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Sergio Netto – Cumprimento de ordens ILEGAIS

 

Sérgio de Oliveira Netto

 

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE (SC).

Um dos pilares do denominado Estado Democrático de DIREITO, é o de que existe um Estado / Poder Público juridicamente organizado, e OBEDIENTE AS PRÓPRIAS LEIS.

O Brasil (alguns parece terem esquecido) se submente a este mandamento, que vem previsto no primeiro artigo da Constituição Federal (CF, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos…”).

No que se refere aos Órgãos da Administração Pública em geral (abrangendo os três Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), exige-se que todos os agentes públicos pautem suas condutas pelo primado da legalidade. Pelo qual, estes agentes estatais, somente podem executar atos que estejam expressamente previstos em lei (CF, art. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade…).

Sendo que, para as pessoas em geral, a regra é oposta. Ou seja, se os agentes públicos somente podem fazer aquilo que lhes é expressamente permitido pela lei, para os cidadãos vale a regra de que podem fazer tudo, a menos que haja expressa proibição legal impedindo a prática de certos atos (CF, Art. 5°… II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei).

Inclusive, as pessoas maiores e capazes, se assim desejarem, podem mesmo exporem a própria vida (desde que não coloque em risco a vida e integridade de terceiros), e também recusarem-se a receber atendimentos médicos. Mais uma vez, isto é um DIREITO conferido pelo Código Civil: Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Significando que, mesmo sabendo de riscos para a própria saúde (exemplo: contaminação pelo COVID-19, cuja letalidade é considerada baixa, a não ser para os denominados grupos de risco), podem se expor a riscos que considerarem indispensáveis para, por exemplo, proverem a própria subsistência (mediante trabalho), e para preservar a saúde MENTAL que confinamentos forçados podem acarretar.Portanto, considerando que, mais uma vez, pela Constituição Federal, somente o Congresso Nacional pode legislar em matéria penal, não parece correto que, restrições à livre circulação e a prática de atos da vida diária impostas por Governos Estaduais e Municipais, possam resultar na prisão de pessoas. Que, eventualmente, legalmente optem por se exporem aos riscos que estas restrições pretendem proteger (CF, Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal…).

Certamente que as autoridades sanitárias estão habilitadas a determinarem limitações, como consequência da existência de eventuais riscos à saúde. Porém, estas limitações precisam ser razoáveis. E não podem ser de tal intensidade, que acabem por impedir que as pessoas possam prover os meios necessários para sobreviver (pelo trabalho). E mesmo para manter sua saúde mental (com exercícios físicos, ou atividades ao ar livre, ou em reunião de grupos).

O que se tem presenciado em alguns Estados / Cidades, é algo de inconcebível, como o caso de pessoas que estão jogando futebol, ou passeando em praças, ou nadando na praia, sejam alvo de prisões por estarem descumprindo as regras estaduais / municipais de “quarentenas.”

Sem dúvida que as autoridades policiais que assim vem procedendo, estão apenas e tão somente cumprindo ordens superiores, como consequência da cadeia de comando que exige esse rigor.

Neste contexto, obviamente, a responsabilidade penal pelo ato ilegal (de prisões absurdas) deve ser atribuída não ao leal agente da lei. Mas sim aos seus superiores hierárquicos, que lhes impuseram esta diretriz de atuação.

Esta premissa vem prevista no Código Penal, tratando-se de uma excludente de culpabilidade (“dirimente”), nos seguintes termos: Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem

Obviamente que se for uma ordem MANIFESTAMENTE ilegal, todos responderão pelo ato. Mas, se for uma “ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico”, pela normatização penal, somente as Autoridades Superiores que expediram estas ordens poderão ser responsabilizadas.

Em outras palavras, o sistema penal reserva especial responsabilização as Autoridades Superiores, que estejam agindo em desconformidade com as normas legais.

O Governo Federam bem que tentou racionalizar e disciplinar a forma de imposição destas restrições nesta época de pandemia do COVID-19 por meio da Medida Provisória 926/2020, que alterava a Lei 13.979/20 (dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública causada pela pandemia da Covid-19), e delegava exclusivamente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária a possibilidade de determinar quais seriam as restrições que poderiam ser impostas ao livre ir e vir da população. Com definição das atividades consideradas essenciais a serem explicitadas via Decreto Presidencial, nos seguintes termos:

 

“Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:

………………………………………………………………………………………….

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:

a) entrada e saída do País; e

b) locomoção interestadual e intermunicipal;

………………………………………………………………………………………….

§ 8º  As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.

§ 9º  O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º.

 

Ocorre que, o Supremo Tribunal Federal, em abril de 2020, derrubou esta normativa, e estabeleceu que os Estados e Municípios também podem definir estas limitações. Quando, por UNANIMIDADE, validou a liminar deferida pela própria Corte, nos autos AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.341. Estabelecendo, desde então, as condições para que houvesse a possibilidade dos demais entes federados estabelecerem as restrições que bem entendessem, nos âmbitos estaduais e municipais, desencadeando verdadeiras situações de falta de governança e insegurança jurídica.

A responsabilidade, portanto, da imposição destas restrições, é dos Governantes Estaduais e Municipais. Que estão orientando seus agentes (dos diversos órgãos) a promoverem a repressão daqueles que porventura não estejam cumprindo estas determinações de isolamento. Que, agora, podem variar nos 27 Estados / Distrito Federal da Federação, e mais cerca de 5.500 Município, cada um destes entes podendo alinhavar suas próprias quarentenas e “lockdowns”.

A estas autoridades máximas estaduais / municipais, está reservada a aplicação do Código Penal, art. 22 (na condição de emissores destas ordens de prisão por descumprimento de regras locais de isolamento). Aos demais agentes executores destas ordens, fica nossa compreensão (em razão do sistema de hierarquia e disciplina), e a expectativa de que saibam distinguir os casos de flagrantes ilegalidades.

 

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