Rodrigo Craveiro
A descoberta de 2t de uma carga de minério que conteria urânio — no centro de La Paz — terminou com prisões, além de deflagrar boatos sobre a procedência e o destino do material. Javier Monasterios, promotor da Força Especial da Luta contra o Crime (FELCC), decidiu processar seis pessoas, sob a acusação de “atentado à saúde”. “Nós estamos manejando o material como se fosse urânio, mas a investigação está na etapa inicial e os primeiros resultados serão conhecidos amanhã (hoje)”, admitiu Monasterios ao Correio, por telefone. De acordo com ele, o produto estava dentro de sacos de juta, na garagem do Edifício Illimani, no bairro de Sopocachi, a 500m da embaixada brasileira. O vice-ministro do Interior, Jorge Pérez, afirmou anteontem que “o urânio pode proceder do Brasil ou de outro país vizinho, e provavelmente seguiria para o Chile”.
Na capital boliviana, rumores ligavam o Irã à carga. Em 2009, o site WikiLeaks divulgou um documento da Embaixada dos EUA, em Lima, que mencionava a preocupação da Casa Branca com o fato de Teerã buscar urânio na Bolívia e na Venezuela. Na mesma época, um memorando secreto do governo israelense acusava: “A Bolívia abastece o Irã com urânio”. O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, estreitou os laços com a Venezuela e a Bolívia — há quatro anos, abriu sua embaixada em La Paz. Amostras do material rochoso encontrado na capital boliviana são analisadas pelo Serviço Nacional de Geologia e Técnico de Minas (Seregeotecmin) e pelo Instituto Tecnológico Nuclear da Bolívia. “Vamos determinar qual foi a participação de cada um dos suspeitos no transporte. Segundo os detidos, uma sétima pessoa teria abandonado a carga”, explicou Monasterios.
No fim da tarde de ontem, Héctor Córdova — presidente da estatal Corporación Minera Bolivia — negou tratar-se de urânio radioativo, com base nas medições iniciais. “Em um primeiro momento, pensou-se que era mineral que continha urânio. Isso foi descartado rapidamente, pelo menos como urânio radioativo”, declarou. Na véspera, o vice-ministro do Interior, Jorge Pérez, tinha classificado o material de “altamente radioativo” e revelou que ele era usado na “construção de armas nucleares”. Córdova suspeita tratar-se de tantálio, a matéria-prima de celulares.
O jornal La Razón divulgou que o setor de inteligência da FELCC chegou ao carregamento depois de rastrear anúncios em jornais, por meio dos quais se oferecia yellow cake — a base do refinamento do urânio. Disfarçado de comprador, um policial negociou o material e pagou um sinal de US$ 160 mil.
Forma natural
O físico norte-americano George M. Moore, especialista do Instituto Monterey de Estudos Internacionais (Califórnia), disse ao Correio que, caso a substância apreendida seja urânio, ela provavelmente estaria na forma de minério. “O urânio ainda não teria sido concentrado em yellow cake e seria urânio 235, natural. Isto é, não enriquecido. O minério não representa risco à saúde, se manejado adequadamente”, explicou. Moore contou ter conhecimento de relatórios segundo os quais o Irã tem interesse em extrair urânio da Bolívia.
Por sua vez, o geólogo cubano Victor Sardiña acredita que o governo boliviano enviou um sinal de que não deseja se envolver publicamente com uma atividade considerada ilícita pela comunidade internacional. “Há registros de ofertas de financiamento, por parte de outros países, para o fomento da exploração e da introspecção de jazidas de urânio na Bolívia”, lembrou à reportagem.
Substância perigosa
O urânio empobrecido possui uma densidade mais alta que a do chumbo. Pulverizado por uma explosão, pode contaminar o meio ambiente. Apesar de não ser tão letal quanto a forma enriquecida, tem o potencial de causar câncer de pulmão, se inalado. Por se tratar de um metal pesado, também pode provocar transtornos renais e cognitivos. Enriquecido a 20%, é utilizado na produção de energia. O processamento com 90% de pureza o torna apto a ser empregado na fabricação de armas nucleares.