92 meses: breve reflexão sobre a Era Moura Neto na Marinha do Brasil II

 

92 meses: breve reflexão sobre a Era Moura Neto
na Marinha do Brasil (II)
(acesse a primeira parte Link)

 
 

Roberto Lopes
Autor do livro “As Garras do Cisne” (Ed. Record)
sobre os planos de expansão da Marinha do Brasil.
Exclusivo para DefesaNet

 
 
 
Entre, leitor(a), no portal da Marinha do Brasil (www.marinha.mil.br) e clique no ícone PODER NAVAL. Na listagem que irá se oferecer selecione “Navios”. Pronto. Você terá em suas mãos não uma, mas duas frotas militares: a dos “Meios da Esquadra” e a dos “Meios Distritais”.

Qual a diferença entre as duas?

Dou a minha explicação pessoal (que nada tem a ver com a dos almirantes): é que uma nasceu para ser mesmo a Marinha “de Guerra”, como se dizia antigamente. E a outra se desenvolve, cada vez mais, com as características de uma Guarda Costeira – corporação para a vigilância, a fiscalização, o policiamento e o salvamento em águas jurisdicionais brasileiras.

É claro que os chefes navais não admitirão isso, até porque parte das nossas melhores e mais utilizadas embarcações de pequeno porte – como as da classe “Grajaú” – não foram encomendadas, nos anos de 1990, com a finalidade de equipar uma quarta corporação militar. Elas foram incorporadas porque, sendo menores e dotadas de eletrônica menos complexa, eram também mais baratas – e esse, o preço, era o fator determinante para o reaparelhamento da Marinha à época. Em outras palavras: os navios-patrulha de 200 toneladas era o que se podia comprar.

Contudo, os 92 meses da Era Moura Neto na Marinha colocaram em xeque essa dicotomia entre a Marinha dos “Meios da Esquadra” e a Marinha dos “Meios Distritais”.

Estimulada pelo apoio recebido da Presidência da República para renovar sua frota e, consequentemente, elevar seu patamar operacional (com vistas, principalmente, à defesa do pré-sal), a Marinha traçou planos grandiosos, curvou-se à necessidade de criar uma 2ª Esquadra e expandir o efetivo, previu o recebimento de unidades navais e aeronaves que, por sua importância estratégica – porte, armamento, sofisticação de sistemas e qualificação de pessoal –, a habilitam a desempenhar um papel extra-regional. Algo bem mais ambicioso que o vislumbrado, nos anos de 1990 e de 2000, por conhecidos estrategistas da Força, como o almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal.

O problema é que não se faz a vigilância marítima das rotas que procedem do Atlântico Norte, do Índico e do Pacífico para a costa brasileira, com os caças-ferros (perdoem-me o saudosismo) da classe “Grajaú” – cujo tempo de permanência no mar não deve exceder uma semana ou dez dias.

E bem ao contrário do que informou, recentemente, uma nota de “esclarecimento” do Centro de Comunicação Social da Marinha (Nota de Esclarecimento do Comando da Marinha do Brasil, datada de 1º de setembro de 2014, em relação à matéria “MB se aproxima da União Africana e pode patrulhar chifre da África”, publicada em DefesaNet.com.br), não se atribui uma comissão altamente complexa, que envolva a travessia do Atlântico Sul e poucos pontos de apoio à navegação (na costa ocidental africana e, muito menos, no “Chifre da África”!) a barcos de porte limitado, como corvetas e navios-patrulha oceânicos, especialmente os de deslocamento inferior a 2.000 toneladas.
 
Oficiais que servem nas corvetas “Inhaúma” – e mesmo na “Barroso” – relatam que essas embarcações, com cerca de 100 metros de comprimento e bôca reduzida, de 11,4m, pecam pela pouca estabilidade – jogam demais. Depois de duas semanas a bordo, a tripulação está “moída” e com o seu nível de concentração e eficiência afetado pelo desgaste físico.
 
Curiosamente, a Empresa Gerenciadora de Projetos Navais (EMGEPRON) acaba de apresentar um modelo de navio-patrulha oceânico nacional com casco de 103,4m de comprimento e largura máxima de… 11,4m!
 
Ora, então os relatos sobre o esgotamento do pessoal das corvetas de nada serviram para os projetistas da Emgepron? Por que não adotar o projeto da BAE Systems, que já foi oferecido à Marinha e abriga 81 tripulantes em uma embarcação de 90,5m de comprimento e 13,5m de largura? Só para dizermos que o projeto do NPaOc é nacional e vamos vendê-lo ao exterior?
 
