Nota DefesaNet
Republicação da Série de 3 Matérias publicadas originalmente pela Agência Brasil, em 18 Janeiro 2006.
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O Editor
André Deak e Bianca Paiva
Agência Brasil
Brasília – Há mais de 50 anos o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira tem como objeto de estudo os Estados Unidos da América. Em entrevista à Agência Brasil, ele fala sobre os "cerca de 6.300 militares americanos [que] estiveram baseados ou realizaram operações na região da Amazônia entre 2001 e 2002", conforme revela no livro Formação do Império Americano. Da guerra contra a Espanha à guerra do Iraque.
Leia, abaixo, a entrevista concedida no escritório de seu amigo, o secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães ( Nota DefesaNet o secretário-geral é o segundo em importância logo após o Chanceler).
Agência Brasil: O que o senhor diz da presença dos Estados Unidos na América do Sul?
Moniz Bandeira: Os Estados Unidos estão realmente criando, já há muitos anos, um cinturão em volta do Brasil.
ABr: De bases militares?
Moniz Bandeira: De bases militares sim. Base de Manta, no Equador, e outras, no Peru, na Bolívia. Algumas são permanentes, outras são para ocupação ocasional. Como essa do Paraguai, que não é propriamente uma base: eles têm uma pista construída desde a década de 80, maior do que a pista do Galeão (no Rio de Janeiro, a maior pista de pouso do Brasil, com 4.240 metros de extensão).
Agora a notícia é de terão 400 soldados (norte-americanos, no Paraguai). Fazem exercícios conjuntos, juntam grupos para fazer exercícios perto da fronteira do Brasil ou em outros pontos. O mais curioso nisso tudo, e aí sim levanta muita suspeita: primeiro, a concessão de imunidade aos soldados americanos; segundo, a visita de Donald Rumsfeld (secretário de Defesa dos EUA) a Assunção, capital do país; terceiro, o fato de que Dick Cheney (vice-presidente norte-americano) recebeu nos Estados Unidos o presidente do Paraguai. O que representa o Paraguai para os Estados Unidos? Isso é só uma forma de perturbar o Mercosul.
ABr: Analistas dizem que hoje o Paraguai cumpre a função de aliado dos EUA, que um dia cumpriu a Argentina, com o presidente Carlos Menem, e depois o Uruguai, com Jorge Battle.
Moniz Bandeira: É o que eles tentam, primeiro a Argentina de Menen, depois o Uruguai de Battle, agora querem manipular o Paraguai. É uma situação delicada. O Paraguai não tem peso. Inclusive, se o Brasil fiscalizar a fronteira, acaba o Paraguai, porque a maior parte das exportações do Paraguai é contrabando para o Brasil.
O Paraguai, oficialmente, destina ao Brasil mais de 30% de suas exportações. Se considerar o contrabando, sobe para mais de 60%. E mesmo para exportar para outros países depende substancialmente do Brasil, dos corredores de exportação que levam para os portos de Santos, Paranaguá e Rio Grande. O Paraguai é um país com muitas dificuldades, se superestima, e não cai na realidade. Cada país tem que ver suas limitações, relações reais de poder. O Paraguai é inviável sem o Brasil e a Argentina. A Argentina está solidária com o Brasil, não tem interesse no Paraguai como instrumento dos Estados Unidos para ferir o Mercosul.
ABr: Onde estão, especificamente, os militares norte-americanos que formam esse "cinturão" ao redor do Brasil?
Moniz Bandeira: Eles se estendem desde a Guiana, passam pela Colômbia… Sobretudo não são militares fardados, mas empresas militares privadas, que executam uma série de serviços terceirizados para os Estados Unidos. O Pentágono está terceirizando a guerra. Eles criaram, já há algum tempo, desde o início dos anos 90 as Military Company Corporations [Companhias Militares Privadas, em inglês], que executam os serviços militares justamente para fugir às restrições impostas pelo Congresso americano. Pilotam aviões no Iraque, por exemplo. As companhias militares privadas estão fazendo tudo, até torturando. Com isso, escamoteiam as restrições impostas.
