A 290 km, em linha reta, da praia da Barra da Tijuca, no Rio, centenas de pessoas trabalham em estruturas gigantescas de metal, no meio do oceano, para extrair petróleo a até sete mil metros de profundidade, na chamada camada do pré-sal. Em uma hora de viagem de helicóptero a partir da praia é possível avistar as chamas da primeira plataforma. Avançando um pouco mais, em minutos, aparecem outras cinco, enfileiradas uma atrás da outra, desenhando o campo de Lula, o primeiro no pré-sal e, hoje, o que mais produz petróleo no País.
A Petrobrás nunca ganhou tanto dinheiro produzindo petróleo e gás como agora, com o pré-sal. A empresa lucrou R$ 35,7 bilhões com a exploração e produção nos primeiros nove meses do ano passado, segundo sua última demonstração contábil divulgada. No mesmo período de 2008, quando o présal ainda não tinha escala comercial, o lucro da área de exploração e produção da companhia foi menor, de R$ 31,7 bilhões, mesmo com o petróleo valendo quase o dobro do que vale agora.
A estatal está conseguindo ganhar mais, num cenário menos favorável, por conta dos baixos custos dos reservatórios do pré-sal, de onde são extraídos grandes volumes de petróleo de boa qualidade. O barril produzido na região custa US$ 7 à petroleira, enquanto na média dos seus campos sai a US$ 11.
“Tem sempre alguém que me pergunta se esse negócio de pré-sal é verdade mesmo. É igual ir à Lua, tem gente que não acredita”, brinca Rafael Leone, de 36 anos, 12 deles na Petrobrás, que, do escritório da empresa no centro do Rio, responde pelo planejamento das operações na região. Ele acompanhou a equipe de reportagem numa visita à plataforma P-66, o carro-chefe do pré-sal, uma das apostas mundiais de toda indústria petroleira.
A Petrobrás e companhias privadas extraem diariamente 1,5 milhão de barris de petróleo e 58 milhões de metros cúbicos de gás natural do pré-sal, o equivalente a 55% da produção nacional. No fim do ano passado, mais da metade do petróleo nacional já saía desse que é o território nacional mais profundo já alcançado pela tecnologia.
Ultrapassar 2 km de massa de água, mais 1 km de rocha e outros 2 km de camada de sal para só então atingir o pré-sal, que tem, em média, 2 km de espessura, era, realmente, quase tão complexa quanto chegar à Lua. “O grande desafio foi desenvolver uma tecnologia para passar pelo sal, que não é uma rocha comum”, contou o gerente da P-66, Luciano Mares, de 49 anos, 17 deles na Petrobrás.
Por dentro. Todo esse processo de grande complexidade exige muita energia elétrica, o mesmo volume consumido, por exemplo, na cidade de Vitória (ES). Por isso, além dos equipamentos relacionados à produção de petróleo, numa plataforma de pré-sal ainda há usinas térmicas de grande capacidade.
Numa unidade industrial com essas dimensões, o cenário é de um emaranhado de tubos e grandes estruturas de metal cercados de água por todos os lados. Numa das extremidades da embarcação, por uma imensa torre, sai uma labareda. É o flair, usado para queimar restos de gás.
Paramentado com o tradicional macacão laranja, capacete, pesadas botas de borracha, tampões de ouvido, luvas e óculos, o visitante tem como primeiro desafio sobreviver ao calor. O segundo é assistir a todos os vídeos e ultrapassar a fase de avisos de segurança.
Nos corredores da área de produção da maior plataforma do pré-sal, ninguém transita ou manuseia os equipamentos. Ninguém faz força para tirar o petróleo a 9 km de profundidade. Vez ou outra até passa um petroleiro, o que não muda em nada a sensação de opressão em meio às máquinas gigantescas. Na P66, também não se vê uma gota de petróleo. Toda produção circula por tubos e, mesmo para despachá-la para o navio que irá transportá-la até a superfície, são usadas enormes mangueiras laranjas devidamente vedadas para evitar vazamentos.
