Cármen Lúcia quer ajuda do IBGE e do Exército para censo carcerário

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, reúne-se hoje com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para discutir medidas a serem adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outras instituições em resposta ao massacre.

A ministra, que também preside o CNJ, acha que a situação é dramática e exige esforço redobrado de todas as instituições. Amanhã, a ministra tem um encontro em Manaus com os presidentes dos Tribunais de Justiça da Região Norte, do Maranhão e do Rio Grande do Norte.

A ministra quer saber o que o CNJ pode fazer para ajudar a reduzir as tensões e conter o recrudescimento da violência no sistema carcerário. Cármen Lúcia pretende retomar conversas com representantes do IBGE e do Exército para fazer um censo da população carcerária.

Para ela, a rebelião em Manaus é um fato grave, dramático, mas não surpreendente. Segundo auxiliares, Cármen Lúcia vem alertando há muito tempo sobre os riscos de rebeliões em presídios. O tema, aliás, está no topo da agenda desde que ela assumiu a presidência do STF e do CNJ.

Como reação ao massacre em Manaus, o governo federal decidiu antecipar o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública, que está sendo elaborado pelo Ministério da Justiça e vai ter como um de seus eixos o enfrentamento do problema das fronteiras.

Além de medidas pontuais em parceria com governos estaduais, o governo vai acionar o Itamaraty para buscar acordos com os países vizinhos para patrulhamento contra a entrada de drogas e armas. O governo ainda avalia de onde tirar os recursos e estuda descontingenciar fundos. Compra de equipamentos, treinamentos de agentes carcerários e reforço de tropas nas fronteiras estão entre as ações a serem desenvolvidas.

Em Manaus, o ministro Alexandre de Moraes disse que a maioria dos mortos não era ligada a facções, e que não é possível reduzir a rebelião a uma guerra entre organizações criminosas: — Isso é um erro que não podemos cometer, achar que, de uma forma simplista, que esse massacre e essas rebeliões são simplesmente guerra entre facções. Dos 56 mortos, mais da metade não tinha ligação com nenhuma facção. Sempre é mais fácil uma explicação simplista.

Porta aberta para o crime¹

A possibilidade de coordenar ações criminosas de dentro dos presídios, planejar rebeliões e ataques a integrantes de facções rivais, tem sido facilitada pela extrema fragilidade no controle das unidades prisionais. Dados preliminares do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tabulados pelo GLOBO, mostram que 65% das penitenciárias do país incluídas no levantamento não têm detectores de metais nem aparelhos para o bloquear o sinal de celulares, itens considerados básicos.

É o caso do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas, onde 56 detentos foram mortos segunda-feira numa guerra entre criminosos de facções rivais. Apenas seis das 72 unidades prisionais do estado incluídas no mapeamento do CNJ têm detectores de metal e bloqueadores de celular. Em vídeos postados nas redes sociais, vários presos filmaram o assassinato de rivais.

Ontem, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que mais de 3 mil scanners serão instalados nos presídios brasileiros, a partir do lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública.

Os dados do CNJ fazem parte do sistema Geopresídios, que reúne informações sobre as unidades prisionais de todo o país (delegacias, presídios e casas de custódia). Lançado em 2007, o sistema é abastecido com dados repassados por juízes de Execução Criminal, que fazem inspeções nas unidades sob sua jurisdição.

O Geopresídios tem, no momento, dados de mais de 2,7 mil unidades prisionais. Juntas, elas mantêm mais de 644 mil detentos nos 26 estados e no Distrito Federal, considerando unidades estaduais e federais.

Faltam 250 mil vagas nos presídios

Há unidades não incluídas no sistema Geopresídios, mas são poucas. O déficit de vagas estimado no sistema é de 250 mil, semelhante aos números do Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2014.

O secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, afirma que há dificuldades para instalar bloqueadores nos presídios do país, porque as operadoras de telefonia não aceitam esse tipo de tecnologia, sob alegação de que esses equipamentos podem limitar o sinal para assinantes que residem próximo às unidades prisionais. Eurico diz que a situação já foi informada ao Ministério da Justiça, no ano passado.

poderosas, isso dificulta a instalação dos bloqueadores, que, segundo as próprias operadoras, prejudicariam o sinal de celular nos bairros próximos. Diversos secretários estaduais de Justiça se reuniram com o ministro, ano passado — disse Eurico. — No encontro, pedimos a ele ajuda no sentido de envolver a Anatel no debate. Queremos que a agência discipline a questão. Sobre os detectores, já temos os recursos do governo federal, que estavam contingenciados, para alugar esses equipamentos, que são muito caros.

Em números absolutos, os estados com maior contingente prisional são também aqueles com os maiores déficits de vagas. É o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas, proporcionalmente, é Pernambuco o primeiro estado no ranking do déficit, com uma taxa de 206%. Isso significa que, para cada vaga disponível no sistema prisional do estado, há três presos. Em segundo lugar vêm Distrito Federal (94%) e Acre (90%).

— Nos últimos anos, tivemos uma série de ações para aumentar o encarceramento de criminosos envolvidos em graves crimes; por outro lado, houve contingenciamento dos recursos do governo federal para a construção de novas unidades prisionais. Essa é a explicação para o nosso déficit de vagas — disse Pedro Eurico, secretário de Justiça de Pernambuco.

O menor déficit de vagas, segundo o Geopresídios, está no Maranhão (19,5%). Foi no Complexo de Pedrinhas, em São Luís, que aconteceu uma das maiores rebeliões, em 2013, que resultou na morte de nove pessoas e numa série de ações na capital do Maranhão, como incêndios de ônibus e ataques a unidades da polícia.

Parte da população carcerária no Brasil poderia ser reduzida com o julgamento dos presos provisórios. Em todo o país, são 244 mil pessoas que estão atrás das grades à espera de julgamento. Pelos dados do CNJ, o Amazonas é o estado com o maior percentual de presos provisórios do país (65%), seguido do Piauí (63%).

A situação do Amazonas já era conhecida do governo federal. Relatório produzido em 2016 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos apontou diversos problemas na unidade, que foi inspecionada.

Na ocasião, presos relataram que sofriam ameaças. “No Amazonas e em São Paulo, muitos presos no seguro disseram ter receio de morrer, pois, dependendo das circunstâncias, poderia ocorrer uma rebelião na unidade e, com isso, ficarem à mercê dos presos da facção rival”, diz o relatório. Algumas informações do Geopresídios ainda dependem de homologação.

¹Fábio Vasconcellos

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