Leonam – A Geopolítica da Energia de Baixo Carbono

RESUMO

Uma transformação energética global extraordinária será necessária para que o mundo desacelere e pare com sucesso o processo de mudança climática em andamento. Essa será uma transformação que também mudará a dinâmica de poder entre as nações e novos arranjos de segurança internacional serão necessários para manter a paz entre as potências que disputam vantagem na próxima era da energia de baixo carbono. Os impactos destes fatos na geopolítica estão apenas começando a ser entendidos. No presente trabalho objetiva-se fomentar o debate sobre a nova geopolítica da energia que está surgindo, tendo em vista sua importância para o estabelecimento de políticas públicas para o setor.

Introdução

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC)[1] é uma convenção universal de princípios, que reconhece a existência de mudanças climáticas antropogênicas, ou seja, de origem humana, e dá aos países industrializados a maior parte da responsabilidade para combatê-las. A UNFCCC foi adotada durante a Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, em 1992, e entrou em vigor no dia 21 de março de 1994. Ela foi ratificada por 196 Estados, que constituem as Partes para a Convenção.

A Conferência das Partes (COP), constituída por todos Estados Partes, é o órgão decisório da Convenção. Reúne-se a cada ano em uma sessão global onde decisões são tomadas para cumprir as metas de combate às mudanças climáticas. As decisões só podem ser tomadas por consenso ou por unanimidade pelos Estados signatários. A COP realizada em Paris, de 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015, foi a vigésima primeira, portanto COP21 [2].

Ao final da COP21, em 12 de dezembro, um novo acordo global que busca combater os efeitos das mudanças climáticas, bem como reduzir as emissões de gases de efeito estufa foi estabelecido. O documento, chamado de Acordo de Paris [3], foi ratificado pelas 195 partes da Convenção-Quadro. Um dos objetivos é manter o aquecimento global “muito abaixo de 2ºC”, buscando ainda “esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5° C acima dos níveis pré-industriais”.

No que diz respeito ao financiamento climático, o texto final do Acordo determina que os países desenvolvidos devam investir 100 bilhões de dólares por ano em medidas de mitigação dos efeitos da mudança do clima e correspondente adaptação em países em desenvolvimento.

Em 7 de novembro de 2016 foi inaugurada a COP22, em Marrakesh, no Marrocos, com término em 18 de novembro[4]. Nessa Conferência, os negociadores precisaram construir um consenso sobre uma série de processos que tornem possível colocar em prática o Acordo de Paris. No entanto, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP [5]) lançou na COP-22 seu relatório de emissões 2016 [6], mostrando que as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa previstas pelo Acordo estão defasadas, o que demanda um esforço dos países para além dos objetivos delineados na COP-21.

Fica então claro que, ainda que os Estados Partes da UNFCCC cumpram coletivamente o Acordo de Paris, sem um novo acordo internacional que garanta cortes adicionais nas emissões de gases de efeito estufa, o dióxido de carbono atmosférico e, consequentemente, as temperaturas, continuarão a subir e atingir níveis inaceitáveis.

Mesmo no melhor dos casos, em que as nações cumpram os objetivos de Paris e, depois de rodadas adicionais de negociação, adotem metas de reduções mais ambiciosas, ainda assim significativos impactos das mudanças climáticas ocorrerão.

As temperaturas mundiais aumentarão até certo ponto e vários impactos negativos, como marés crescentes que inundam áreas costeiras, padrões de chuvas alterados impactando a produtividade agrícola e tempestades mais frequentes e mais fortes parecem inevitáveis.

Dentre as mais importantes medidas de mitigação encontra-se a paulatina substituição das fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis, carvão, petróleo e gás natural (81% da oferta global de energia [7] em 2015), por energias de baixo carbono (19%), renováveis [8] (14%) e nuclear [9] (5%). Como as energias de baixo carbono são basicamente fontes para geração elétrica, a descarbonização da economia mundial, que se espera decorrer dos acordos climáticos, implica numa maior eletrificação no uso da energia. Atualmente, a oferta global de eletricidade [10], que representa cerca 42% da oferta global de energia, é formada por combustíveis fósseis (67%) e energias de baixo carbono (33%), renováveis (22%) e nuclear (11%).

