Segurança: O caos pela omissão governamental do RS

André Luís Woloszyn
Diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra,
Mestre em Direito e Especialista em Ciências Penais,
membro do Núcleo de Estudos de Segurança e
Defesa da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
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“Um bem combinado plano de segurança pública interessa tanto mais, quanto as contínuas oscilações no período de quatro anos, que tem levado os espíritos a um estado de exaltação perigosa, que facilmente os pode arrastar, tornando-os cúmplices. A tarefa mais nobre da polícia é prevenir crimes, assim como a justiça têm na sua mão os meios eficazes de punir os crimes quando cometidos. Uma polícia vigilante acorda os ousados, amedronta os tímidos e diminui o número de delinquentes ao passo que assegura a tranquilidade pública. Por isso, deve procurar ligar-se a todos os diversos objetos que poderão ministrar à polícia dados seguros para então obrar com prudência e acerto em matéria tão importante.”

Na atualidade esse texto nos parece óbvio  mas não o era quando foi escrito em 1835, em Portugal, no reinado de D. João VI, que trata da Polícia do reino e do Plano Geral de Segurança Pública. Segundo essa narrativa, vale dizer que há dois séculos, já se tinha a percepção sobre a relevância das instituições policiais e de seu papel no mantenimento da segurança e da tranquilidade públicas.

Todavia, a contrário sensu, no Rio Grande do Sul, em especial, esse dogma parece ter tido pouca relevância para as autoridades públicas.  O trato da questão vem sendo negligenciado ha décadas, por sucessivos governos, fator que retira, gradualmente, da polícia ostensiva a capacidade de uma polícia vigilante assim como a possibilidade  de um planejamento mais eficiente do emprego da força policial. Resta a ela, a tarefa de resolver, timidamente, uma crescente demanda de problemas pontuais periféricos ao problema central.

Utilizo a expressão “periféricos” pois o fato central não citado e que, presumo ser  confidencial, mas que deveria ser encarado como um sério problema em tempos de crise, é o desmantelamento da polícia ostensiva em sua estrutura, efetivos, doutrina e treinamento,  sem falar nos vencimentos não condizentes com a importância e o risco do exercício diário da atividade policial. A teoria dominante até o momento, de se fazer mais com menos, absolutamente não funciona nessa área específica, seguindo uma tendência inversa de crescimento da densidade demográfica enquanto se reduz o efetivo policial. Os efeitos dessa irracionalidade já não podem ser minimizados ou mantidos em segredo assim como o estado deplorável em que se encontram as polícias.  

Se for assim, a insegurança pública alcançará índices ainda maiores com efeitos devastadores para a sociedade gaúcha que anseia por um milagre da Força Nacional enquanto a violência, especialmente os crimes de latrocínio e homicídios avançam.  Nessa conjuntura, a crítica a tudo e a todos e a espera por auxílio externo não irá resolver o problema. Falta, basicamente, uma ação governamental concreta, enérgica, emergencial e de consenso, além de políticas públicas para o setor.

A situação é tão calamitosa que, enquanto a omissão do governo e das autoridades, partiu das próprias organizações criminosas gaúchas a iniciativa de reduzir a violência proibindo a prática da vingança contra as famílias de integrantes de facções rivais numa espécie de pacto ético. O que equivale a dizer que até os criminosos reconhecem o estado de barbárie vigente.

É preciso dizer, que o sucateamento das instituições policiais caminha paralelamente a todo um sistema de segurança pública falido, que já não atende a sua finalidade constitucional, o que contribui em muito para o incômodo status quo da capital dos gaúchos em figurar na 37ª posição do rancking das 50 cidades mais violentas do mundo (dados referentes ao ano de 2014) segundo pesquisa realizada pela ONG mexicana Conselho de Cidadão Para a Segurança Pública e Justiça Criminal. Esta posição deverá piorar ainda mais quando forem considerados os dados de 2015-2016 com uma estimativa de 24ª colocação.

A consequência de todo este quadro não poderia ser diferente, manifestada por uma situação insustentável para a população em geral que perde parcela de sua liberdade pelo medo da vitimização, face às assustadoras estatísticas que se aproximam do cidadão com grande rapidez. Vale destacar, que de forma indiscriminada e com o caráter de imprevisibilidade e anomia, características doutrinárias do terrorismo que, por esses mesmos motivos, impõe medo nos cidadãos.  

Neste particular, se pode afirmar que o estado tem rompido com o que advoga Thomas Hobbes em sua teoria clássica da ciência política. O pensamento hobbesiano apregoa, dentre outros,  que “ se os homens almejam a paz, devem seguir a razão para estabelecer um pacto social, aceitando abrir mão de parte de sua liberdade, entregando-a ao soberano revestido de todo o poder e força, que terá a incumbência da garantir a vida de todos os homens”. Embora o contraponto de John Locke a essa teoria, no caso concreto, não se tem liberdade, tampouco segurança.
 
Referências:

Conselho de Cidadãos Para a Segurança Pública e Justiça Criminal, Disponível em: http://www.seguridadjusticiaypaz.org.mx/sala-de-prensa/1165-por-cuarto-ano-consecutivo-san-pedro-sula-es-la-ciudad-mas-violenta-del-mundo. Acesso em 28.09.2016.

GOUVÊA, João Candido Baptista, Policia secreta dos últimos tempos do reinado do senhor d.joão Vi, imprensa de Cândido Antônio da Silva Carvalho, Lisboa, 1835. Exemplar  existente no Museu Imperial  de Lisboa/Portugal.
HOBBES, Thomas, Leviatã, Tradução de Rosina  D`Angina, São Paulo, editora Ícone, 2000.
 
                                               
 

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