Força armada não é milícia


Pedro Paulo Rezende
Especial para DefesaNet

 

Brasília — O uso das Forças Armadas em atividades de garantia da lei e da ordem deve ser aplicado com moderação e não deve ser visto como uma panaceia para resolver os problemas crônicos da segurança pública brasileira. Em momentos de crise, como a greve ilegal da Polícia Militar do Espírito Santo agora em curso, serão necessárias regras claras de engajamento, como nas ações de pacificação no Rio de Janeiro e as intervenções realizadas no Ceará em 2012. O grande problema é como dosá-las.

Se forem frouxas demais, corre-se o risco de um grande número de mortes em confronto. Se extremamente rígidas, terminam por retirar a efetividade das forças empregadas como ocorreu na implantação das Unidades de Polícia Pacificadora quando as facções criminosas perceberam que dificilmente haveria engajamento com as patrulhas armadas.

Em seu artigo publicado em DefesaNet o comandante do Exército, general-de-exército Eduardo Villas Boas, indagou:
 

— O que a sociedade deseja de seus cidadãos fardados: profissionais militares, com prontidão, motivação e dedicação exclusiva, ou milícias, cuja disponibilidade permanente à Nação ficaria limitada por direitos individuais regidos por legislação trabalhista ou conchavos espúrios?
(Ver
GenEx Eduardo Villas Boas – A Nação e seus militares Fevereiro 2017 Link)


Sem dúvida nenhuma, a resposta da opinião pública, alimentada pela desinformação e pelo pânico, seguiria o segundo rumo, mas cabem alguns questionamentos. Forças armadas, por definição, servem para dissuadir eventuais agressões externas. Seu equipamento deve conter o máximo de letalidade. Empregá-las em áreas de grande densidade populacional é certeza de efeitos colaterais desproporcionais, com possibilidade de grandes baixas na população civil e danos ao patrimônio.

A ideia de empregar militares como forças de segurança é um derivativo do chamado Consenso de Washington. Entre as propostas conservadoras e neoliberais elaboradas, surgiu a tese de que a América Latina devia reforçar seus esforços na luta contra o crime organizado empregando tropas de terra, mar e ar. Na visão estadunidense, seria a única utilidade possível para as forças armadas dos países centro e sulamericanos, principalmente os de maior tradição pacifista. O resultado nas nações que adotaram a tese, como o México, foi desastroso. Contaminaram-se com a corrupção.

Visão brasileira

Esta ideia sempre foi rejeitada no Brasil. Nenhum ministro da Defesa quis implantá-la (Raul Jungmann não é exceção). Celso Amorim, durante sua passagem pela pasta e como chanceler, combateu-a no âmbito da Unasul. Hoje, a América Latina ruma para a criação de uma Zona Exclusiva de Paz, de maneira a formar um aparelho dissuasório continental que abrangeria da fronteira do México com os Estados Unidos à Ushuaia, na Argentina.

Isto não implica em omissão. Por meio de operações combinadas pontuais, ao lado das polícias federais e estaduais, da Receita Federal, do IBAMA e da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o crime organizado sofreu percalços importantes. Isto se deve a um problema sério: o aparato de segurança pública da União é deficiente.

O Brasil tem menos policiais federais e agentes da Receita Federal que o necessário. Ao todo, apenas 2 mil dos 12 mil agentes da Receita trabalham no controle de aduanas. Na República Federal da Alemanha, são 60 mil. O país, ao contrário de todas as nações sulamericanas, não dispõe de uma gendarmeria. O único projeto neste sentido foi proposto em 1990 pelo ex-deputado federal Maurílio Ferreira Lima. Na ocasião, havia oito organizações policiais federais que trabalhavam sem qualquer coordenação, inclusive uma exclusiva para a rede ferroviária.

Ampliar a presença do Estado foi um dos pontos principais do Projeto Calha Norte, criado em 1986. Na época, o ex-ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, destacava a importância dos “galpões de terceiros” nos pelotões de fronteira. Estes prédios, até hoje vazios, abrigariam postos de saúde, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Receita Federal e agências do Banco do Brasil, mas não há pessoal suficiente para ativá-los.

Reação atabalhoada

O emprego das forças armadas na segurança pública é sempre lembrado em situações de crise. Foi um dos pontos principais sugeridos pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Alexandre Moraes, quando as organizações criminosas começaram a disputar o comando de presídios nos estados do Amazonas, Rio Grande do Norte e Roraima. A ideia era empregá-las para varreduras nos presídios, o que implicaria riscos enormes.

Em teoria, o modus operandi estabelecido pelo chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante-de-esquadra Ademir Sobrinho, parecia à prova de falhas. O batalhão de choque entraria, concentraria os prisioneiros fora do prédio e os militares iniciariam a busca por objetos metálicos e celulares, mas cabe a velha pergunta: e se os detentos fugirem do controle, quais serão as regras de engajamento? Necessitam ser claras e precisas para que não ocorram baixas.

Coincidência ou não, as equipes de varredura, até agora, não foram solicitadas pelos estados.

