Lixão circunda a Terra


Frederico Goulart


Durante alguns minutos, espectadores de todo o mundo prenderam a respiração ao ver Sandra Bullock e George Clooney perdidos no espaço tentando escapar de uma avalanche descontrolada de detritos espaciais. A agonia retratada no filme "Gravidade", sucesso de público e crítica lançado no final do ano passado, não está restrita à ficção. O debate a respeito do crescente acúmulo desses dejetos – algo que põe em risco a vida de astronautas e o funcionamento de satélites – joga luz sobre a ausência de uma regulamentação que coloque freio na ocupação irresponsável do espaço.

Restos de foguetes, satélites antigos e ferramentas deixadas para trás pelos astronautas são os vestígios de quase cinco mil lançamentos desde o início da era espacial, segundo estimativas das agências espaciais americana (Nasa) e Europeia (ESA). Atualmente, há mais de 23 mil fragmentos de lixo com tamanho superior a 10 centímetros, a maioria em órbitas baixas (menos de dois mil quilômetros de distância da Terra), a velocidades que podem chegar a 30 mil km/h.

No começo deste mês, uma audiência na Câmara dos Deputados dos EUA intitulada "Gestão do Tráfego Espacial: Como impedir o 'Gravidade' da vida real" advertiu que as atividades espaciais – incluindo as viagens humanas e as operações de satélite – se tornarão cada vez mais perigosas se novas regras não forem postas em prática. A discussão foi uma iniciativa da Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês), que solicitou às autoridades controladoras de satélites comerciais medidas efetivas para evitar colisões. Atualmente, nenhuma agência detém tal autoridade.

Apelos por controle após colisões

Na visão de José Monserrat Filho, vice-presidente da Associação Brasileira de Direto Aeronáutico e Espacial (SBDA) e chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB), o único órgão capaz de realizar essa mediação é a Organização das Nações Unidas (ONU). Ele lembra que, em 2008, o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (COPUOS) aprovou uma diretriz em favor da redução da quantidade de detritos.

– Ocorre que não se trata de um documento obrigatório. Seu cumprimento é voluntário. No entanto, são itens específicos que procuram ordenar um assunto hoje sem orientação internacional. Entre as regras estão a limitação dos dejetos liberados, a minimização das desintegrações durante as fases operacionais, a limitação dos riscos de colisão e a proibição de destruição intencional de satélites – explica o especialista.

Segundo ele, a posição brasileira sobre o tema é que a orientação da ONU se transforme em um documento internacional obrigatório, apoiado pelo maior número de países e com mais força punitiva.

Dois eventos impulsionaram os apelos por novos controles sobre os dejetos perdidos no espaço. Em 2007, a explosão voluntária de um satélite meteorológico chinês causou a criação de milhares de pedaços de detritos. Dois anos depois, no que é conhecido como a colisão Iridium-Kosmos, um satélite privado dos EUA se chocou contra um satélite russo extinto. O resultado foi a maior criação única de detritos espaciais da história, com a geração de cerca de dois mil objetos. Outro exemplo intrigante é o do satélite Envisat, que estava em operação desde 2002, mas perdeu contato em 2012, transformando-se numa parafernália de 8 toneladas vagando sem rumo.

Segundo o professor de física espacial da Universidade de Brasília (UnB) José Leonardo Ferreira, o risco representado por objetos menores também se mostra gigantesco.

– Em órbita, eles estão a uma velocidade de 28 a 30 mil km/h. Isso permite, por exemplo, que satélites em atividade sejam avariados. É uma preocupação, especialmente em função do acúmulo. Tudo o que existe lá foi depositado desde o início da corrida espacial, em 1957. O grande problema é que mecanismos que permitem mais segurança exigem grandes custos – observa.

Em abril do ano passado, cerca de 350 especialistas internacionais e atores da indústria espacial se reuniram na cidade de Darmstadt, na Alemanha, na 6ª Conferência Europeia sobre Lixo Espacial. Da reunião, concluiu-se que é preciso agir rapidamente, para que novas órbitas não sejam contaminadas.

O encontro apresentou estudos que apontam que as zonas mais afetadas são as órbitas polares situadas entre 800 e 1.200 km de altitude – áreas onde se concentram vários satélites de observação. Se os lançamentos continuarem no ritmo atual e nada for feito para reduzir a quantidade de resíduos espaciais, o risco de colisão pode ser multiplicado por 25, segundo projeções das agências espaciais.

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