ABr: Existem também operações secretas?
Moniz Bandeira: Sim, mas isso é outra coisa. Sabemos dessas informações. Se você ler os jornais, verá, às vezes, que foi interceptado um avião americano no Brasil que voava da Bolívia para o Paraguai clandestinamente. Essas informações estão espalhadas em vários lugares.
ABr: Qual a razão desses militares norte-americanos na América do Sul?
Moniz Bandeira: Diversos fatores. As bases permitem a manutenção de grandes orçamentos para o Pentágono. Por causa da indústria bélica, do complexo industrial militar nos EUA, eles precisam gastar seus equipamentos militares para novas encomendas. É um círculo vicioso. E qual é o mercado para o consumo dos armamentos? A guerra.
Os EUA têm interesse na guerra porque a sua economia depende em larga medida do complexo bélico, para inclusive manter empregos. Há certas regiões dos EUA dominadas totalmente pelo interesse dessas indústrias. Há uma simbiose entre o estado e a indústria bélica. O estado financia a indústria bélica e a indústria bélica necessita do estado para dar vazão aos seus armamentos e a sua produção.
ABr: Existe alguma razão estratégica do ponto de vista dos recursos naturais?
Moniz Bandeira: Os países andinos são responsáveis por mais de 25% do petróleo consumido nos Estados Unidos. Só a Venezuela é responsável por cerca 15% desse consumo. De um lado querem derrubar o (presidente venezuelano Hugo) Chávez, de outro sabem que uma guerra civil ali levaria o preço do petróleo a mais de US$ 200 o barril.
EUA alegam combater terrorismo para justificar presença
militar na América do Sul, avalia estudioso
Agência Brasil: No livro Formação do Império Americano, o senhor fala sobre a presença de militares norte-americanos na América do Sul. Os Estados Unidos garantem que muitos desses militares estão na região para combater o terrorismo.
Luiz Alberto Moniz Bandeira: Combater o terrorismo é uma besteira. O terrorismo não é uma ideologia, não é um Estado. É uma ferramenta de luta, é um método que todos usaram ao longo da história. O que eles querem combater agora é o terrorismo islâmico. Mas por que surgiu esse fenômeno do terrorismo islâmico?
Com a presença dos EUA na Arábia Saudita ocupando os lugares sagrados, por exemplo. Antes disso, ainda, Os EUA insuflaram o terrorismo islâmico contra os soviéticos, no Afeganistão. Começou aí.
ABr: Os EUA classificam de terroristas o Exército Zapastita de Libertação Nacional do México e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Estão certos?
Moniz Bandeira: Eles desejam que todos que os se insurgirem contra eles sejam considerados terroristas. Sempre foi assim. Hitler chamou de terroristas todos os que resistiam à ocupação alemã. Os companheiros que foram da luta armada aqui no Brasil contra o regime autoritário foram chamados de terroristas.
O terrorismo é um método de guerra, usado inclusive pela CIA [sigla em inglês para a Agência Central de Inteligência dos EUA]. O que a CIA fez contra Cuba? Planejou até um atentado, derrubando um avião, para acusar o governo cubano e justificar a invasão de Cuba. Planejou explodir o foguete que levaria John Glenn ao espaço para acusar Cuba e invadi-la. A CIA sempre foi um instrumento de terrorismo. Os EUA definem o terrorismo como sendo uma organização a serviço de um estado que pratica atos de violência com objetivos políticos. É exatamente o que CIA sempre fez.
A CIA, o Mossad [a agência de inteligência israelense] e outros serviços. Quem são terroristas? Ariel Sharon, David Ben Gourion e Menachem Begin foram terroristas. Eles explodiram em 1946 o King David Hotel em Jerusalém, matando pessoas contra o domínio inglês. Venceram e hoje são estadistas.
ABr: Os Estados Unidos dizem que existem terroristas na tríplice fronteira.
