Bolsonaro muda núcleo de confiança após romper com aliados no governo e na Câmara

 

Gustavo Uribe

Talita Fernandes

Com um temor recorrente de ser traído, o presidente Jair Bolsonaro se livrou de aliados de primeira hora, abandonou antigos amigos e alterou mais de uma vez seu núcleo de confiança no primeiro ano de mandato.

As mudanças, que atingiram nomes que tiveram atuação estratégica para a sua eleição, renderam a ele a fama no Palácio do Planalto de ser um presidente desconfiado e centralizador, com dificuldades de confiar em sua equipe de ministros.

Segundo relatos feitos por auxiliares presidenciais à Folha, o chefe do Poder Executivo cobra de todos o que considera gestos de fidelidade, como ser informado sobre agendas de ministros e ser defendido publicamente quando sofre críticas.

Nas palavras de um assessor palaciano, Bolsonaro segue à risca o lema: "Ou está comigo ou não está".

O atual núcleo duro do presidente é formado pelos ministros da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e da Defesa, Fernando Azevedo.

Inicialmente homens de confiança do presidente e integrantes do seleto grupo, os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, perderam influência sobre Bolsonaro.

O primeiro pode ser trocado do comando da pasta neste semestre. O segundo, após ter causado polêmica ao dizer que editar um "novo AI-5" exigiria estudos, submergiu. De acordo com assessores presidenciais, suas avaliações perderam força sobre as tomadas de decisão do presidente.

O empresário Paulo Marinho, ex-aliado de Bolsonaro, diz que a a família do presidente "sofre da síndrome da conspiração". "Uma coisa que acompanha [o clã] a vida inteira. Eles desconfiam da própria sombra", afirma. "Quem não está com eles, incondicionalmente, é visto como traidor", completa.

O presidente também costuma testar a fidelidade de sua equipe ministerial. De acordo com assessores palacianos, além de pedir a mesma coisa para mais de um auxiliar, ele tem como hábito repassar uma informação a apenas um subordinado para testar se ele é foco de vazamento para a imprensa.

"Se todo mundo disser sim para mim, eu desconfio. É igual em casa, marido e mulher. Tudo 'sim' você fica desconfiado", afirmou Bolsonaro em café da manhã no fim do ano passado.

Um dos casos emblemáticos do modo de agir de Bolsonaro foi visto logo nos primeiros meses de seu governo.

Em fevereiro, o presidente mandou áudio ao então chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, reclamando de audiência que o ministro teve com o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo.

A mensagem foi enviada quando Bolsonaro estava internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, após passar por uma cirurgia de ligação do trânsito intestinal, em decorrência da facada sofrida durante a campanha.

O executivo já havia se reunido com outros ministros palacianos, mas, nos episódios anteriores, de acordo com relatos de assessores, o presidente tinha sido avisado, o que não gerou desconforto.

Bolsonaro também se incomodou com o que auxiliares presidenciais chamam de "postura independente" do ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos Alberto dos Santos Cruz.

Responsável pela interlocução com entidades sociais, ele recebeu no gabinete ministerial representantes de organizações como Igarapé, Sou da Paz e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, contrárias à flexibilização do porte de armas, bandeira eleitoral do presidente.

Os dois ministros, que foram exonerados após desconfiança de Bolsonaro, faziam parte do primeiro núcleo duro do presidente, que sofreu mudanças ao longo do ano.

Na campanha eleitoral, Bebianno era considerado o braço direito de Bolsonaro e foi responsável por viabilizar uma aproximação dele com o meio jurídico e com veículos de comunicação.

"Não vi em nenhum desses que saíram motivos relacionados a infidelidade. Discordar e tentar assessorar corretamente não significa ser infiel", avalia o senador Major Olimpio (PSL-SP).

"No dia a dia, se cria empatia ou antipatia e, diante do segundo quadro, o presidente entendeu por fazer substituições", afirma.

Além de Bebianno, outros dois aliados de primeira hora, peças-chave da campanha eleitoral à Presidência, foram esquecidos.

Marinho, que emprestou sua residência, no Rio de Janeiro, para reuniões da candidatura presidencial, não foi alçado ao núcleo de poder.

Além de ser palco de encontros de coordenação política, a casa se tornou um estúdio improvisado para gravação dos programas de TV de campanha. Na reta final, Bolsonaro costumava ir ao local quase diariamente.

Jantar oferecido por Paulo Marinho, suplente do senador Flavio Bolsonaro, em homenagem a João Doria

Jantar oferecido por Paulo Marinho, suplente do senador Flavio Bolsonaro, em homenagem a João Doria

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