Dagnino – Iniciada a Montagem do Submarino Riachuelo: Os Desafios, Antes, Agora e Depois


INICIADA A MONTAGEM DO SUBMARINO RIACHUELO:
OS DESAFIOS, ANTES, AGORA E DEPOIS

 
 

B.V Dagnino
Capitão-de-Fragata (Ref.)
Diretor Presidente da ABQ – Academia Brasileira da Qualidade – www.abqualidade.org.br

 
Transferir da França todo o conhecimento e toda a documentação de projeto de um submarino classe Scorpène certamente foi um grande desafio, enfrentado pelos engenheiros e técnicos brasileiros enviados àquele país. Antes porém, uma decisão capital teve que ser tomada: dentre as várias opções, por que se decidir por essa classe, e não continuar na linha alemã, ou mesmo optar por uma terceira?

Aspectos políticos, táticos, estratégicos, tecnológicos (conteúdo local, transferência de tecnologia inclusive treinamento de engenheiros e técnicos), econômico-financeiros, gerenciais e outros certamente foram considerados para a tomada de decisão.

O planejamento da produção de navio de tal complexidade certamente contou com o apoio de aplicativos de CAD/CAM e de detalhamento de cronograma físico-financeiro de aquisição de materiais e de fabricação minuciosos.

A fabricação pela Nuclep do casco resistente, executando dezenas de passes de solda utilizando processo, soldadores e materiais de adição certificados foi outro desafio, já que como processo especial a garantia da sua qualidade é de difícil avaliação após a execução.

Ensaios não-destrutivos como líquidos penetrantes, ultrassom, partículas magnéticas, gamagrafia e outros foram executados em corpos de prova. Mais uma vez somente pessoal formalmente certificado, depois de avaliada sua capacitação com provas teóricas e práticas, pôde ser utilizado para executá-los.

O controle dimensional para garantir a perfeita circularidade das cavernas requereu sem dúvida atenção aos aspectos metrológicos, de forma a assegurar a acurácia das medições. O uso de instrumentos devidamente calibrados dentro de um dado prazo de validade, com rastreabilidade a padrões certificados, é obrigatório.

A efetiva prática do conceito da hélice tripla, integrando os esforços do Governo, das Empresas e da Academia, está sendo indispensável para garantir o sucesso do empreendimento.
 
A cerimônia de início da montagem do Submarino Riachuelo na Itaguaí Construções Navais foi sem dúvida um marco da maior relevância para a Marinha. Não são muitos os países que detêm competência e experiência para executar projeto de tamanha complexidade. Trata-se sem dúvida de passo importante no contexto do PROSUB, antes de enfrentarmos as etapas seguintes muito mais complexas, do submarino a propulsão nuclear Álvaro Alberto. Nesse nível então serão sete os países com tal capacidade: EUA, Rússia, Reino Unido, França, China Índia e agora Brasil. As dificuldades de tal empreitada são evidenciadas pelos problemas enfrentados pela Marinha Indiana em seu projeto.

A essa altura sistemas e equipamentos a serem instalados já foram selecionados, o que obrigou a difíceis decisões: seriam usados itens já testados, logo passíveis de ficarem ultrapassados ao longo da vida útil do submarino, ou se correrá o risco de utilizar material de última geração, porém ainda em nível de protótipo ou cabeça-de-série, logo não testado na prática? Aí entram considerações baseadas em rigorosa gestão de riscos. O uso do sistema de direção de tiro torpédico TIOS e do sonar passivo nos submarinos classe Humaitá são exemplos das dificuldades do uso de sistemas não testados na prática por estarem ainda em desenvolvimento.

A questão do conteúdo nacional, seja diretamente por empresas brasileiras, seja por meio de apoio para transferência de tecnologia por parte de empresas estrangeiras, foi e está sendo considerada e é importante para proporcionar o desenvolvimento da indústria local. A inclusão de cláusulas compensatórias  de offset  nos contratos deve sempre ser considerada. Por outro lado, a criteriosa seleção das empresas nacionais através de detalhada avaliação evitará os problemas como os ocorridos no caso das fragatas classe Niterói, quando o ambicioso programa de nacionalização foi frustrado pelas limitações de know-how da indústria brasileira e pelo descumprimento de prazos.

