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A Marcha da Insensatez Hoje


Leonam dos Santos Guimarães
Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente
Eletrobras – Eletronuclear

 

 
No seu livro “A Marcha da Insensatez: de Tróia ao Vietnã”, Bárbara W. Tuchman demonstrou, através de exemplos históricos, que governos nacionais executam atos autodestrutivos por não reconhecerem a existência de alternativas mais razoáveis com respeito aos interesses das próprias nações que representam. Ela ainda identifica a causa fundamental desses desatinos: a impotência da razão ante os apelos da cobiça, da ambição egoísta e da covardia moral.

Ao longo desse ano de 2015 temos visto se sucederem comemorações dos 70 anos do fim da II Guerra Mundial. As cicatrizes por ela deixadas nos fazem recordar as terríveis consequências de conflitos entre grandes potências militares. Nesse contexto, os governos atuais dessas potências deveriam pautar suas ações na redução do risco de confrontos no futuro. Infelizmente, quando se analisa suas condutas recentes, eles têm agido no sentido oposto.

O orgulho nacional e a pressão política doméstica para "mostrar a bandeira" e "demonstrar credibilidade" têm sistematicamente sido sobrepostos ao bom senso na condução da política externa das grandes potências. Diversas de suas ações recentes se aproximam perigosamente dos momentos mais “quentes” da Guerra Fria.

Por exemplo, a Rússia tem repetidamente feito voos militares provocativos perto do espaço aéreo dos membros da OTAN, especialmente as três repúblicas bálticas. Em uma ocasião, bombardeiros russos chegaram até mesmo a sobrevoar áreas próximas a espaço aéreo da Grã-Bretanha. A natureza tola de tais manobras foi sublinhada pela obsolescência tecnológica dos aviões bombardeiros que as perpetraram, Tu-95 “Bear”, operacionais desde 1952. Os comandantes militares britânicos e da OTAN não seriam provavelmente suscetíveis à intimidação por armamento de tecnologia tão antiga. Desse modo, tais sobrevoos consistiriam numa combinação do inútil com o desagradável, ou seja, o epítome de uma provocação desnecessária.

Os voos por aviões de combate e vigilância russos modernos na região do Báltico são mais graves, como também são incidentes que tem envolvido navios de guerra russos operando perto das águas territoriais de vários países europeus. As autoridades norte-americanas e da OTAN têm repetidamente denunciado tal conduta.

Por outro lado, os membros da OTAN também se engajaram em ações provocativas desnecessárias. Em fevereiro de 2015, a aliança realizou exercícioscom tanques e 1.400 militares perto de Narva, Estônia, chegando a apenas 200 metros da fronteira russa. No final de maio, aviões russos interceptaram um contra-torpedeiro dos EUAque estava operando no Mar Negro, adjacente às águas territoriais da Rússia, perto de sua base naval na península da Criméia.

Tais gestos certamente não proporcionam benefícios militares tangíveis. A realização de manobras com as forças terrestres nas repúblicas bálticas é uma questão simbólica. Um oficial de alta patente da OTAN admitiu recentemente que a Rússia poderia ocupar todos os três estados bálticos em questão de dias, se Moscou efetivamente quiser dar esse passo temerário. A menos que a OTAN esteja disposta a lutar uma guerra em grande escala com uma Rússia dotada de um enorme arsenal de armas nucleares, a aliança pouco poderia fazer para evitar tal resultado.

Manobras militares na escala de batalhão, como as que têm sido feitas, não são susceptíveis de pesar decisivamente na avaliação do Kremlin sobre a real possibilidade da OTAN honrar sua promessa de que o ataque contra um membro seria considerado um ataque contra todos. Vladimir Putin e seus assessores podem acreditar nesse compromisso ou o considerarem um blefe, mas gestos militares simbólicos como essas manobras provavelmente não alteram de maneira significativa seus cálculos.

Do outro lado do mundo, as grandes potências também exibem uma tendência crescente de se envolver em gestos provocativos, elevando os riscos de confronto. Isso é especialmente verdadeiro em relação à disputa territorial em curso entre a China e Japão sobre as ilhas Senkaku/Diaoyu no Mar da China Oriental. Barcos de pesca chineses frequentemente entram nas águas no entorno dessas pequenas ilhas e aeronaves militares chinesas os sobrevoam bem de perto. Em novembro de 2013 Pequim proclamou uma zona de identificação de defesa aérea (Air Defense Identification Zone– ADIZ) sobre a disputada região, apesar das objeções veementes de Tóquio e Washington. Aviões norte-americanos imediatamente desafiaram essa nova zonae realizaram voos militares através desse espaço aéreo, sem notificar a China.

As tensões estão claramente em ascensão. O Japão mobilizou seus caças para interceptar aviões chinesessobre o Mar da China Oriental 415 vezes entre março de 2013 e março de 2014 e o ritmo não diminuiu sensivelmente desde então. Por outro lado, a China tem repetidamente interceptado voos de vigilância japoneses e americanos dentro ou perto dos territórios em disputa.

Quando aviões militares rivais operam em tal proximidade, um mero erro de cálculo ou um acidente poderia provocar um incidente extremamente desagradável, com risco de escalada. Isso é, precisamente, o que aconteceu na primavera de 2001, quando um avião espião dos EUA colidiu com um avião de combate chinêsperto da ilha chinesa de Hainan. A crise resultante durou semanas antes que as cabeças se esfriassem e uma solução diplomática fosse alcançada.

Poderíamos pensar que Pequim e Washington teriam aprendido com essa experiência alarmante e tomassem medidas para evitar perigos semelhantes, mas há pouca evidência disso. Na verdade, ambos os países estão atualmente empenhados numa postura arriscada sobre o Mar do Sul da China. Pequim tem ameaçado proclamar uma ADIZ também nessa região, apesar das disputas territoriais multifacetadas em curso com os seus vizinhos. Washington está aprofundando seu envolvimento nas tensões subjacentes a essas disputas, incluindo a realização de patrulhas aéreas e marítimas na área.

Seria ruim o suficiente caso um conflito entre grandes potências irrompesse devido a contraditórios intratáveis sobre questões substantivas cruciais. Seria, entretanto, ainda pior se tal tragédia ocorresse porque os rivais se envolvessem num conflito decorrente de posturas simbólicas irrefletidas. Infelizmente, essa parece ser a tendência tanto no Leste Asiático como no Leste Europeu. Seria sensato que todas as partes envolvidas renunciassem a tais condutas de forma a reduzir o nível de risco, que hoje é alto e crescente. É preciso parar a marcha da insensatez antes que seja tarde demais.

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