EUA pressionam Brasil sobre Irã e política nuclear, mas sem sucesso

Apesar de o governo Jair Bolsonaro (PSL) ser declaradamente pró-americano, os EUA não tiveram sucesso em pressionar o Brasil a mudar sua política nuclear e a adotar uma postura mais agressiva em relação ao Irã.

As questões foram discutidas em encontros da sétima edição do Diálogo Bilateral sobre Não-Proliferação e Desarmamento por diversas autoridades brasileiras e o secretário-assistente de Estado para o setor, Christopher Ford.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o americano foi otimista e evidentemente não usou o termo pressão -ouvido do lado brasileiro. "Falamos sobre tudo, somos as duas maiores democracias do hemisfério", disse.

Membros do governo brasileiro ouvidos confirmaram a boa disposição, mas a concordância parou por aí. Ford admitiu, com efeito que "certamente temos diferenças" quando o assunto é a adesão do Brasil ao Protocolo Adicional de 1997 ao TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear).

Ele permite que a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) vistorie não só instalações declaradas para garantir que programas nucleares são pacíficos, mas também locais não declarados.

Na reunião, os brasileiros explicaram que a posse da bomba é proibida pela Constituição e que há um arcabouço de controle mútuo com a antiga rival Argentina montado desde 1994. Há anos a demanda americana é a mesma.

Além disso, e principal, o Brasil domina o ciclo de produção de combustível e está desenvolvendo o sistema de propulsão nuclear para seu futuro submarino do gênero. Uma adesão ao protocolo colocaria segredos industriais elaborados desde 1979, como tecnologia de ultracentrífugas, a céu aberto.

Por isso, o Brasil não se uniu aos 132 dos 189 aderentes do TNP que assinaram o protocolo. Estabeleceu, em sua Estratégia Nacional de Defesa de 2009, que só poderia aderir se potências nucleares abrissem mão de suas armas. Isso obviamente é utópico.

"Nosso desejo é um mundo sem armas nucleares", diz Ford. Foi então perguntado se a assertiva não seria hipócrita, dado o arsenal americano.

"Enquanto for necessário, teremos armas nucleares. Esperamos um dia não ter. É algo que não é fácil."

Para as potências nucleares, o protocolo é vital para coibir que eventual produção material físsil possa cair em mãos de terroristas ou ser usada em programas bélicos secretos.

A posição brasileira não tem a ver com querer a bomba, vetada também pela adesão, em 2017, ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares.

Isso não impediu que Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente à frente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, defendesse que que o Brasil tivesse tais artefatos para ser visto como "país sério".

Aqui Ford foi taxativo ao ser perguntado se os EUA apoiariam tal mudança de visão.

"Seria algo contraproducente, ainda mais tendo em vista o histórico de ter buscado isso [ter armas nucleares, em programa encerrado após o fim da ditadura em 1985]. Seria um passo atrás, mas não falamos o que países soberanos têm ou não de fazer", disse.

Sobre o Irã, o emissário americano replicou as avaliações e temores de que Teerã esteja tomando atitudes deliberadamente provocativas no Golfo Pérsico, além de fomentar terrorismo.

Segundo relatos, ele não chegou a pedir uma adesão brasileira a uma coalizão anti-Irã, como havia feito um enviado do governo israelense no mês passado em reunião revelada pela Folha de S.Paulo.

O Brasil manteve o que disse aos israelenses.

Ainda considera a posição oficial da AIEA de que o Irã não viola o acordo nuclear assinado em 2015 e busca a bomba. O governo Trump deixou o acordo neste ano.

"Brasil e EUA compartilham a noção de que o Irã não deve ter a bomba, mas temos diferentes táticas", afirmou Ford.

Mais alta autoridade sobre o tema da não-proliferação no governo americano, ele reafirmou que a crise contínua com o Irã e com a Coreia do Norte são os principais desafios de segurança hoje.

Apesar do discurso pacifista, neste ano os EUA deixaram um dos principais acordos de desarmamento vigente, o que vetava mísseis nucleares de alcance intermediário lançados do solo na Europa.

O mundo não estaria tão perigoso quanto na Guerra Fria, quando o tratado de 1987 foi assinado? "Neste caso, os EUA saíram porque a Rússia violou o acordo. Com atitudes russas e chinesas, as condições globais não estão caminhando bem. Não acho que estamos em um momento como a crise dos mísseis de Cuba (1963) ou as tensões do começo da década de 1980", afirmou. Moscou nega a acusação.

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