Os operadores da plataforma, meia dúzia de pessoas, ficam numa sala de controle, de onde, sentados, no ar-condicionado, monitoram por grandes telas e computadores o funcionamento da embarcação e unidades produtivas. Assim, como acontece com os 150 profissionais que compõem a tripulação, essa equipe se reveza entre o turno da manhã e da noite. Portanto, há, em média, 75 pessoas ativas na plataforma diariamente, a maior parte envolvida em atividades de manutenção, navegação e administrativas.
“A plataforma P-66 tem um grau de automação, em termo de avanços tecnológicos e equipamentos, elevado. Mas não é autônoma. Ela necessita de operação humana”, afirmou Clélio Vinícius de Sousa, responsável pela operação da P-66. “Nosso trabalho aqui servirá de alavanca para desenvolver outros processos”, diz o engenheiro, com um tom de orgulho quase tão repetitivo na plataforma quanto os avisos de segurança.
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TÉCNICA DA ESTATAL CRUZA PAÍS PARA
EMBARCAR NA P-66
Tamar mora em Manaus e viaja ao Rio todo o mês para trabalhar 2 semanas
A técnica em Segurança do Trabalho Tamar Xavier, de 40 anos, escolheu uma vida de confinamento de duas semanas todo o mês em uma plataforma marítima, porque queria “conhecer a Petrobrás que aparece na revista e na TV”. Há pouco mais de um ano decidiu se candidatar a trabalhar no pré-sal. Sua rotina passou, então, a incluir atravessar o País de avião por quase quatro horas, de Manaus (AM) até o Rio de Janeiro (RJ), para chegar ao trabalho. O último dos 21 dias de folga ela passa num hotel da capital fluminense, de onde, de helicóptero, ainda voa por mais uma hora até a plataforma P-66.
“É um desafio, uma aventura e uma coisa muito gratificante, porque o pré-sal é o futuro da Petrobrás, é o futuro do Brasil, representa muito. É um orgulho grande trabalhar aqui”, diz Tamar. Ela relata ainda que, para manter o equilíbrio da vida pessoal com a profissional faz “malabarismos”. “Não é fácil, não é simples. Todo mundo que trabalha aqui sabe disso. É um desafio sempre, a cada embarque. Mas tenho conseguido.”
Tamar, que trabalha na Petrobrás há 14 anos, estava acostumada ao regime de embarque, mas em terra. Ela tinha curiosidade de experimentar a vida numa plataforma marítima. “Quando surgiu a oportunidade, eu não pensei duas vezes.”
O orgulho de participar do projeto “pré-sal” é compartilhado pelos trabalhadores da Petrobrás. O coordenador de produção da P-66, Osvino Koch Júnior, brinca, porém, que “a melhor coisa do embarque é o desembarque”. “É uma sensação muito boa chegar em casa. Principalmente, quando o embarque foi mais puxado e você desembarca com a sensação de dever cumprido. Você tem um descanso razoável com sua família que pode compensar o tempo ausente.”
Tecnologia. A maior parte da sua carreira de uma década na estatal Koch passou no pré-sal. Por conta da complexidade tecnológica da P-66, sua percepção é que a experiência na plataforma vai capacitá-lo a atuar em qualquer embarcação de extração de petróleo. Segundo ele, a comida (na plataforma) “é boa”. “A gente consegue dormir bem. É uma família. Confinamento parece sinônimo de prisão, mas não é assim.”
Um dia de trabalho na P-66 se divide em cargas horárias elevadas, de mais de 12 horas dependendo da função, passagens numa pequena sala de jogos e instrumentos musicais, conversas a distância via internet e sono. O celular é lacrado no aeroporto, ainda no Rio, e só pode ser acessado novamente no retorno. Para entrar nas redes sociais, só por computadores e tablets. Carreira. Tamar está há 14 anos na Petrobrás
Na P-66, o ambiente é predominantemente masculino, mas, para Tamar, uma das poucas mulheres embarcadas na plataforma, esse é só mais um dos desafios do seu trabalho. “Os homens, pela própria personalidade, são bastante impositivos. A gente (mulher) busca ter a mesma postura. No geral, são todos muito educados”, conta ela, que de volta à casa, em Manaus, em suas três semanas de folga, gosta de manter o espírito de aventura que afirmou ter optado em sua vida profissional. Quando não está confinada, ela pratica esportes radicais, como a escalada de montanhas./