Na verdade, a questão da estabilidade das próximas embarcações da MB é tão importante, que os encarregados do projeto CV03 – de corvetas classe “Tamandaré” – preveem um barco de aproximadamente 2.500 toneladas, mais pesado e bem artilhado que a “Barroso”, e também de bôca mais larga – que deixa para trás os conservadores 11,4m.
 
Mas a renovação da força de superfície da Esquadra (que, repetimos, objetiva permitir uma atuação extra-regional) demanda um tipo de unidade bem mais poderosa – não apenas mais pesada, também de múltiplas capacidades.
 
Sob esse ponto de vista, não há como negar: a insensibilidade demonstrada pelo governo federal para examinar a compra dos planos de uma moderna fragata multifunção – essência do PROSUPER – deve ser contabilizada como um dos mais sérios revezes da administração Moura Neto.
 
Nessa situação, o cenário previsível no curto prazo é o de que, para além dos ambientes (ou perímetros) costeiros, caberá aos submarinos classe “Humaitá”, a tarefa de desempenhar o papel de principal elemento dissuasório da Força Naval brasileira – o que não é ideal, mas também não chega a ser descabido. A China, que possui uma frota com proposta de ação global, acaba de designar um de seus mais modernos submersíveis diesel-elétricos para integrar a frota multinacional anti-pirataria que atua no litoral oeste da África.
 
No que tange à esquadra dos “meios distritais” é forçoso reconhecer: são poucos os militares da Marinha que, mesmo na reserva, admitem a criação de uma Guarda Costeira.
 
O assunto é tabu na Força Naval da Era Moura Neto, como o era 30 anos atrás, quando o então ministro da Marinha, almirante Maximiano da Fonseca resolveu afrontar seus pares e levar o projeto adiante.
 
Falastrão mas voluntarioso e idealista, Maximiano quase conseguiu. Foi parado – quando todo o projeto de implantação da nova corporação estava pronto para ser enviado ao Palácio do Planalto – por um bloqueio de seus oficiais-generais que, diga-se, transcendeu o Almirantado.
 
Ainda hoje, tratar do assunto Guarda Costeira na Marinha é dificílimo. Em Brasília, o Centro de Comunicação Social da Marinha (CCSM) – como é comum nesses casos mais delicados – fica afônico… Na oficialidade em geral, para justificar a inconveniência da ideia, há desculpas para todos os gostos:
 

A – que a nova organização vai subtrair à Marinha o precioso dinheiro arrecadado com a formação de pessoal civil e com as taxas e multas impostas ao universo marítimo nacional;

B – que a “Quarta Força” é uma instituição mais apropriada a países em fase de desenvolvimento mais avançado que o nosso, e,

C – que os custos de implantação da nova corporação seriam proibitivos – mormente no momento de dificuldades econômicas que o país atravessa (a “crise econômica” é sempre um argumento muito apreciado nessas horas).
 

E, no entanto, o fato é que a Marinha do Brasil nunca esteve num momento tão favorável quanto o atual, para permitir o surgimento de uma Guarda Costeira.
 
Bastaria, para isso, transferir à nova corporação a maior parte da estrutura da Diretoria de Portos e Costas, juntamente com as 50 ou 60 embarcações que, atualmente, já são empregadas em missões típicas de um serviço Guarda Costas: quatro navios-patrulha classe “Bracuí” (ex-varredor “River” da Marinha britânica), duas corvetas classe “Imperial Marinheiro” (no final de sua vida útil), 12 patrulheiros classe “Grajaú”, seis classe “Piratini” (os veteranos “Cape” da Guarda Costeira estadunidense), seis avisos de patrulha classe Marlin (de 45 toneladas), 16 lanchas-patrulha de 9,5 toneladas (ex-Secretaria da Pesca), cinco LAEP 10 (lanchas de Apoio ao Ensino e Patrulha tipo Conrep de 32 pés), e 14 LAEP 7 (lanchas de Apoio ao Ensino e Patrulha tipo Conrep de 28 pés).
 
Além desses barcos, a Guarda Costeira poderia receber os flex boats e motos aquáticas hoje pertencentes à Marinha, bem como alguns helicópteros Bell Jet Ranger que, num futuro não muito distante – por volta de 2016 –, estarão deixando de servir à instrução dos pilotos da Força Aeronaval.
 
Para evitar um harakiri coletivo dos oficiais mais inconformados, não haveria mal algum em subordinar a Guarda Costeira ao Comando de Operações Navais – propiciando, dessa forma, desde o primeiro momento, o necessário ambiente de cooperação entre as duas organizações.
 