Moniz Bandeira: Besteira também. Apenas porque existam lá islâmicos. Porque eles mandam dinheiro privadamente para suas famílias. Que esse dinheiro seja desviado para outras atividades ninguém pode impedir. É um pretexto para justificarem a sua presença no Paraguai e em outras partes da América do Sul. Os Estados Unidos são o único país que tem um exército não para defesa do país, mas para manter bases americanas pelo mundo.
ABr: A presença de bases americanas pode atrair o terrorismo?
Moniz Bandeira: A maior quantidade de ataques terroristas contra os Estados Unidos, até recentemente, foi na América latina. Grande parte contra militares, empresas privadas norte-americanas e contra os oleodutos na Colômbia. Mas eles podem forjar um atentado terrorista em Foz do Iguaçu para acusar terroristas e, na verdade, foi praticado pela CIA. Eles fazem isso. Isso é guerra psicológica. A CIA cansou de fazer isso, inclusive aqui no Brasil. Veja o caso do Rio Centro: um atentado preparado para justificar a repressão.
Brasil trabalha para evitar a presença norte-americana
na América do Sul, diz professor
Agência Brasil: Qual o interesse do Brasil na América do Sul?
Moniz Bandeira: Ao Brasil interessa a estabilidade da América do Sul. E também não interessa a presença americana na América do Sul.
ABr: Mas como é que se pode evitar isso?
Moniz Bandeira: Evitando a entrada das Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] aqui. O exército está preparado. Existe uma operação para prevenir uma eventual invasão da Amazônia pelos norte-americanos. Os norte-americanos precisam do Brasil, porque o Brasil é um país moderado, fator de moderação. E é claro que isso interessa ao Brasil, ser um fator de moderação na América do Sul, entre os EUA e a Venezuela, por exemplo.
ABr: Mas o Brasil não consegue evitar que países como o Paraguai, por exemplo, façam acordos bilaterais com o EUA.
Moniz Bandeira: Consegue. Se o acordo ferir o Mercosul, o Paraguai é expelido e o Brasil aplica sanções. Os países do Mercosul têm acordos que tem serem cumpridos. E eles não podem correr o risco de saírem do Mercosul, porque dependem do mercado brasileiro, que é mais certo do que o mercado norte-americano. O Uruguai vai vender carne para os Estados Unidos, ou arroz? É muito mais barato exportar para o Brasil do que para os EUA.
ABr: O Brasil teria como evitar a presença militar norte-americana em países que estão fora do Mercosul?
Moniz Bandeira: O Brasil não pode interferir na soberania dos outros países. O Brasil também não está competindo com os Estados Unidos, não é caso. No caso do Mercosul sim, aí é diferente porque há compromissos, tratados. Não pode fazer um acordo de livre comércio com o EUA e manter a tarifa dentro de uma união aduaneira em que há uma tarifa externa comum.
ABr: O presidente mexicano, Vicente Fox, já declarou ter interesse em levar seu país ao Mercosul. É possível?
Moniz Bandeira: É ridículo quando o presidente Fox diz que o México quer entrar no Mercosul. Essa é uma jogada a serviço do Estados Unidos, porque o México não pode compatibilizar a Alca [Área de Livre Comércio da América, proposta pelos EUA] com o Mercosul. Nem o Mercosul tem uma tarifa externa comum como o Nafta [sigla em inglês para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte]. É um acordo entre Estados Unidos, México e Canadá, sem tarifas externas. É uma área de livre comércio pura e simplesmente, então não é possível compatibilizar os compromissos do Mercosul com os do Nafta. Conciliar o México com o Mercosul é impossível. Aliás, não é um país do sul, é um país do norte.
Estudo do Exército detalha presença militar
norte-americana na América do Sul
André Deak
Colaborou Bianca Paiva
Agência Brasil
Brasília – Há muito tempo a América do Sul tem sido uma área estratégica para os Estados Unidos, o que levou os norte-americanos a trazerem militares na região. Exemplo maior talvez tenha sido a Doutrina Monroe, aprovada pelo Congresso norte-americano em 1823. Surgida como forma de impedir a recolonização européia da América, com o tempo serviu para o intervencionismo norte-americano em diversos países, e prolongou até mesmo durante a guerra fria, quando foi reutilizada pelo presidente John Kennedy (1962) para justificar a luta contra o comunismo na região, especificamente contra Cuba.
