Humberto Trezzi
Zero Hora
11 Abril 2020
Na tarde de quinta-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tomou conhecimento de que sua possível demissão era discutida por seu colega da Cidadania e também correligionário no DEM, Onyx Lorenzoni, e pelo ex-ministro Osmar Terra. A conversa foi ouvida por um repórter da CNN Brasil, já que Terra deixara um telefone ligado, sem notar. E virou notícia nacional.
Mandetta, furioso, não procurou Terra, Onyx e nem o presidente Jair Bolsonaro. Ele se dirigiu ao gabinete do ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto. Suspender a participação do ministro da Saúde na coletiva de imprensa daquela tarde foi a primeira providência recomendada pelo militar (transferido para a reserva ao ingressar no governo, em fevereiro). A segunda atitude do oficial foi lembrar a Mandetta que ele é o ministro, não Terra. E que alimentar danças de cadeiras faz parte do jogo político.
Funcionou. Mandetta não deu coletiva e, ao falar com apoiadores, minimizou o episódio, dizendo: "alguém tem de trabalhar".
Mais uma vitória de Braga Netto, o novo oráculo do Planalto. Mineiro, ouve muito e fala pouco. Exerce um papel de conciliador, que já foi em parte ocupado pelo general gaúcho Carlos Alberto Santos Cruz, expurgado do governo quando restringiu verbas publicitárias a afilhados do bolsonarismo. A função de conselheiro de Bolsonaro é sabidamente desempenhada por outro decano das Forças Armadas, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Só que Heleno está em idade avançada. Já Braga Netto, indicado por Heleno para um dos cargos mais importantes do governo, tem 62 anos e está em forma — vem da Arma de Cavalaria do Exército e joga vôlei com frequência.
Braga Netto é também "vassoura nova" no governo e abraçou com fervor a nova missão: colocar "ordem na casa", nas palavras de Mourão, general como ele, um dos fiadores da indicação dele ao cargo.
E como Braga Netto atua? GaúchaZH apurou que uma das mais curiosas formas é escorregar bilhetinhos aos ministros durante reuniões, como o presidente Jânio Quadros fazia nos anos 1960. Tem feito isso ao longo das demoradas coletivas de imprensa sobre o assunto onipresente no momento, o coronavírus. Faz recomendações quanto a perguntas indiscretas. Já combinou previamente que tomem cuidado ao abrir as mensagens, para evitar flagras. E o general não hesita em cortar a palavra de algum colega, caso veja risco de um brete político na resposta.
— Na realidade, é a postura que se espera de um chefe da Casa Civil: ser interlocutor interno no Planalto e externo, com os demais poderes ou com a sempre inquiridora ação da mídia — observa outro general, admirador do jeito sério e calado de Braga Netto.
Até por isso Braga Netto foi definido como "o homem certo, no lugar certo, na hora certa" pelo vice, Mourão.
Tão certo que costurou um acordo que parecia impossível, evitar a demissão de Luiz Henrique Mandetta. Braga Netto serviu de ponte entre o ministro e o Presidente, ambos magoados um com o outro. Convenceu Bolsonaro de que Mandetta, com popularidade maior que a do presidente em relação às ações durante a pandemia, viraria mártir ante a mídia e inclusive em grande parte da base de apoio do governo. Panos quentes colocados sobre as feridas políticas, o ministro da Saúde saiu de reunião com o presidente, no dia seguinte a sua quase demissão, com uma frase apaziguadora:
— Quem comanda esse time é o presidente Jair Messias Bolsonaro.
Setores da mídia chegaram a cogitar que Braga Netto seria o cabeça de uma junta militar que teria ascensão sobre o presidente Bolsonaro. Só por isso já virou alvo de xiitas do bolsonarismo. A verdade não chega a tanto. O general é apenas o mais novo homem-forte na constelação ministerial de um governo com discurso de culto à obediência e à ordem unida. Uma das suas difíceis missões é convencer o chefe, Bolsonaro, de que o discurso é para valer e polêmicas só desgastam.
De Timor Leste ao Rio, uma carreira na gestão de conflitos
O general Braga Netto conquistou quase todos os postos possíveis no estrelado e disputado ranking das Forças Armadas. Começou, como a maioria dos colegas, na Academia Militar das Agulhas Negras (RJ), onde se formou em 1978 aspirante a oficial da Cavalaria.
— Tenho uma boa lembrança dele como oficial dedicado, sério e excelente companheiro. Excelente aluno no curso. Discreto, estudioso e muito benquisto pelos companheiros. É de cavalaria, homem do trabalho e da ação, e não de lenga-lenga. Tem moral para se impor na constelação bolsonariana. Tenho certeza de que o desempenho dele no governo continuará sendo proeminente. É um general prático e objetivo, e saberá coordenar as ações de governo nesta época de crise. Não é homem de se assustar por pouca coisa — diz Luiz Ernani Caminha Giorgis, coronel da reserva e ex-colega de Braga Netto na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
Em 42 anos de carreira como oficial, trabalhou na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (um cargo ligado ao setor de Inteligência), assessorou o ministro do Exército, coordenou pelo Exército os Jogos Olímpicos do Rio em 2016 e chefiou as principais unidades dos mais importantes postos militares do país, entre eles o Comando Militar do Leste (que abrange os Estados do Sudeste). Participou também de diversas missões internacionais: primeiro, como observador militar das Nações Unidas no Timor Leste _ logo após a guerra civil que se seguiu à independência daquele país asiático _ e, depois, como adido militar na Polônia e nos Estados Unidos. Tem pelo menos 25 condecorações nacionais e quatro no Exterior. No futebol, torce para o Botafogo e para o Cruzeiro.
