em controlar a internet. Hosni Mubarak nem baniu sites no Egito.
– ÉPOCA – A idade dos líderes mais ameaçados pelos protestos – Mubarak (82 anos), Ben Ali (74) e Khadafi (68) – explica a dificuldade de lidar com a internet?
– Morozov – Certamente ajuda ter líderes mais jovens, com uma relação mais próxima com a tecnologia, como a Rússia e a China – o presidente russo, Dmitri Medvedev, tem Twitter, blog, grava vídeo e podcast. A inabilidade de Tunísia, Egito e Líbia em dominar a internet não tem a ver com a idade de seus líderes, mas com a natureza de seus regimes: eles não se adaptaram à globalização – e isso incluiu ignorar o poder da internet. Isso explica por que os egípcios foram tão ineptos em controlar os grupos anti-Mubarak no Facebook. Eles não poderiam imaginar a rede como dissidência. Estamos lidando com situações completamente diferentes na Rússia ou na China, onde os regimes são mais modernos, globalizados e adeptos do controle. Se houvesse um grupo semelhante na China, as autoridades estariam monitorando desde o primeiro dia – e não duraria muito. No Egito, ele sobreviveu por sete meses, ajudando a levar as pessoas para as ruas.
– ÉPOCA – O senhor diria que os protestos foram fomentados pela internet?
– Morozov – Dizer que os protestos foram “fomentados” pela internet é como dizer que a Revolução Bolchevique de 1917 foi fomentada pelo telégrafo. Revoluções são eventos complexos que dificilmente podem ser reduzidos a uma só causa, ainda mais tecnológica. Da história sabemos que os revolucionários se aproveitarão de quaisquer meios de comunicação à disposição. É normal ver certo nível de atividade nas mídias sociais numa revolução que aconteça nos dias de hoje: o que mais esperaríamos quando há tantas pessoas on-line? Porém, argumentar que a internet seja o condutor ou a causa dos protestos me parece absurdo. Graças à internet regimes fracos que estão fadados à morte vão morrer mais rápido, mas é possível que regimes fortes vão usar a internet para se tornar ainda mais fortes.
– ÉPOCA – O senhor diz que a internet facilita a tarefa das ditaduras de vigiar a oposição. Será que a oposição não vai aprender a burlar essa vigilância?
– Morozov – Espero que isso aconteça – mas, enquanto não acontece, gostaria de pressionar os governos e as empresas ocidentais a mudar suas políticas para facilitar o “esconderijo”. Enquanto houver empresas americanas e europeias vendendo toda a tecnologia que os ditadores usam para monitorar os dissidentes, acho difícil que os dissidentes vençam. Além disso, precisamos distinguir entre ativistas “profissionais” e “ocasionais”. Aqueles que praticam a dissidência no dia a dia estão mais cientes dos riscos que correm e sabem os pontos fracos das mídias sociais. Não tenho certeza se o mesmo acontece com os “ativistas ocasionais” – aqueles que se juntam a um grupo no Facebook porque seus amigos estão lá ou que repassam uma mensagem no Twitter.
Há uma tendência de pensar que a internet pode tornar o desafiante tão poderoso quanto o favorito. Eu não compro essa ideia
– ÉPOCA – Os protestos no Egito não têm uma liderança. A internet será capaz de formar um líder?
– Morozov – A web tem um grande poder de marcar as coisas. Seria fácil estabelecer a reputação de um líder usando ferramentas on-line. Mas é bom lembrar que no Egito 20% da população tem acesso à internet. Não é possível esperar que líderes digitais sejam naturalmente aceitos por todos.
– ÉPOCA – Qual será o papel da juventude no poder depois da queda dos ditadores?
– Morozov – É muito cedo para dizer. Certamente os novos governos democráticos do Egito e da Tunísia vão querer demonstrar disposição para ouvir os jovens, ao menos porque eles derrubaram o governo anterior. Podemos, então, esperar nomeações simbólicas de blogueiros como ministros, como aconteceu na Tunísia, por exemplo. Se isso vai mudar a forma como os governos tratam os jovens? Espero que sim. Mas, novamente, é uma mudança motivada pela demografia, não pela internet.
– ÉPOCA – Que regime usa a internet com mais eficiência? Ela pode ser tão poderosa como propaganda para os ativistas?
– Morozov – A China realmente dominou essa tecnologia: sempre que um blogueiro descobre qualquer escândalo, o governo não censura imediatamente. Em vez disso, usa blogueiros pró-governo (disfarçados de “vozes do povo”) para conter a crise. Há uma tendência, nos círculos tecnológicos, de pensar que a internet pode tornar o desafiante tão poderoso quanto o favorito, que nivela o campo de jogo. Eu não compro essa ideia. Em muitos Estados autoritários, os regimes têm um controle muito melhor da mídia tradicional e usam-no para dar destaque a seus blogueiros favoritos. A Rússia chega a dar programas na TV a alguns deles. Enquanto os governos puderem investir mais nesse novo jogo de mídia, provavelmente terão mais benefícios.
– ÉPOCA – O senhor nasceu na Belarus, considerada a última ditadura europeia. Essa experiência não limitou sua visão sobre o impacto da internet na política?
– Morozov – Diria que enriqueceu! Crescer em um Estado autoritário e comparar minha experiência com o que aprendi sobre autoritarismo na literatura acadêmica ocidental e na imprensa popular me convenceu que há graves limitações de como esses regimes são imaginados no Ocidente. Há uma tendência de ver todos os ditadores como ludistas burros que não querem lutar pela sobrevivência e todos os cidadãos como equivalentes de Andrei Sakharov (Nobel da Paz por defender os direitos humanos na ex-União Soviética). Acham que a primeira coisa que esses cidadãos fazem ao se conectar é navegar pelos relatórios mais recentes sobre direitos humanos. Dada a confusão de muitos observadores ocidentais sobre os Estados autoritários, não é surpreendente que eles não entendam direito qual é o papel da internet.