Esses números mostram que uma transformação energética global extraordinária será necessária para que o mundo desacelere de forma significativa o processo de mudança climática em andamento.

Quanto menos eficazes forem as medidas de mitigação estabelecidas pelos Acordos pelos Estados Partes, maiores medidas de adaptação [11] serão requeridas. Os Acordos, entretanto, pouco propõem em termos de metas para adaptação.

Há, no entanto, toda uma categoria de impactos das mudanças climáticas que tem recebido muito pouca atenção, talvez porque seus efeitos sejam indiretos. Essas consequências não resultarão do aumento das temperaturas mundiais, mas das tentativas do mundo de limitar esses aumentos e mitigar suas consequências. Na medida em que a comunidade internacional tenta reduzir e eventualmente eliminar as emissões de gases de efeito estufa, os sistemas energéticos globais passarão por uma enorme transformação.

Dependendo da velocidade em que os acordos climáticos forem firmados e suas metas efetivamente atingidas, as nações do mundo paulatinamente reduzirão sua dependência dos combustíveis fósseis, carvão, petróleo e gás natural, que impulsionaram a Revolução Industrial e criaram riquezas e uma correspondente dinâmica de poder que por muito tempo vem ditando as relações internacionais. A Grã-Bretanha governou os mares por algumas centenas de anos, e o século 20 foi americano, em grande parte por causa do poder militar e econômico-financeiro possibilitado pela posse e uso intensivo dos combustíveis fósseis no transporte e na indústria.

A transição para fontes de energia com baixa emissão de dióxido de carbono, como solar, eólica e nuclear, para citar as três que estão hoje no estágio de desenvolvimento tecnológico e industrial mais avançado, certamente também criará novos vencedores e perdedores geopolíticos. A questão que se coloca nesta situação é: como e quanto a dinâmica atual de poder global será afetada pela mudança dos combustíveis fósseis para as energias de baixo carbono?

A resposta a esta pergunta requer um arcabouço conceitual mais amplo, que busque identificar como a geopolítica energética está mudando o poder dos países ricos em combustíveis fósseis para aqueles que desenvolvem soluções com baixas emissões de carbono.

A transformação energética à qual os acordos climáticos se propõem também mudará a dinâmica de poder entre as nações e novos arranjos de segurança internacional serão necessários para manter a paz entre as potências que disputam vantagens na próxima era das energias de baixo carbono. A nova geopolítica da energia que está surgindo requer muita atenção dos países que pretendam se reposicionar melhor nessa transição.

Há três razões fundamentais para que a questão energética seja tão importante. Primeiro, a energia está no cerne da geopolítica, uma questão de riqueza e poder, o que significa que pode ser tanto uma fonte de conflito como uma base para a cooperação internacional. Em segundo lugar, a energia é essencial para a forma como a economia funciona e o meio ambiente é gerido no século XXI. A promoção de novas tecnologias e fontes de energia para reduzir a poluição, diversificar o fornecimento de energia, criar empregos e enfrentar a ameaça das alterações climáticas é fator crucial. As energias de baixo carbono, em especial as renováveis e a nuclear, tem um papel fundamental a desempenhar em cada um destes esforços. Em terceiro lugar, a energia é a chave para o desenvolvimento e a estabilidade política. Existem 1,3 bilhão de pessoas em todo o mundo que não têm acesso à energia. Isso é inaceitável em termos econômicos e de segurança.

Alguns trabalhos vêm sendo realizados no mundo buscando avaliar os impactos das energias renováveis [12] e da energia nuclear [13], as tecnologias de baixo carbono que tem hoje o maior desenvolvimento, na geopolítica e nos equilíbrios de poder globais. Esses impactos estão apenas começando a serem entendidos. Uma nova geopolítica da energia [14] está surgindo.