Mas foi no Rio, quando era Comandante Militar do Leste, que Braga Netto recebeu sua maior missão: virou interventor federal na Segurança Pública do Rio, num período em que aquele Estado parecia ter perdido o controle para o banditismo.
A gestão dele à frente das polícias fluminenses durou oficialmente de fevereiro a dezembro de 2018 — embora tenha começado de fato meio ano antes, em julho de 2017, com a operação GLO (Garantia da Lei e da Ordem), na qual tropas do Exército ocuparam as comunidades com mais crimes (como Maré, Complexo do Alemão e Rocinha). Na prática, ele chefiou 68 mil pessoas das áreas de segurança pública estadual e federal.
Polêmicas
Pelo menos duas obras analisam a fundo a ação de Braga Netto como interventor. Uma delas é o trabalho de conclusão de curso na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, intitulado "O emprego da inteligência militar no Comando Conjunto e suas contribuições para a Intervenção Federal", do coronel de Artilharia Sérgio Luís Pinheiro da Silva analisa alguns procedimentos da ação comandada pelo general Braga Netto. O outro é o livro "Intervenção: a reestruturação da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro", de Carlos Daróz, coronel da reserva do Exército e historiador militar.
Marcas da intervenção
Banco de dados unificado de inteligência criminal: o Exército conseguiu usufruir dos bancos de dados das polícias Civil e Militar fluminenses e também montou um mapa das ações criminais no Rio. Isso vale tanto para facções criminais convencionais (Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e Primeiro Comando) como para as milícias paramilitares formadas por ex-policiais. Não à toa, Braga Netto ganhou dos amigos a reputação de ter o "CPF, nome e endereço de cada miliciano no Rio".
Mandados de busca e apreensão por região e não por casa: uma tática que já tinha acontecido em outras ocasiões foi pedir mandados de busca coletivos. Em regiões onde quase não há propriedade de imóvel registrada, como nas favelas, as tropas militares ganharam permissão da Justiça para realizar buscas em residências por quarteirão. A intenção era impedir que criminosos em fuga se escondessem em casas vizinhas às da busca. Mesmo que para os militares isso tenha facilitado a ação, provocou queixas de organizações de direitos humanos.
Tropas operando durante a intervenção no Rio de Janeiro
Menos roubo de cargas: a média mensal de roubo de cargas no Rio variava de 1 mil a 1,2 mil casos, em 2017. Ao longo da intervenção militar, em 2018, caiu para média de 700 casos mensais.
Menos roubos de veículos: a média mensal de veículos roubados (assaltos) era de 4,5 mil em 2017. Caiu para 3,7 mil em 2018.
Menos policiais mortos: o auge de policiais civis e militares mortos no Rio foi em 1994, ano em que morreram 227. Depois foi baixando e caiu bastante com a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em 2008, com 112 agentes mortos. No ano anterior à intervenção federal no Rio, 2017, houve um salto no número de policiais assassinados: 163. No ano da intervenção o número de agentes mortos foi o menor em duas décadas: 92.
Menos homicídios: o Estado do Rio registrou queda de 13,6% nos homicídios durante a intervenção federal. Foram 3,3 mil mortes de fevereiro a dezembro de 2018, contra 3,9 mil mortes no mesmo período do ano anterior.
Mais mortes decorrentes de ações policiais: Ocorreram 1.185 mortes decorrentes de ação policial durante a intervenção federal no Rio. São 326 a mais que no ano anterior (aumento de 37%).
Durante a intervenção, a morte de Marielle Franco
As obras citadas não se debruçam a fundo sobre o episódio que virou dor de cabeça para Braga Netto durante a sua gestão frente à Segurança Pública fluminense. O principal deles foi o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, em 15 de março de 2018, quando a intervenção militar completava um mês. O duplo homicídio foi visto "como uma afronta" pelo general. Muitos colaboradores viram no crime um recado das milícias.
— Braga Netto reiterou que resolver o caso era questão de honra para as polícias fluminenses, mas a intervenção acabou antes da prisão dos primeiros envolvidos no assassinato. Foi só em março de 2019 que dois ex-PMs, milicianos, foram presos pelo assassinato. Os mandantes do crime continuam desconhecidos. Outras polêmicas se sucederam. Em 2019 uma tropa do Exército atirou contra um carro na Zona Norte do Rio, matando duas pessoas, mas aí Braga Netto já não era interventor.
Irmão morto em assalto
Ricardo Souza Braga Netto, morto em 1984
Arquivo da Marinha / Reprodução
O general Walter Braga Netto tem uma razão particular para detestar crimes e criminosos. Ele estava de aniversário, 27 anos, quando um de seus irmãos, o tenente da Marinha Ricardo Souza Braga Netto, foi assassinado a tiros no Viaduto do Gasômetro, perto da Ponte Rio-Niterói, durante uma tentativa de assalto. O latrocínio aconteceu em 11 de março de 1984.
Ricardo tinha 25 anos e servia num navio atracado no Rio. Ele dirigia um Fiat quando viu um veículo enguiçado e foi prestar ajuda. Ao tentar consertar o carro, foi rendido por dois assaltantes, armados de revólveres, que exigiam o seu automóvel. O tenente reagiu, se agarrou num dos bandidos e foi morto com dois tiros. O crime foi testemunhado pela família que ele tentou ajudar.
O general Braga Netto não gosta de relembrar o caso, nem para amigos.
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