Com fim de greve na Guiana, Brasil deve lançar satélite

Pablo Pereira, Kourou E Andrei Netto

Uma crise social e política na Guiana Francesa, com greve geral, bloqueio de estradas e de atividades econômicas e de abastecimento, e até fechamento temporário do aeroporto da capital, Caiena, impede o Brasil desde o dia 21 de março de enviar ao espaço um foguete com satélites, em um projeto de R$ 2,8 bilhões. Um acordo recente entre manifestantes e o governo francês permitiu remarcar o lançamento para 4 de maio.

Por enquanto, o primeiro Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) permanece no chão, em Kourou, a 70 quilômetros da capital do departamento francês na América do Sul. Um comunicado da Arianespace, empresa dona do veículo lançador, que tem na carteira mais de 550 satélites colocados no espaço desde sua criação em 1980, alegou falta de condições mínimas para operar a base.

O movimento grevista, puxado pelo grupo local nacionalista Pou Lagwiyann dékolé (Para a Guiana decolar), forte militância liderada por pelo menos 500 encapuzados vestidos de preto, os “500 Irmãos”, chegou até a ter um grupo de 30 militantes ocupando por 24 horas uma sala do Centro Espacial. Isso adiou também o lançamento de um satélite menor, da Koreasat, da Coreia do Sul, que seria levado com o SGDC brasileiro pelo foguete Ariane 5 no Flight VA 236.

No sábado, o governo da França e os grevistas assinaram um acordo em torno de um “plano de emergência” de um total de € 1,1 bilhão em investimentos nos próximos dez anos para atender às reivindicações da população local. O Palácio do Eliseu se comprometeu também a analisar o pedido de outros € 2 bilhões em investimentos.

O movimento grevista pedia mais investimento na luta contra a insegurança, pelo desenvolvimento das cidades do território, em especial em infraestruturas como água, energia elétrica, serviços de saúde e educação. Entre as medidas anunciadas estão um novo centro médico-cirúrgico, uma estrutura de polícia ampliada e a cessão de terras – 650 mil hectares ao todo – às administrações municiais e regionais do território.

Para Olivier Goudet, um dos membros do Movimento dos 500 Irmãos, que liderou os protestos, o acordo terá curta validade. “Uma vez que o próximo governo tome posse, desde o primeiro dia nós vamos entrar em ação”, garantiu. “O Estado nos deve € 7 bilhões, e não € 2 bilhões.”

Avanço. A colocação do SGDC na órbita da Terra amplia a oferta de banda larga (internet em alta velocidade) no País e permite que as Forças Armadas brasileiras obtenham a soberania no controle de seus sistemas de comunicações e monitoramento de fronteiras, por exemplo. Atualmente, a Defesa nacional compra acesso a canais de satélite de companhias estrangeiras. Com esse satélite em órbita, as comunicações desses órgãos públicos migram para os canais do SGDC.

O equipamento espacial é parte do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), planejado pelo governo brasileiro em 2010. Em 2012, o governo federal pensava em popularizar a internet distribuindo planos de 1 Mbps (Megabite por segundo) a preço de R$ 35 mensais. O satélite brasileiro começou a tomar forma em 2013 com investimento inicial previsto de R$ 2,1 bilhões. O valor atualizado está em R$ 2,784 bilhões, dos quais o Brasil já pagou R$ 2,060 bilhões. O restante, cerca de R$ 724 milhões, deve ser pago até 2019. Em março, segundo informações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o governo informava que o País já havia desembolsado, somente no governo Temer, R$ 495 milhões com o projeto.

O SGDC tem 7,1 metros de altura e pesa 5.735 quilos. O foguete francês o levará até uma distância aproximada de 250 quilômetros. Aos 28m11s do momento do lançamento, segundo a contagem oficial dos técnicos franceses, o satélite será desacoplado para seguir viagem por mais 10 dias, navegando em círculos, até a órbita de permanência, a 35.926 quilômetros da superfície terrestre. Ao alcançar a posição geoestacionária, o equipamento entrará na fase dos testes por um período de dois meses.

