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Batman Versus Superman (2016): O Direito Internacional dos Conflitos Armados a partir de uma Perspectiva Geek

Cel Carlos Frederico Gomes Cinelli

O duelo cinematográfico entre o homem-morcego e o homem de aço não deixa dúvidas quanto ao simbolismo das oposições que se buscou estabelecer no roteiro: escuridão versus luz; mistério versus clareza; homem versus Deus.

Como torcer por um deles, se ambos são heróis com extensa folha corrida de serviços prestados à humanidade, e se a vitória de um deles implicará, provavelmente, na destruição do outro? Tratando-se dos remakes lançados nos últimos anos, são notórias as “repaginações” de roteiro − quer narrativas, quer argumentativas – que buscam um alinhamento com as chamadas megatendências, ou seja, com os temas centrais dos grandes debates contemporâneos.

No grande conflito entre Batman e Superman, uma dessas tendências − a primazia do respeito aos direitos humanos em todas as suas expressões – nitidamente norteia os comportamentos e atitudes dos personagens, brindando-nos com exemplos da preocupação com o Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA), o ramo do direito destinado a regular as hostilidades e o uso da força nas guerras.

É bem verdade que o filme não retrata uma guerra, na acepção clássica do termo. Mas apenas para exercitar nossa criatividade, imaginemos os dois heróis e o inimigo comum deles como sendo, cada um dos três, forças armadas inteiras, enfrentando-se no campo de batalha mais comum nos conflitos modernos: as cidades. Afinal, poderes eles têm de sobra.

O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA HUMANIDADE

Pode-se tolerar que o Superman, uma verdadeira arma de destruição em massa, com seus poderes virtualmente ilimitados, com potencial para facilmente aniquilar toda a humanidade, permaneça imune a qualquer tipo de controle conhecido? Essa argumentação remete-nos ao princípio da humanidade do DICA, que por sua vez encerra duas concepções.

A primeira delas é a de que nos conflitos armados deve-se sempre evitar o sofrimento desnecessário ou desumano. Parece algo contraditório, mas não é. Trata-se de uma questão de atitude ética, de piedade ativa, de compaixão, de filantropia. Por exemplo, as armas cegantes ou as que não deixam no corpo humano vestígios detectáveis por meio de raio X (nem com a visão do Superman) são proibidas. Muito mais do que um critério médico, a definição do que seria “sofrimento desnecessário” na guerra é, na verdade, uma construção filosófica.

A segunda concepção é a de que o Direito Internacional dos Conflitos Armados tem como fundamento jurídico a tutela da humanidade, entendida como “o conjunto dos seres humanos”. O fato de o Superman ser um artefato bélico ameaçador à existência da espécie humana serve de motivação para o homem-morcego querer neutralizá-lo.

Não por acaso, o DICA também é denominado Direito Internacional Humanitário (DIH).

O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA LIMITAÇÃO

“No amor e na guerra vale tudo”, já disse o poeta. Na guerra, certamente não.

As cenas iniciais do filme de 2016 remetem o espectador ao filme Superman II, de 1980, quando o General Zod e seus comparsas “kriptonianos” chegam à Terra, seguindo-se uma luta ferrenha travada no interior da cidade. Esse ponto – o foco nos danos colaterais causados à cidade – é exatamente um dos principais trechos explorados pelo roteiro de Batman versus Superman (2016), diferentemente do que se viu no filme de 1980, quando pouca importância foi dada à destruição da cidade como resultante da luta ilimitada.

Na guerra, o direito de as partes escolherem os meios e métodos de combate não é ilimitado. É proibido atacar civis, instalações ou veículos médicos, patrimônios culturais ou áreas de preservação ambiental. Em Superman II, o homem de aço e seus três algozes representam artefatos (meios) e ações (métodos) cujos efeitos, por serem ilimitados, atingem catastroficamente a área urbana e os seus habitantes.

O próprio Superman – muito embora aqui e ali consiga evitar alguns resultados indesejáveis desses combates – também não se mostra consciente de que a luta urbana travada no horário de rush representa uma clara violação ao princípio da limitação.

Em contraste com a luta travada em 1980, a mensagem que as cenas iniciais de Batman versus Superman (2016) pretendem passar é bem distinta. Agora, não apenas os danos do conflito entre Zod e Superman para os civis deixam de ser mostrados, como a própria morte de um dos civis desaguará na questão ética da tolerância ou não para com a arbitrariedade de um poder sem limites.

Mais à frente é exposta, novamente, a preocupação com a limitação dos efeitos dos combates. Tendo Zod sido ressuscitado e transformado num monstro horrendo e poderosíssimo, a trama posiciona as partes em conflito numa ilha que havia sido evacuada, e na qual se travará a batalha decisiva, dessa vez afastada dos civis.

O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DISTINÇÃO

É sobre o princípio da distinção que se assenta todo o edifício protetivo do DICA. Ele baseia-se na separação entre civil x combatente e entre bem civil x objetivo militar. Só combatentes e objetivos militares podem ser atacados.

No filme, há uma nítida preocupação em mostrar que os ataques desfechados pelos dois heróis não estão sendo direcionados aos civis (população) nem aos bens civis (edifícios), muito embora a outra parte, “o inimigo”, o esteja fazendo.

Note-se ainda que o esforço do vilão Lex Luthor em imputar ao Superman ações violentas (que ele não cometeu) sempre envolve civis inocentes. Essa propaganda negativa busca aumentar no Batman a convicção de que o Superman precisa mesmo ser neutralizado, dada sua cruel despreocupação para com a distinção entre quem pode e quem não pode sofrer os efeitos de suas ações “bélicas”. A cena da explosão do Capitólio é, nesse sentido, emblemática.

O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA PROPORCIONALIDADE

Um ataque deverá ser anulado ou interrompido quando puder causar ferimentos ou perdas de vidas humanas que seriam excessivos em relação à vantagem militar esperada. Ou seja, a proporcionalidade leva em conta a confrontação vantagem militar versus danos colaterais.

Na prática, imaginemos uma balança na qual os pratos estejam aferindo, de um lado, a vantagem militar e, do outro, os danos colaterais oriundos da ação. O ataque somente será proporcional quando o prato da vantagem militar estiver consideravelmente mais elevado que o prato dos danos colaterais.

Ressalvados a licença poética e os traços de um ambiente caótico e carente da intervenção de super-heróis, o roteiro do filme mostra que a proporcionalidade modificou-se (legitimou-se) na exata medida em que a vantagem militar obtida maximizou-se.

Se, no início do filme, a vantagem militar decorrente de uma eliminação do General Zod era pouco clara, isso muda significativamente na batalha final: agora, como a vantagem militar em jogo é a destruição do monstrengo com potencial para varrer a espécie humana, os danos colaterais resultantes são toleráveis e, portanto, a ação torna-se lícita.

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