Atualmente, os EUA não justificam mais sua presença militar na América do Sul com a Doutrina Monroe, mas, principalmente, com a necessidade de combater o narcotráfico. Um estudo militar brasileiro fornece detalhes sobre a localização dos militares norte-americanos na região. O trabalho, apresentado em 2002 na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, questiona se "o verdadeiro cinturão de forças em torno das fronteiras brasileiras, particularmente na área amazônica, seria utilizado para outros fins, ainda não declarados".
O professor aposentado da Universidade de Brasília Luiz Alberto Moniz Bandeira, que há mais de 50 anos tem os Estados Unidos como objeto de estudo, vê com preocupação a presença norte-americana na região. "As bases permitem a manutenção de grandes orçamentos para o Pentágono. Por causa da indústria bélica, eles precisam gastar seus equipamentos militares para novas encomendas. É um círculo vicioso", explica.
Em outubro, Brasil e Uruguai se manifestaram contra a possibilidade da construção de uma base americana dentro do Mercosul, no Paraguai – boato negado pelo governo paraguaio. A suspeita surgiu a partir de um acordo que o país fez para que militares dos EUA façam treinamentos conjuntos na região da Tríplice Fronteira até 2006. Os Estados Unidos têm acordos similares com diversos outros países da América, muitos deles vizinhos brasileiros.
Nota DefesaNet O trabalho mencionado no artigo acima é: "PRESENÇA NORTE-AMERICANA NOS PAÍSES DA AMÉRICA DO SUL", de autoria do Cel Inf JOSÉ ALBERTO DA COSTA ABREU. O trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, para obtenção parcial do Ccertificado de Cspecialização em Política, Estratégia e Alta Administração Militar. Foram orientadores os oficiais: Cel Eng JOAQUIM MAIA BRANDÃO JÚNIOR O trabalho menciona artigos do DefesaNet e fez parte da turma do ano de 2002.. |
Órgão dos EUA coordena estratégias
político-militares para América do Sul
Keite Camacho
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Prevenir "instabilidades" na América do Sul que ameacem os interesses dos Estados Unidos é a primeira meta da política externa norte-americana para a região. Para isso os EUA desenvolveram organismos militares e sistemas de influência na região, como, por exemplo, o organismo chamado Comando Sul (Southern Command, em inglês).
A análise é de um estudo militar brasileiro sobre a presença norte-americana na América do Sul. O trabalho, apresentado em 2002 na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, afirma que "o instrumento utilizado pelos EUA para minimizar ameaças à estabilidade regional será um misto de uso da força com ações diplomáticas, políticas e/ou econômicas".
Cerca de 850 oficiais e 130 civis trabalham no Comando Sul, que fica em Miami, no estado norte-americano da Flórida. Entre os aspectos privilegiados pelos Estados Unidos estão obter e manter bases militares para dar apoio a operações militares, reforçar ações de combate ao narcotráfico e formar uma rede de instalações militares em todos os países. Essa rede trabalharia, segundo o estudo, para formar uma "rede de confiança" local, ajudando na construção de estradas, escolas, aeroportos e hospitais.
Sob o controle do Comando Sul existem três Localidades de Operações Avançadas (FOL, na sigla em inglês) na América. Uma delas em Manta, no Equador, outra em Aruba/Curaçao e a última em Comalapa, em El Salvador. O argumento americano é a necessidade da presença contínua para o combate ao narcotráfico.
Segundo o estudo do Exército, "com a operação das FOL, os EUA têm atendida a estratégia de manter a presença e o monitoramento do espaço aéreo na América Latina e no Caribe, incluindo parte do território brasileiro, particularmente a região amazônica".