Uma avaliação abrangente garante a perfeita integração entre os sistemas. O exemplo das dificuldades atuais da Marinha Alemã com as fragatas classe F125 chama a atenção para a complexidade dos problemas de interfaces entre equipamentos. Não bastasse isso, a questão da estabilidade do navio também está em discussão (o que aliás foi objeto de dúvidas levantadas por especialistas também no caso dos contratorpedeiros classe Zumwalt da Marinha dos EUA).


         

Fragata Baden – Württemberg da classe F125 da Marinha Alemã
em provas de mar

A Marinha do Brasil ampliou sua experiência em desmagnetizaçãodesde a aquisição dos Navios-Varredores classe Aratu e a instalação de estação na Ilha de Itaparica.


    

Navio Varredor Anhatomirim correndo a raia na
Estação de Degaussing na Ilha de Itaparica

 

 
No caso dos submarinos  e de futuros navios de superfície um desafio será projetar, construir e operar instalações de deperming e degaussing, certamente de muito maior porte e custo.

 
Estação de deperming  da U.S. Navy


Ao contrário do processo licitatório para as corvetas classe Tamandaré, em que são previstos requisitos contratuais abrangendo a manutenção dos navios, as especificidades e os aspectos de segurança típicos de submarinos obrigarão à sua execução em instalações navais, uma vez que estaleiros privados não terão condições de fazê-lo. Daí se conclui a necessidade de treinar pessoal especializado, equipar oficinas com ferramental e sistemas de teste,  analisar de que forma níveis de estoque de dotações de sobressalentes serão definidos com o adequado grau de confiança, e ter disponíveis manuais detalhando procedimentos de manutenção preditiva, preventiva e corretiva (esperemos que os manuais franceses, adequadamente traduzidos para o português, sejam tão completos como os americanos).

Sendo a maior parte do material de origem francesa, os itens estarão cobertos pelo sistema de catalogação da OTAN (NSN – NATO Stock Number). Sistemas e equipamentos de outras origens, inclusive nacional, precisarão ser integrados num sistema único.

Uma vez lançado ao mar e instalados os últimos equipamentos, ainda no cais uma série de testes serão realizados, antes da primeira imersão e a série de provas de mar. Nesse meio tempo a tripulação Alfa já terá sido treinada, pronta para receber o navio no dia da incorporação à Marinha.

Durante suas dezenas de anos de vida útil, o submarino passará por diferentes atividades como docagem, períodos de pequenos e grandes reparos, e muito provavelmente modernização. Todas elas serão sincronizadas com as sucessivas fases de adestramento.

No caso do primeiro submarino a propulsão nuclear, pode ser adotado o procedimento da Marinha Indiana, que arrendou submarino russo para adaptar seu pessoal a esse novo desafio.

Chega um dia que o navio terá que dar baixa, sendo desincorporado da Marinha. Dois destinos serão possíveis: ou o sucateamento com a remoção prévia do material bélico e outros itens sensíveis, ou se tornará um navio-museu, como foi o caso do seu antecessor de mesmo nome, atracado no Museu Naval no Rio de Janeiro. Ao lado  do contratorpedeiro Bauru, também transformado em museu, e do rebocador Laurindo Pitta, que conduz visitantes em passeio marítimo pela Baía da Guanabara, o ex-submarino Riachuelo atrai grande número de curiosos todos os dias.
        

Submarino Museu Riachuelo atracado no Museu Naval no Rio de Janeiro (ao fundo o Rebocador Laurindo Pitta (1910) e o Contratorpedeiro de Escolta Museu Bauru)
 
Isso certamente foi um merecido destino, após cumprir sua árdua missão de patrulhar a Amazônia Azul, mantendo-se sempre pronto, na superfície ou em imersão. Suas tripulações certamente se lembrarão sempre do lema do submarinista: Usque ad subaquam nauta sum – "Sou marinheiro até debaixo d'água".

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