No presente artigo, objetiva-se fomentar este debate no Brasil, onde ele é ainda muito incipiente, tendo em vista sua importância para o estabelecimento de políticas sobre o tema.

Uma nova geopolítica da energia

O Acordo de Paris tem o potencial de mudar radicalmente o consumo global de energia mundial, de um mix dominado por combustíveis fósseis para um impulsionado por tecnologias de baixo carbono. É claro que, se isso acontecer, os países produtores de combustíveis fósseis terão de ajustar suas economias para refletir menores ganhos com exportação de petróleo, carvão e gás natural. A ascensão das energias renováveis e o renascimento da energia nuclear também podem criar novos centros de poder geopolítico.

À medida que os recursos de energia de baixa emissão de carbono se tornam amplamente disseminados, espera-se que o lado da oferta seja geopoliticamente menos influente do que na era dos combustíveis fósseis. Em vez de se concentrar apenas em três grandes recursos, carvão, petróleo e gás natural, a nova geopolítica da energia pode depender de muitos fatores adicionais, como o acesso às tecnologias, linhas de transmissão, materiais estratégicos, patentes, armazenamento e despacho de carga, para não falar das imprevisíveis políticas governamentais.

Apesar da incerteza, não há dúvida de que o equilíbrio de poder na geopolítica energética está mudando dos países proprietários de combustíveis fósseis para os que estão desenvolvendo soluções de baixo carbono.

O cumprimento dos objetivos estabelecidos no Acordo de Paris requer mudanças dramáticas no mix energético global. Para atingir seus objetivos, será necessário num futuro próximo não só uma expansão drástica na produção de energia por tecnologias de baixas emissões de carbono, acompanhada de uma retração no uso de combustíveis fósseis, com também uma ampla utilização de tecnologias de carbono negativo, ou seja, aquelas que removem o dióxido de carbono da atmosfera, na segunda metade do século XXI, conforme o Painel Intergovernamental para Mudança Climática (IPCC) propôs no seu relatório de 2014 [15].

O século XX e este início de século XXI foram profundamente moldados pela geopolítica da energia, que pode ser definida como a forma com que os países buscam atingir seus objetivos estratégicos por meio da oferta e demanda de energia. Existe uma vasta literatura que mostra que a garantia de suprimento de energia, especialmente na forma de gás natural ou petróleo, foi e continua a ser uma consideração importante em muitas decisões políticas [16], tanto os altos preços do petróleo da década de 1970 como os baixos preços do petróleo de hoje podem ser atribuídos a considerações geopolíticas.

O último declínio de preços do petróleo foi impulsionado por produtores tradicionais que tentam evitar a perda de participação de mercado para produtores norte-americanos que estão usando novas tecnologias para extrair petróleo de formações de xisto, agora conhecido como o impasse “sheikhs x xisto[17]. A redução das receitas de exportação de óleo como uma “sanção informal [18] do Ocidente sobre a Rússia, em consequência da crise da Ucrânia e anexação da Criméia, certamente também teve um importante papel. Na verdade, situação similar ocorreu na era Reagan – Gorbatchov.

Hoje, o equilíbrio de poder na geopolítica da energia está se alterando. As tecnologias de baixo carbono, associadas transitoriamente à exploração do petróleo não convencional, tem o potencial de reduzir o poder geopolítico dos produtores tradicionais de combustíveis fósseis, porque essas alternativas de baixo carbono oferecerão diversificação e maior segurança energética, especialmente para os países que dependem fortemente de importações de combustíveis fósseis. É, entretanto, muito difícil prever quem serão os vencedores e perdedores nesta nova configuração porque há muitos elementos a considerar, o que traz significativas incertezas em qualquer avaliação.