E como seriam preenchidos, de início, os quadros de chefia da nova instituição? Ora, a Marinha manda embora, todos os anos, dezenas de capitães de mar e guerra e capitães de fragata altamente qualificados – muitos treinados no exterior –, perfeitamente capazes, portanto, de se desincumbirem do trabalho de vigilância da costa.
 
Mas é claro que a Guarda Costeira precisará implantar, imediatamente, a sua própria academia de formação de oficiais – de preferência, bem longe do Rio, no Nordeste ou no extremo sul do país.
 
A criação do serviço de guarda costas é um desafio de grande monta, que exigirá um trabalho imenso e, claro, arcabouço legal próprio, mas não é (está longe de ser) um assunto de complexidade insuperável.
 
E o segredo para que os obstáculos inerentes a essa implantação sejam superados é um só: vontade política, vontade de fazer (sem ranger de dentes), sem ficar enciumado, sentindo inveja do pessoal que irá compor o novo efetivo.
 
Tudo dependerá da disposição dos militares da Marinha de contribuir com o aperfeiçoamento do aparato de Segurança Pública do país, que requer uma entidade com serviço de Inteligência apto a rastrear o crime organizado dentro das áreas portuárias e a prevenir os diferentes tipos de contrabando (armas, drogas e outros). Uma corporação capaz de reagir com presteza à poluição marinha, colaborar na preservação das áreas litorâneas e com a segurança da vida humana em áreas de diversão aquática.
 
Será que o alerta via rádio emitido pelas Capitanias dos Portos sobre a aproximação de uma tempestade é suficiente? Em Porto Murtinho (MS), nas águas do Rio Paraguai, ele não impediu que um barco-hotel (de matrícula paraguaia) repleto de pescadores do Paraná fosse engolido por um tornado. Mais de dez vidas se perderam no episódio.

(Nota DefesaNet – Observar que o Plano do SisGAAz prevê o controle das águas internas  – águas marrons – Ver detalhamento do Projeto Link)
 
Um serviço de guarda costas faria melhor? Se as coisas continuarem como estão, nunca saberemos.
 
Por fim, resta dizer uma palavra sobre a firme expansão do efetivo da Marinha na Era Moura Neto – suas circunstâncias e possíveis conseqüências.
 
Àqueles que acompanham o noticiário acerca dos sucessivos concursos de admissão de pessoal que vem sendo abertos pela Força Naval, surge, naturalmente, a indagação: onde o Comando irá buscar os recursos necessários ao custeio dessa mão-de-obra?
 
Já não se trata de imaginar, apenas, como remunerar tais servidores.

Mais pessoal implica em mais encargos sociais, um número maior de Próprios Residenciais Nacionais, numa rede mais extensa (e completa) de atendimento médico-odontológico. Eventualmente em uma quantia substancial para o pagamento de auxílio-moradia, auxílio-bagagem e outros direitos da Família Militar hoje vergonhosamente represados pelo governo petista.
 
É de se pensar se a Marinha que tem seus recursos enxugados com a eficiência de “uma esponja” pelo programa Programa de Obtenção de Submarinos (PROSUB), tem condições de manter o crescimento de seu efetivo sem que o governo federal encontre uma alternativa inovadora de financiamento do dispositivo militar do país.
 
A verdade é que tal solução transcende as possibilidades do Ministério da Defesa, porque não se encaixa nas possibilidades do Orçamento-Geral da União – que tem todo o seu dinheiro “engessado” em um caixa único.

Em meu livro “As Garras do Cisne”, há pouco lançado, historio as diversas iniciativas articuladas e discutidas, nas últimas décadas (Era Moura Neto inclusive), acerca da criação de um fundo dedicado ao investimento no aparelhamento das Forças Armadas.
 
Ideias articuladas e debatidas no âmbito do Congresso Nacional que, sem repercussão na mídia, soçobraram.
 
O plano básico, inspirado na conhecida experiência chilena da Lei nº 13.196 – que prevê a aplicação de 10% da renda obtida com a venda do cobre e de seus subprodutos no reequipamento das Forças Armadas – é o de um “colchão” de recursos alimentado com um pequeno porcentual do faturamento de companhias que constroem sua riqueza com a matéria-prima encontrada no solo e nas águas jurisdicionais do país.
 
No Chile, a chamada Ley Reservada del Cobre gerou, só no primeiro semestre deste ano, um total (nada desprezível) de 491 milhões de dólares, que foram repassados ao Ministério da Defesa local.
 
Os 92 meses de liderança do almirante Moura Neto na Marinha do Brasil têm, a meu ver, saldo claramente positivo.
 
Mas as lacunas que essa gestão produziu demandarão do próximo administrador não apenas competência, ou tino político – também coragem para arriscar, e perseverança na busca das metas que, hoje, ainda parecem só um sonho.

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