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PCC compra” militares estrangeiros na fronteira

Alessandra Modzeleski e Renato Souza

Fundado ainda em 1993, o grupo paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) foi o responsável pelo maior assalto da história do Paraguai em abril deste ano. Ali, atuou a 1.044km de São Paulo, mais precisamente em Ciudad del Este. Pelo menos 30 homens com armamento de guerra, como metralhadoras, fuzis e explosivos, roubaram US$ 40 milhões de uma empresa de transporte de valores. Isso foi a parte exposta até aqui.

O que não se sabia até agora era que a facção — que, dentro de prisões, desafia autoridades brasileiras com execuções a sangue frio e rebeliões cada vez mais violentas — também passou a comprar o apoio de policiais e militares de países vizinhos para garantir o sucesso das violentas ações.

“A maior dificuldade da Polícia Federal no Paraguai é com o exército local, porque o PCC corrompeu boa parte desses militares”, revelou uma fonte de alta patente do Ministério da Defesa ao Correio. A maior vulnerabilidade na fronteira do Brasil está nos estados do Rio Grande do Sul até o Mato Grosso, em que a divisa é com países como o Uruguai, Paraguai e Bolívia. “Nessas regiões, os países se confundem.

As cidades viram uma só, são muito vivas e mescladas. Nesse cenário, as atividades criminosas têm facilidade em ultrapassar a fronteira e se associar com outros grupos”, explicou o general Santos Cruz, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP).

O crescimento dessas facções tem uma simples e única explicação: o lucro. “O crime organizado, principalmente as duas maiores facções do país, o PCC e o Comando Vermelho (CV), nada mais são do que uma empresa”, classificou o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), Marco Antônio Severo. O diretor explica que o objetivo dessas facções não é acabar com rivais. “O conflito começa quando alguém oferece resistência para que ele estabeleça comércio de droga no local, por exemplo.”

 

Severo relembra a morte do traficante paraguaio Jorge Rafaat no ano passado na região de fronteira no Mato Grosso do Sul. Rafaat morreu com tiros de fuzil, em uma emboscada, em decorrência de uma guerra do tráfico na região com o PCC e o CV. “Isso aí é uma evolução comercial, se virmos isso pela ótica empresarial. O PCC só vendia, mas depois passou a ser o primeiro recebedor da droga para distribuir para o Brasil e para Europa”, destacou.

“Existe essa tentativa de expansão, de domínio territorial. Assim como o combate tem que ser permanente, eles também têm essa tendência de expansão permanente. Sabe-se que uma parte da droga entra pela fronteira, assim como armamento. Em todo esse ambiente criminoso, eles têm tentativa de domínio”, exemplificou o general Santos Cruz.

Atualmente, o sistema penitenciário federal hospeda a grande maioria das lideranças de facções criminosas. Mas isso não impede que esses grupos cresçam. “Porque é aquela história: não tem vácuo no poder. Quando se tira de circulação o líder de uma facção de alto nível, logicamente outro vai assumir o lugar dele do lado de fora”, argumentou Marco Antônio.

De dentro dos presídios federais, há cuidado para que lideranças não se comuniquem ou até mesmo estejam na mesma vivência, além de serem acompanhadas. No entanto, o controle nem sempre ocorre em presídios estaduais, resultando em rebeliões, chacinas e até refletindo na segurança pública fora das grades, em grandes centros urbanos.

“Sem dúvida nenhuma, o crime organizado tem ligação com a violência externa e as atividades dentro de presídios. Existe uma disputa territorial. Tem-se conhecimento nítido disso. Tem que haver integração de inteligência de todos os órgãos”, defendeu Santos Cruz.

Para ele, é necessária uma integração entre o governo federal, estados e municípios para que essas facções não interfiram na segurança dos grandes centros urbanos. “O governo federal precisa participar de maneira mais intensa em segurança pública. Há uns anos, o crime não era tão organizado. Precisamos evoluir principalmente em tecnologia e criar uma base nacional de dados”, defendeu.

Antes de assumir a DEPEN, Marco Antônio Severo ocupava o cargo de Comandante da Polícia Militar de São Paulo e lembra das ondas de ataque do PCC à cidade. “Aqueles episódios foram, em boa parte, respostas, retaliações às próprias ações da polícia, no endurecimento no combate ao tráfico, nas ações ao crime. A cada tentativa de intimidação ao poder público, a resposta tem que ser forte, cada vez mais firme”, enfatizou.

No entanto, a demora do governo em dar uma resposta efetiva ao crime organizado resulta em números impressionantes, de uma guerra urbana que assola a nação e invade cada vez mais estados com a segurança ainda mais vulnerável.

Dados do Atlas da Violência, que registra o número de crimes como homicídios, estupros e danos ao patrimônio, apontam que, após tomar capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, a violência avança nos estados do Norte e Nordeste. A situação mais grave é no Rio Grande do Norte, onde a taxa de homicídios avançou 220% em 10 anos.