Na geopolítica da energia tradicional [19], existem claros centros de poder, tanto do lado da oferta, onde a OPEP, liderada pela Arábia Saudita, a Rússia e os Estados Unidos dominam, quanto do lado da demanda, onde a China, a União Europeia e, novamente, os Estados Unidos são os mercados mais importantes. Os participantes estão familiarizados com o comportamento esperado dos principais países. A geopolítica da energia de baixo carbono será um caso muito mais complicado, com numerosos atores descentralizados.

Apesar da complexidade do caminho a seguir em busca da descarbonização da economia mundial que temos pela frente, é possível fazer um balanço dos fatores que irão determinar quais nações ganham e quais perdem poder enquanto o mundo procura reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Energia Limpa x Combustíveis Fósseis

Embora os custos de produção de energia por fontes de baixo carbono tenham diminuído significativamente nos últimos anos, para que elas tenham uma penetração substancial no mercado ainda são necessárias políticas governamentais de apoio, entre elas subsídios diretos, tarifação de carbono, regulamentações que exigem uso de fontes renováveis e feed-in tarifs [20], de incentivo à geração distribuída. Tais políticas favoráveis reduzem a demanda [21] de combustíveis fósseis e diminuem os preços que os produtores de carvão, petróleo e gás natural são remunerados pelos seus produtos.

Se os produtores de combustíveis fósseis acreditarem que essas políticas climáticas ambiciosas vieram realmente para ficar, eles considerarão que os recursos de combustíveis fósseis podem se tornar ativos “encalhados”. Como reação a isto, eles poderão aumentar a produçã o[22], apesar da queda dos preços do petróleo e do gás natural. Para os produtores de combustíveis fósseis, é melhor lucrar com seus recursos enquanto eles ainda são valiosos, mesmo se eles não mais receberem preços tão altos como foram no passado. Se eles aumentarem a produção e baixarem ainda mais os preços para realizarem ganhos antes que seja tarde demais, isso faria com que o desenvolvimento das energias de baixo carbono fosse mais desafiador, pois essas tecnologias teriam ainda mais dificuldade em competir.

O calendário da política climática e o efetivo cumprimento de suas metas afetarão o equilíbrio do poder geopolítico entre os produtores de energia de combustíveis fóssil e os de baixo carbono. Como os signatários do Acordo de Paris mostraram, o mundo reconhece os perigos das mudanças climáticas e a necessidade de ação. Simultaneamente, sabe-se que as metas declaradas pelos países comprometidos com Acordo de Paris sobre quanto e quando reduzirão as emissões não são suficientes para o objetivo declarado de limitar o aumento da temperatura para menos de 2°C. Muitas das metas prometidas dependem de apoio financeiro e transferências de tecnologia que podem ou não se materializar.

É, portanto, de difícil previsão quais serão os desvios entre o que os países prometeram e o que eles realmente farão. Além disso, o Acordo de Paris depende da boa vontade dos partícipes, não havendo penalidades para o não cumprimento das metas autodeclaradas, as chamadas Intended National Determined Contributions (INDC) [23]. Mesmo se as metas do acordo forem totalmente cumpridas, o sistema energético mundial ainda dependerá principalmente dos combustíveis fósseis em 2030, data em que a maioria dos objetivos atuais é definida, conforme avaliação do MIT [24].

Como resultado, nem os produtores de combustíveis fósseis nem os de energia de baixo carbono têm muita certeza sobre a direção das futuras políticas governamentais, ou seja, em que medida eles efetivamente receberão sanções ou apoio dos respectivos governos. Independentemente dessa incerteza, grandes consumidores de energia como a China, a União Europeia e os Estados Unidos estão desenvolvendo rapidamente suas fontes de energia de baixo carbono.

