S40 Riachuelo II – Por Dentro do Gigante de Aço

Nota DefesaNet

DefesaNet reproduz a excelente cobertura realizada pela equipe de Zero Hora, liderada pelo jornalista Rodrigo Lopes e equipe. Série composta por cinco artigos.

S40 Riachuelo I – O Berço dos Submarinos Brasileiros Link

S40 Riachuelo II – Por Dentro do Gigante de Aço Link

S40 Riachuelo III – O motor diesel-elétrico Link

S40 Riachuelo IV – O Alagamento do  Compartimento de Máquinas! Link

S40 Riachuelo V- A Fortaleza de Itaguaí Link

Equipe de Redação e Produção

Rodrigo Lopes – Texto

Paola Gndolfo e Anna Fernandes – Arte

Julio Cordeiro – Fotos

jornal Zero Hora ediçao 1-2 Dezembro 2018

S40 Riachuelo II –  Por Dentro do Gigante de Aço

Estamos a nove metros acima do chão, sobre o cilindro de aço preto de 2,2 mil toneladas que repousa no alto da plataforma no interior do main hall, o gigantesco prédio do estaleiro, a poucos metros do mar, no complexo naval de Itaguaí, litoral sul do Rio. Daqui de cima, é possível observar toda a extensão do corpo do Riachuelo (S-BR1): da vante (como é chamada a proa) à ré (a popa) são 75 metros de comprimento, equivalente a 18 carros populares enfileirados.Com um deslocamento quando submerso equivalente a 2.200 toneladas.

— Vamos descer — alguém diz.

Mergulharemos no ventre do monstro de cor negra por uma das quatro escotilhas, logo atrás da vela, a parte mais alta da embarcação, semelhante a uma torre, por onde saem o snorkel e o periscópio. As "portas" do Riachuelo são os pontos mais visíveis das 160 "perfurações" do casco. Perfuração é o termo que os engenheiros navais usam para identificar pontos em potencial por onde a água pode entrar — além de escotilhas, porta de casco dos torpedos e outros locais sensíveis.

— A água está todo o tempo tentando entrar — lembra o capitão-de-corveta Edson do Vale Freitas, comandante do Riachuelo. — Nossa missão é evitar que ela entre.

Composta por 35 homens, a tripulação é treinada à exaustão para prevenir vazamentos e alagamentos. Simples fissura pode levar à tragédia: no caso dos submarinistas, conduzir a uma morte lenta, agonizante, como a que, imagina-se, acometeu os 44 marinheiros argentinos do ARA San Juan no ano passado.

— Qualquer emergência a bordo, a tripulação tem de reagir em prazo máximo de 30 segundos. Se a gente não conseguir, corre o risco de perder o submarino — acrescenta Vale, natural de Resende (RJ), submarinista há 14 anos.

Descemos ao interior da embarcação por uma escada quebra-peito de metal. Estamos no centro do submarino. O ambiente é gélido em razão do ar condicionado. No mar, a temperatura é mantida ainda mais baixa, em torno de 20°C, para evitar o aquecimento dos sistemas. Depois da água, o fogo é o maior risco a bordo.

Toneladas de estruturas metálicas lembram uma estação espacial. Os revestimentos ainda não foram instalados nas laterais. O Riachuelo está com as vísceras expostas: 1,2 milhão de fios, válvulas, tubos, mostradores e computadores.

Seguimos em direção à ré por um corredor principal, desviando de cabos pendentes do teto. Próximo à seção reservada aos alojamentos, divisórias em madeira, que acrescentarão algum conforto aos marinheiros, ainda não foram posicionadas. Certamente, depois de pronto, haverá menos espaço para deslocamentos. O Riachuelo será um labirinto.

O submarino brasileiro é diferente do projetos francês básico que foi adotado pela Armada do Chile.  Mas foi modificado para atender à necessidade de patrulhar a extensa costa de 7,3 mil quilômetros, que exige maior autonomia da plataforma. Assim, os paióis de alimentos e combustível e as acomodações foram ampliados. Ele foi estendido em 5,21 metros. passando de 66,4m para 71,62m. O peso passou de 1.717 toneladas para 1.870 toneladda. Quando submerso desloca o equivalente a 2.200 toneladas.