GUERRA ABERTA NOS PRESÍDIOS

 

Nos estados do Amazonas, Tocantins, Maranhão, Sergipe e Ceará, a explosão de violência resultou em um aumento superior a 100% no número de homicídios. O especialista Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, relata preocupação com a situação extrema na crise da segurança no Brasil.

“Hoje, as mortes violentas fazem parte de toda a paisagem urbana das cidades. Há 10 anos, os números de assassinatos eram mais intensos nas cidades maiores, principalmente nas capitais. Isso se explica por conta da grande concentração de pessoas. Mas agora nós vemos a violência avançando para o interior do país, em municípios com menos de 100 mil habitantes”, ressalta.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 80% das armas usadas nos homicídios são de fabricação nacional. O que revela uma violência generalizada, entre a população, integrantes de gangues e de pequenos núcleos de crime.

Já pistolas e revólveres de fabricação nacional caem nas mãos de criminosos por meio de assaltos a empresas, seguranças particulares, a policiais e cidadãos que possuem porte de arma e acabam perdendo seu armamento para o crime.

 

Em suas recomendações ao governo, o Fórum pede a integração dos sistemas das forças de segurança, como o SINAB, usado pela Polícia Federal e o Sigma do Exército Brasileiro. A entidade defende a criação de um cadastro nacional de criminosos e de armas, a fim de identificar qualquer contrabando de armamento, que por ventura possa ser usado por criminosos.

FISCALIZAÇÃO

Em 2009, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a criação de grupos para fiscalizar a situação dos presídios brasileiros. A medida está prevista em uma resolução do conselho e tem como objetivo impedir rebeliões, atos de violência e a perpetuação de facções criminosas dentro dos centros de detenção em todo o país.

Os chamados Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) levam magistrados para dentro das unidades prisionais. Os presídios são locais que registram o crescimento rápido de grupos criminosos e maior facilidade das facções em cooptar novos integrantes. É de dentro das unidades prisionais que partem ordens para ataques nas capitais, execução de desafetos e de novas estratégias para o tráfico de drogas.

O juiz Antônio Dantas, titular da Vara de Execução Penal de Araguaína, do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), integra um dos grupos criados para fiscalizar o sistema carcerário. Antônio defende políticas sociais dentro das penitenciárias para combater a violência. “A fiscalização é importante para manter a segurança dentro dos presídios.

Mas temos que ter políticas públicas de reeducação dos internos e medidas que vão evitar que eles cometam novos atos criminosos ao saírem da cadeia”, diz Dantas.

 

O magistrado afirma que, nos presídios que visita, percebe que as facções criminosas já estão presentes.

 

“Infelizmente nós já temos a propagação de facções dentro dos presídios do Tocantins, como ocorre em outros estados.

 

Há alguns anos esse problema não existia. Mas hoje, quem manda nos presídios aqui do estado é o governo. Mas, em todo o país, temos um sistema prisional arcaico que colabora com a violência que vemos em todo o Brasil”, destaca o juiz.

 

O LÍDER

 

“Lúcido, determinado em seus objetivos e assertivo”. Essas são as características que o psicólogo Augusto Sá, da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, utiliza para descrever Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Augusto ficou frente a frente com o líder da maior facção criminosa do país quando precisou negociar o fim de ataques que ocorreram na capital paulista, em 2006. As palavras do profissional de saúde psicológica não se tratam de um elogio, mas de um alerta para o poder público e para a sociedade.

Foi à frente do Primeiro Comando da Capital (PCC) que Marcola organizou o domínio dos presídios no maior estado brasileiro. A facção reina entre as unidades prisionais de São Paulo, que reúnem 231 mil detentos, maior contingente de pessoas reclusas em todo o país.

Desde criança, Marcola já revelava tendências para o crime. Órfão aos 9 anos de idade, Marcos Willians andava pelas ruas de São Paulo, roubando carteiras e aparelhos de rádio na Zona Central da maior cidade da América do Sul.

 

Aos 18 anos, o chefe do PCC foi preso por roubo a banco e foi para o Complexo do Carandiru, onde se juntou aos primeiros integrantes do grupo que estava no começo, mas se tornaria um negócio do crime, alcançando praticamente todos os estados do país, e 25 anos depois partiria para além das fronteiras brasileiras.

 

Atualmente condenado a 232 anos e 11 meses por formação de quadrilha, roubo, tráfico de drogas e homicídio, Marcola rebate as afirmações de que comanda o PCC. “Não existe um ditador. Embora a imprensa fale, romanticamente, que existe um cara, o líder do crime.

 

Existem pessoas esclarecidas dentro da prisão, que com isso angariam a confiança de outros presos”, declarou o condenado em audiência pública na CPI do tráfico de armas em 2006.

 

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