Por exemplo[25], os Estados Unidos aumentaram a participação de energia eólica e solar de 0,5% da geração de energia total em 2005 para 5% em 2015. A China, por sua vez, tornou-se o país com a maior capacidade instalada para energia eólica (145 GW) e energia solar (45 GW) ao final de 2015 e, ao mesmo tempo, desenvolve um grande programa de geração nuclear, com 20 usinas em construção [26]. Esta tendência reduzirá o poder geopolítico dos fornecedores tradicionais de combustíveis fósseis, como o Oriente Médio e a Rússia, e aumentará a vantagem tecnológica dos principais atores do setor de energia de baixo carbono, como China, Alemanha, Estados Unidos e Japão.

Energia Limpa x Energia Limpa

As tecnologias de energia de baixo carbono não competem apenas contra os combustíveis fósseis, mas também entre si. Os recursos de baixo carbono são bastante diversos. Enquanto em alguns lugares, notadamente a União Europeia, o conceito de “energia limpa” equivale à energia eólica e solar, em outras partes do mundo, tecnologias como a hidrelétrica[27], nuclear[28], a bioenergia [29] e a Captura e Armazenamento de Carbono (CCS) [30] também recebem atenção.

A economia e a política das energias eólica e solar são bastante diferentes daquelas em torno das outras tecnologias de baixa emissão de gases de efeito estufa, porque o vento e a energia solar são mais descentralizados e não requerem grandes investimentos iniciais necessários para uma usina hidrelétrica, nuclear ou instalações de CCS à base de carvão ou gás natural. É muito mais fácil levantar capital e obter aprovação do governo para um parque eólico do que para uma hidrelétrica ou nuclear.

Como resultado, os políticos e os investidores tendem a dar uma maior atenção à eletricidade eólica e solar, enquanto as tecnologias de geração elétrica de base, que requerem alta capitalização como a hidrelétrica com reservatório de regulação, a nuclear e o carvão ou gás com CCS são hoje política e economicamente menos atraentes, como se verifica pelas dificuldades de sua expansão na União Europeia e nos Estados Unidos, e mesmo no Brasil, no caso das hidrelétricas.

A notável exceção é a China [31], que continua a desenvolver seu ambicioso programa de energia nuclear: de 2011 a meados de 2016, a China conectou 22 novos reatores a sua rede, e mais 20 estão em construção.

Embora pareça que as energias eólica e solar estejam atualmente ganhando a competição tecnológica, ao atingirem níveis de participação mais elevados, o desenvolvimento dessas energias renováveis será muito mais desafiador do que tem sido até o momento, havendo limites operacionais [32] para sua expansão nos sistemas elétricos. As energias renováveis têm o problema de intermitência, o que significa que não podem fornecer energia consistentemente em todos os momentos. Como tal, exigem capacidade de back-up, uma grande expansão nas linhas de transmissão e uma mudança na forma como os mercados de eletricidade são organizados.

Atualmente, os produtores de energia são na sua maioria remunerados apenas pela energia elétrica entregue à rede. Em meio a uma alta participação das energias renováveis num sistema elétrico, as empresas de energia precisarão cobrar por serviços [33], tais quais os relacionados à energia, como reservas operacionais e capacidade firme, e também os relacionados à rede, como conexões, controle de tensão, qualidade de energia e gerenciamento de restrições.

Sistemas elétricos estáveis são geridos pelo acompanhamento da demanda, ou seja, a oferta se ajusta à demanda pelo despacho das usinas de geração disponíveis. Como as novas energias renováveis, em especial eólica e solar, mas também, em certa medida, as hidrelétricas a fio d’água, sem reservatórios de regulação, não são despacháveis devido à sua intermitência, sistemas elétricos que tenham grande participação dessas fontes e que não disponham de energia de back-up despachável suficiente, terão que passar a serem geridos pelo acompanhamento da oferta, ou seja, ajustando a demanda à oferta disponível, “despachando os consumidores”.