“O lançamento do SGDC é um marco para o Brasil”, disse o presidente da Visiona Tecnologia Espacial, Eduardo Bonini, responsável pela gestão e integração do projeto do satélite. Segundo Bonini, o prazo previsto de entrega (setembro de 2016) e o cronograma para a janela de lançamento, aberta agora em Kourou, também seguiu o planejamento do SGDC.

Internet rápida. Construído na França, o satélite é produto de uma parceria da Visiona, criada para o projeto pela Embraer (51%) e Telebrás (49%), em contrato com a companhia franco-italiana Thales Alenia Space, construtora do equipamento em Cannes. O SGDC vai oferecer 57 transponders de banda ka, de uso comercial, e 5 canais de banda X, para uso militar. Com a traquitana no espaço, a Telebrás terá capacidade para transmissão de até 57 Gbps (Gigabytes por segundo), atendendo a demandas de comunicação e internet rápida em rincões como comunidades da Amazônia ao sertão nordestino e pampa gaúcho. O controle em Terra será feito por dois centros espaciais, um no Rio e outro em Brasília, e mais 5 estações da Telebrás.

Um plano de negócios para o potencial alargamento da oferta de internet rápida está em andamento na Telebrás. O governo quer vender de lotes de banda larga para empresas no segundo semestre. A Telebrás já tem o mapeamento dos locais de construção de uma malha de antenas para faturar com a novidade que virá do espaço. No Congresso, a oposição se mobiliza contra o plano da Telebras, criticando a comercialização dos lotes.

“O SGDC é um fato histórico para o Brasil", afirmou o presidente da Telebrás, Antonio Loss, que em março acompanhou uma comitiva do governo brasileiro que esteve em Kourou, quando o lançamento foi adiado a primeira vez por causa da greve que bloqueou o acesso à base espacial e obrigou a transferência do lançamento pelos técnicos do Ariane 5. Será o 287º lançamento feito pelos foguetes da Arianespace.

Tecnologia. "Parado" no espaço, o SGDC vai seguir o Brasil na mesma velocidade da rotação do Planeta com as antenas ligadas 24 horas sobre a área de cobertura – por 18 anos. Segundo cientistas brasileiros do projeto, este é um dos avanços da participação dos engenheiros nacionais na construção do SGDC. Foi um dos técnicos brasileiros quem fez os cálculos de redução de massa e aumento de capacidade de combustível e encontrou a maneira de prolongar a vida útil do equipamento no espaço, prevista inicialmente em 15 anos, acrescentando três anos de funcionamento.

“É como se você iluminasse uma área do globo com a luz de uma lanterna”, explicou o presidente da Telebrás. Um primeiro "facho", a banda ka, cobrirá a superfície brasileira proporcionando acesso à internet e facilitando programas de comunicações entre órgãos do governo. Os Ministérios da Saúde e da Educação têm projetos de integração nacional de escolas e postos de saúde. Com o SGDC em órbita, o Brasil poderá enxergar de alto a baixo a faixa de fronteiras brasileiras, devendo cobrir até as águas territoriais além da Ilha da Trindade, a mais distante da costa, a cerca de 1.400 quilômetros do Espírito Santo.

O segundo "facho" de cobertura, mais amplo, será usado pelo Ministério da Defesa (a banda X). Com comunicação criptografada, as antenas cobrem todo o Continente Sul-Americano, do Atlântico ao Pacífico, de cima a baixo. O projeto inicial, que começou no governo Dilma Rousseff, é uma parceria do Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovação e Ministério da Defesa, contratantes da Visiona para a prestação do serviço.

De acordo com técnicos, toda a comunicação governamental (civil e militar) será transferida para dentro do sistema SGDC. Quando não prestar mais para nada, lá por 2035, o satélite ainda terá forças para subir no céu para além da órbita dos 100 mil quilômetros, onde ficará girando para sempre no lixão das tralhas espaciais.

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