A três passos do local onde ficarão beliches e camarotes estão a cozinha e uma das praças d'armas, como é chamada a sala de confraternização e reuniões. Em navios de superfície, essas áreas costumam ser lugares espaçosos, com aparelhos de TV e sofás.

— Em um submarino, a praça d'armas tem o tamanho de uma mesa — explica o comandante.

Não é difícil imaginar quatro marinheiros tentando relaxar em um espaço exíguo como este, 200 metros abaixo da superfície. A essa profundidade, o cilindro de aço de seis metros de diâmetro que reveste a embarcação, a "pele" do monstro, recebe pressão de 206 quilos por metro quadrado.

Seres humanos confinados em naves desbravando os abismos submarinos expõem nossos mais obscuros medos. Claustrofobia é o que vem à mente aqui dentro. Em seguida, imagino um ataque de pânico. No ambiente confinado, tudo se propaga com rapidez: crises nervosas, vírus e odores de comida. Frituras, por exemplo, são evitadas no cardápio, bem como temperos fortes, como cebola e alho.

 

1 – Capitão-de-corveta Edson do Vale Freitas, comandante do submarino Riachuelo

2 – Periscópio já está instalado na ponte de comando

3 – Primeiro tenente Adolfo Hoffmann é o único gaúcho a bordo

4 – Detalhe de uma das quatro escotilhas da embarcação

Nessa situação extrema, onde cada 10 metros para baixo representa uma atmosfera de compressão sobre a estrutura do submarino, até os momentos de descanso são dedicados ao estudo da embarcação e seus sistemas. Único gaúcho a bordo e o mais jovem tripulante do Riachuelo, o primeiro tenente Adolfo Hoffmann, 27 anos, fez seu batismo no submarino Tikuna (S-34) entre Montevidéu e o Rio de Janeiro. Foram 13 dias de imersão entre a capital uruguaia e Santos.

— A claridade do sol, depois desse tempo todo, ofusca. Mas, ali, me encontrei. Fiquei impressionado com o profissionalismo, com o sentimento de grupo da tripulação debaixo d'água — conta.

Não se desce às profundezas sem um ritual. Na cerimônia de batismo, o submarinista recebe o nome de um peixe — no caso de Hoffman, caranha. Durante o rito, o marinheiro é lembrado de que o fundo do mar não é lugar dos seres humanos:

— Traz a mensagem que a gente nunca esquece de que estamos embaixo d'água e que a água vai tentar entrar por todos os lugares do submarino. É um sentimento de respeito e, mais do que isso, de vigilância e atenção — explica.

Com graxa no rosto, os marinheiros de primeira viagem pedem o sal da sapiência e permissão a Netuno, deus dos mares, para adentrar em seu reino.

No Riachuelo, o colorado e porto-alegrense Hoffman, casado com Roberta e pai de um menino de 12 anos, Eric, e de uma menina de dois e meio, Helena, é o responsável pela eletricidade. Como oficial de águas, também trabalha no ajuste do peso do submarino, dentro da cota (como os submarinistas chamam a profundidade).

— Sempre tive apoio da família. Eventuais riscos são compensados pelo prazer na atividade e pela preparação que a gente tem.

E a rotina a bordo?

— Não tem celular? — pergunto.

— Não — diz.

— Não tem chimarrão?

— Não.

Então, como faz?

— A gente pratica bastante estudo. Está sempre atento. Submarino é local silencioso. Qualquer barulho anormal, a pessoa avisa antes para não causar nenhum transtorno, um alerta indevido — ele diz.

Hoffman não foge à regra do rosto bem barbeado de militar. Mas no caso de submarinista, nem sempre está assim. Durante os 70 dias que costuma durar uma patrulha no mar, água potável é artigo de luxo. É preciso economizar o líquido dos tanques, também usado para cozinhar. Sob ordem do comandante, o hábito de barbear pode ser suspenso. Com banho, a orientação é semelhante. Cada tripulante deve acelerar a higiene pessoal de modo a economizar água.

 

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