Várias tecnologias associadas às energias de baixo carbono, incluindo turbogeradores eólicos, motores para veículos elétricos, filmes finos para células fotovoltaicas e materiais fluorescentes para uso em iluminação e monitores empregam materiais estratégicos, como metais de terras raras e outros materiais, que possuem significativos riscos de suprimento a curto, médio e longo prazo.

O Departamento de Energia (DoE) dos EUA edita periodicamente o relatório Critical Material Strategy [34]. Dezesseis elementos de emprego em componentes de tecnologias limpas e são avaliados quanto à sua criticidade, enquadrada em duas dimensões: a importância para as energias de baixo carbono e o risco da oferta. Cinco metais de terras raras, disprósio, térbio, európio, neodímio e ítrio, são considerados de alta criticidade. Outros quatro elementos, cério, índio, lantânio e telúrio, são considerados como no limiar de criticidade.

Nos últimos anos, a procura de quase todos os materiais examinados pelo DoE cresceu muito rapidamente. Esta crescente demanda vem de tecnologias de energia de baixo carbono, bem como de produtos de consumo de massa, como telefones celulares e monitores planos e touchscreen.

O principal produtor destes materiais é a China, que responde por mais de 90% da oferta. As chamadas terras raras, apesar do nome, não são raras, mas são encontradas em baixa concentração nos minérios e sua separação requer uma tecnologia que requer cuidados especiais no que tange aos potenciais impactos ambientais.

Em geral, a oferta global destes materiais tem sido lenta para responder ao aumento da demanda na última década devido à falta de capital disponível, longo prazo de maturação, políticas comerciais e outros fatores, como os ambientais e a aceitação pública de projetos. Muitos governos estão reconhecendo a importância dessas matérias-primas para a competitividade econômica e assumindo um papel ativo na mitigação dos riscos de suprimento.

A abordagem para enfrentar pró-ativamente os riscos de fornecimento desses materiais e evitar interrupções na construção de uma economia robusta de energia de baixo carbono tem três pilares: alcançar uma oferta globalmente diversificada; identificar substitutos apropriados; e melhorar a capacidade de reciclagem, reutilização e uso mais eficiente de materiais críticos.

Combustíveis Fósseis x Combustíveis Fósseis

Diferentes tipos de combustíveis fósseis emitem diferentes quantidades de dióxido de carbono por unidade de produção de energia[35], sendo o carvão o mais intensivo em carbono, o petróleo produzindo entre 25-30% menos e o gás natural sendo o combustível fóssil mais limpo, emitindo 45-50% menos dióxido de carbono do que o carvão. A poluição atmosférica relacionada à queima de carvão é também substancialmente mais elevada em comparação com o petróleo e o gás natural.

Como resultado, o carvão tornou-se o alvo principal nos esforços para reduzir as emissões em muitos países, principalmente os Estados Unidos, onde se fala numa “guerra ao carvão [36]. O declínio do carvão nos Estados Unidos tem sido ajudado pelo fato de que há uma alternativa barata e abundante, o gás natural de xisto [37].

Impulsionadas pela oportunidade de promover o gás natural ou simplesmente por testemunhar a “guerra ao carvão” e querer evitar ser o próximo alvo, algumas empresas de petróleo e gás natural decidiram apoiar publicamente a meta de 2°C. Dez empresas que representam 20% da produção global de petróleo e gás formaram a Iniciativa Climática de Petróleo e Gás [38]. Suas principais metas incluem aumentar a participação do gás natural no mix energético global.

Entretanto, a menos que o gás natural seja combinado com a tecnologia CCS, ele continua sendo uma fonte importante de emissões de gases de efeito estufa. Num contexto em que a maioria dos cenários que nos mantêm abaixo do limite de 2°C requerem emissões antropogênicas de zero ou quase zero na segunda metade do século, parece ser que esta estratégia seja uma que já antevê o fim de vida do produto. Além disso, o estado atual do desenvolvimento da tecnologia CCS [39] não é muito animador. Com apenas uma usina com CCS operacional em escala comercial no mundo, duas em construção e muitos projetos recentemente cancelados, o papel desta tecnologia na mitigação de emissões é muito incerto.

