ÁGUA – Falta de obras pode levar metrópoles a enfrentar escassez

 

As dez maiores regiões metropolitanas do país podem enfrentar problemas de abastecimento de água na próxima década por terem deixado de fazer obras de infraestrutura hídrica, conforme alerta feito em 2011, quando a Agência Nacional de Águas (ANA) propôs uma lista de intervenções para os governos. A orientação, porém, ainda não foi totalmente cumprida. Das 16 obras mais importantes para as áreas citadas na última edição do Atlas Brasil de Abastecimento Urbano de Água, cerca de 70% não começaram ou ainda estão em andamento, segundo levantamento feito pelo GLOBO. Apenas cinco projetos foram concluídos. O relatório sugeria investimentos de R$ 6,9 bilhões nessas dez regiões mais populosas.

A conclusão dos técnicos da ANA é que, se os governos não concluírem as intervenções necessárias até o ano que vem, cerca de 30% da população do país enfrentarão escassez de água a partir de 2025. Somadas, as dez principais regiões metropolitanas do Brasil abrigam 62,5 milhões de habitantes, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ambientalistas e engenheiros especializados em recursos hídricos argumentam que os atrasos na execução de obras ligadas a saneamento básico e abastecimento de água estão relacionados à dificuldade técnica para tocar projetos de grande porte, à falta de oferta de água perto dos centros urbanos e à demora para conseguir licenças ambientais e concluir as licitações.

– As regiões metropolitanas não têm fonte de água suficiente para abastecer uma demanda que não para de crescer. Por isso, o poder público precisa gastar mais dinheiro e ir buscar água cada vez mais longe -afirma o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.

O governo federal financia, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), 12 das 16 obras. No Paraná, por exemplo, a União vai desembolsar parte dos R$ 87 milhões para construir uma represa planejada desde 2011 e que, até hoje, não começou a ser tocada. A barragem no Rio Miringuava, em São José dos Pinhais, deve dobrar a quantidade de água que a região retira deste rio.

Dados do governo paranaense mostram que, em 2011 e 2012, a capacidade do sistema de abastecimento esteve abaixo da demanda, o que deixou a região perto de uma crise. O governo tem a expectativa de que a represa fique cheia em dois anos. A barragem ajudaria a evitar racionamento. Durante boa parte do ano passado, o projeto foi alvo de discussões em audiências públicas para avaliar os impactos ambientais. Os serviços são previstos para começar este ano, mas ainda sem data definida. Em Porto Alegre, o licenciamento ambiental está sendo aguardado há pelo menos três anos pelo Departamento de Água e Esgotos (Dmae) da prefeitura, que planeja captar água no delta do Rio Jacuí, com investimentos previstos de R$ 86 milhões. O Dmae pretende investir outros R$ 200 milhões em obras para aumentar a distribuição de água na zona sul da capital gaúcha.

Cantareira é o mais atingido

Embora outras áreas do país tenham sofrido com a falta de chuva no último verão, nenhuma região metropolitana enfrenta situações tão alarmantes quanto as de Campinas e São Paulo. O sistema Cantareira, conjunto de cinco reservatórios que abastece 12 milhões de pessoas nas duas áreas, terminou a semana com 14,6% da capacidade.

Para aumentar o abastecimento na região de Campinas, reservatórios estão sendo construídos pelos municípios de Indaiatuba e Nova Odessa, que tentam buscar fontes de financiamento para tocar os projetos. O Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee), do governo do estado, informou que a construção de duas barragens, Pedreiras e Duas Pontes, no entanto, ainda está em fase de projeto. Elas devem ser entregues em julho de 2018, se o cronograma atual for seguido à risca.

Atendendo a propostas feitas no relatório da ANA para a Grande São Paulo, o governo entregou, em 2011, obras orçadas em R$ 418 milhões para aprimorar a capacidade de tratamento de água no sistema Alto Tietê, e iniciou os trabalhos para aumentar a vazão do sistema Guarapiranga. Em dez dias, segundo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), deve começar a construção de um canal de 80 quilômetros de extensão para buscar água na represa Cachoeira do França, em Ibiúna. O chamado sistema São Lourenço será o primeiro produtor de água para a região metropolitana construído desde 1993, quando o Alto Tietê entrou em funcionamento, e tem o objetivo de beneficiar 1,5 milhão de pessoas.

Algumas obras, porém, tiveram prosseguimento. No último dia 19, foi inaugurado em Fortaleza o Eixão das Águas, um projeto que envolveu a construção de um canal de 255 quilômetros de extensão para levar água do Açude Castanhão, entre Jaguaribara e Jaguaribe, no interior, até a capital do Ceará. Dividida em cinco lotes, a obra custou R$ 1,5 bilhão e levou 12 anos para ficar pronta. O objetivo do Eixão é garantir o abastecimento da região metropolitana de Fortaleza até 2030, caso as condições de chuva se mantenham estáveis, segundo a Secretaria Estadual de Recursos Hídricos. O sistema é capaz de abastecer a área durante três anos de seca, dizem especialistas.

Também ainda não foram concluídas obras do relatório da ANA em Salvador (ampliação e adequação de unidades da estação de tratamento de água da cidade), Distrito Federal (construção de barragem para aumento da garantia hídrica do manancial Formosa) e Recife (construção de alimentadores e anéis secundários para incrementar a oferta do reservatório Pirapama). Procurados, os governos da Bahia, Distrito Federal e Pernambuco não responderam às perguntas feitas pela reportagem sobre projetos para garantir o abastecimento de água. Além de investir na construção de novas represas e em canais hídricos, os governos devem começar a pensar em gastar dinheiro com o reaproveitamento da água do esgoto, na opinião de especialistas como o professor Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra), órgão ligado à Universidade de São Paulo (USP).

Namíbia reusa esgoto há 40 anos

Segundo Hespanhol, buscar água em bacias hidrográficas de outras regiões é uma solução ultrapassada, que reproduz o modelo dos aquedutos construídos durante o Império Romano.- Os gestores públicos só sabem botar tubo e bombear água. É o mesmo modelo dos aquedutos romanos, de milhares de anos atrás. Temos que mudar esse paradigma. Segundo ele, em todo o mundo cidades que têm pouca água à disposição investem no reúso do esgoto. Windhoek, capital da Namíbia, transforma esgoto em água potável há cerca de 40 anos. Cingapura, além de cidades de México, Israel e Estados Unidos criaram projetos de reúso bem-sucedidos na última década.

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