Fronteiras

Obviamente, a maior contribuição das forças armadas no combate ao crime organizado está no controle de fronteira. O Brasil tem grandes faixas limítrofes, com 15.719 km de extensão, boa parte delas em áreas secas. Ao contrário do que se pensa, o ponto mais crítico está nos estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia onde se concentram as atividades mais pesadas do narcotráfico. A Amazônia, pela dificuldade do terreno, é menos usada. A maior parte das armas apreendidas vem do Paraguai e dos Estados Unidos, neste caso empregando navios (os contrabandistas se aproveitam do número pífio de agentes alfandegários nos portos de Santos e Rio de Janeiro).

Com base nesta realidade, o governo federal desenvolveu o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON). O módulo piloto cobre o município de Dourados (MS), com pouco mais de 150 km de extensão. Neste ano, estão previstos investimentos de R$ 450 milhões para ampliá-lo até 700 km. A implantação está a cargo de um consórcio liderado pela EMBRAER Defesa e implantado por suas subsidiárias BRADAR e SAVIS. Quanto pronto, abrangerá uma rede de sensores terrestres de coleta de dados, aeronaves remotamente pilotadas e radares de vigilância aérea e terrestre interligados por um novo satélite nacional de comunicações.

Em resposta ao uso destes meios, o narcotráfico deslocou suas ações para o norte e para o sul da área protegida pelo SISFRON.
 
Constelação

Para cobrir estas falhas, o Brasil conta agora com um novo trunfo: a constelação de satélites do BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), criada durante o 1º Encontro dos Chefes das Autoridades Espaciais do bloco, realizado em 31 de outubro na cidade chinesa de Zhuhai. Potencialmente, será a maior do gênero, com 41 unidades (16 russas, 15 chinesas e dez indianas) e instalações terrenas de acompanhamento em quatro continentes.

Apesar da importância do encontro, a notícia foi afogada pelo noticiário político nacional e teve pouca repercussão no Brasil. O presidente da AEB, José Raimundo Braga, disse que “é preciso ampliar nossa colaboração bilateral transformando-a em apoio multilateral, envolvendo todos os países dos BRICS na área de observação da Terra.”

Segundo ele, o documento desenvolvido pelo grupo apresenta um mecanismo que irá facilitar a cooperação nas áreas da exploração espacial pacífica e conjunta do sistema de sensoriamento da Terra. No acordo firmado entre o grupo, José Raimundo assumiu o compromisso de o Brasil e a China contribuírem conjuntamente, começando com o satélite Sino Brasileiro de Recursos Terrestres – CBERS 4, e com a Estação Terrena de Cuiabá (MT),  que tem a função de adquirir e rastrear o satélite durante sua passagem, receber, processar, formatar e enviar ao Centro de Controle de Satélites (CCS) os dados de telemetria de serviços entre outros.

Participaram da reunião líderes das agências espaciais da África do Sul (SANSA), da Administração Espacial Nacional da China (CNSA), da Corporação Espacial Estatal (Roscosmos), Organização de Pesquisa Espacial Indiana (ISRO).
 
Radar

A Rússia pretende cobrir este gap com um novo satélite desenvolvido de acordo com as necessidades brasileiras, que seria projetado e construído em parceria por empresas dos dois países. A proposta deverá ser apresentada em breve às autoridades brasileiras.

Logo depois da reunião do BRICS, o então chefe da 3ª Subchefia do EMAer, brigadeiro-do-ar Márcio Bruno Bonotto, iniciou os trabalhos para estabelecer os requerimentos do futuro satélite de sensoriamento remoto nacional. Como foi transferido para a presidência da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC) na última movimentação de oficiais generais, ele transferiu a tarefa para seu substituto, brigadeiro-do-ar Jefson Borges.

A ideia do Ministério da Defesa é adquirir um projeto que trabalhe com reconhecimento por radar, nas bandas X e L, de maneira a ampliar os recursos de vigilância na Amazônia. A Roscosmos, informalmente, admitiu interesse em desenvolver um satélite de sensoriamento remoto com o Brasil que poderia, inclusive, ser disparado a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).

Na gestão passada, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) pretendia iniciar os estudos para a contratação de serviços comerciais por satélites de varredura radar nas bandas L e X. A ideia era complementar os serviços oferecidos pelo consórcio liderado pela Airbus Defence Space e pela Hiparc, vencedor da concorrência pública para imagens de sensoriamento remoto em altíssima resolução. Os dados de sensoriamento remoto por meios óticos permitem um alto grau de detalhamento, mas são limitados pelas condições meteorológicas e não atravessam a cobertura vegetal.

Entre 2007 e 2011, o Brasil usufruiu do serviço regular de sensoriamento remoto por radar. A Agência de Cooperação do Japão (JICA) e o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas financiaram a instalação de um centro de recebimento e análise de imagens na sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em Brasília.

O Advanced Land Observing Satellite 1 (ALOS 1, também conhecido como Daichi), lançado pela Agência Espacial do Japão (JAXA), mapeou todo o território da Amazônia Legal, que abrange nove estados brasileiros (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do estado do Maranhão), o que corresponde aproximadamente 5.217.423 km², cerca de 60 % do território brasileiro.

O trabalho foi encerrado em abril de 2011, quando o ALOS 1 apresentou uma falha técnica e teve de ser desligado, mas logo no início da cooperação ajudou a detectar 57 novos polígonos de desmatamento, além de 26 polígonos não identificados pelo sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que empregava imagens óticas, em decorrência da presença de nuvens. Negociações para o uso do satélite ALOS 2 esbarraram na questão do preço.
 

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