Deve-se notar também que o gás natural poderá ser usado como fonte de energia de back-up para as renováveis intermitentes. Entretanto, estudos mostram [40] que, com metas estritas de mitigação, a necessidade de capacidade de gás natural pode ser substancial, mesmo se o uso real do gás natural acabe sendo bastante limitado, porque as usinas teriam que estar prontas para gerar em períodos nos quais a energia eólica ou solar não estiver disponível.

Se o mundo efetivamente fizer todos os esforços necessários ao cumprimento das metas do Acordo de Paris, mesmo os produtores de gás natural terão que eliminar as emissões de gases de efeito estufa. Caso contrário, até mesmo o combustível fóssil mais limpo terá emissões incompatíveis com os objetivos declarados.

Energias Renováveis x Energia Nuclear

Na demanda por eletricidade, a necessidade de fornecimento contínuo e confiável de baixo custo, a chamada carga de base, pode ser distinguida da carga associada ao pico de demanda que ocorre durante algumas horas diárias e para o qual preços mais elevados são aceitáveis, pois a oferta precisa atender à demanda instantaneamente ao longo do tempo.

A maior parte da demanda por eletricidade é para carga de base. Assim, se uma parcela significativa de fontes renováveis não despacháveis está ligada a uma rede, surge a necessidade da capacidade de back-up por outras fontes que sejam despacháveis ou por armazenamento de energia. Uma forma de minimizar essa necessidade seria localizar essas fontes em distintos ambientes geográficos de forma que as intermitências individuais se compensassem, garantindo a estabilidade do conjunto. Isso requer uma rede básica com alto grau de interligação e grande flexibilidade de operação, o que implica custos adicionais que teriam que ser devidamente precificados.

De toda forma, dado o caráter aleatório das intermitências, se a energia for usada na base de carga, sempre restaria um risco, maior ou menor dependendo do nível de investimentos feitos para dar interligação e flexibilidade à rede, de que essa compensação não ocorra, comprometendo em determinado grau a segurança de abastecimento.

Uma vantagem distinta da energia solar e, em menor medida, das demais renováveis, é que seus aproveitamentos podem ser distribuídos, podendo estar próximo aos centros de consumo, o que reduz as perdas de transmissão. Isso é particularmente importante dentro de grandes cidades e também em locais remotos. É claro que o mesmo fato de ser distribuída às vezes pode ser negativo para as renováveis, pois os melhores aproveitamentos podem ser afastados dos centros de consumo.

Existem várias características da energia nuclear que a tornam particularmente atraente, além do seu baixo custo total de produção por unidade de energia gerada, que ocorre apesar dos elevados investimentos iniciais necessários para sua implantação e longo prazo de maturação de seu projeto e construção.

O custo do combustível representa uma parcela pequena do custo total, dando estabilidade ao correspondente preço. O combustível está dentro do reator nuclear, no local, não dependendo de uma cadeia de suprimento contínua, como é o caso dos combustíveis fósseis. A energia nuclear é despachável pela demanda, possui alto fator de capacidade, ou seja, está disponível para despacho mais de 90% do tempo, tendo ainda uma elevação de potência razoavelmente rápida. Além disso, dá uma importante contribuição para o controle de tensão que garante a estabilidade da rede elétrica a qual está conectada.

Esses atributos, apesar de não precificados pelos mercados de energia elétrica, têm um grande valor que é cada vez mais reconhecido quando a dependência de fontes renováveis intermitentes tem crescido.

Entretanto, a aceitação pública da energia nuclear é fortemente condicionada pela percepção de riscos associados a acidentes severos e à sua associação às armas nucleares[41] e à proliferação dessas armas, o que é tecnicamente indevido[42].

No que tange aos riscos de acidentes dos sistemas energéticos, as análises do Instituto Paul Scherrer

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