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Desafios da Tropa Blindada Brasileira

Carlos Alexandre Geovanini dos Santos

Ten Cel Comandante do Centro de Instrução de Blindados

Nesta semana comemoramos a marca de cem edições da nossa Escotilha do Comandante, iniciada no ano de 2015 em uma feliz iniciativa do Comando do Coronel Alex Alexandre de Mesquita. De lá para cá, a sucessão de artigos contribuiu não somente para o fomento do debate de temas relevantes relativos aos meios blindados e mecanizados, mas também para projetar a imagem do CI Bld como núcleo de especialistas, centro de pesquisa e polo difusor de ideias.

Centésimo também é o ano da ofensiva de blindados levada a cabo na frente ocidental da Primeira Grande Guerra, cujo nome passou à história como a ofensiva dos cem dias. Tal operação coroou anos de aperfeiçoamento na tática de emprego dos “carros de assalto”. Uma vez incorporadas em definitivo ao portfólio de capacidades dos exércitos ao redor do mundo, as forças blindadas experimentaram grande evolução, tanto no tocante à forma de emprego em combate, quanto no domínio da tecnologia embarcada, constituindo-se na espinha dorsal do combate terrestre.

Do conceito britânico dos tanques cruzadores e destróieres, passando pela Blitzkrieg conduzida pelas divisões panzer alemãs, até as modernas forças-tarefas blindadas norte-americanas, cuja sincronização das ações trouxe aos oponentes o efeito de “choque e pavor”, muito se tem debatido sobre o tema.

O debate se torna cada vez mais atual, sobretudo no momento onde o mundo testemunha uma reconfiguração do poder global, com a ascensão da Rússia e China e de suas respectivas forças blindadas.

No plano global, as discussões têm sido pautadas pela condução de operações em ambientes de conflitos de alta intensidade, com o ressurgimento do questionamento de como empregar meios blindados utilizando o escalão divisão de exército e até mesmo superiores.

No campo das pequenas frações, muito se tem pesquisado a respeito das “táticas de enxameamento”. No domínio tecnológico, como incorporar os avanços da inteligência artificial às viaturas blindadas, ampliando o alcance dos armamentos, bem como sua letalidade e blindagem.

Tudo isso com o árduo desafio de manter o peso dos veículos na casa das 40 toneladas. Para tanto, a miniaturização de componentes e novas maneiras de armazenar energia se impõem. No Brasil, desde a criação da Companhia de Carros de Assalto em 1921, tenta-se acompanhar o ritmo das evoluções ocorridas nos países do dito arco do conhecimento. A tarefa não é fácil.

Como não foi a missão do esquadrão de reconhecimento na Segunda Grande Guerra, nem a dos pelotões de cavalaria e esquadrões de fuzileiros mecanizados nas missões de paz em Angola e no Haiti, respectivamente. Tal é o lastro de experiência e tradição que nos impulsiona a superar os desafios. Iremos vencê-los!

Por motivos que fogem à proposta do presente ensaio, o estudo da conjuntura internacional aponta para o fato de que os prováveis envolvimentos de tropas brasileiras, em missões fora das fronteiras nacionais, demandará maior proteção blindada, precisão e letalidade dos meios bélicos postos à disposição do comandante tático.

Dito de outra forma, a dosagem de tropa mecanizada será maior. Inclusive, dependendo do terreno e das forças em presença, pode-se chegar ao emprego de carros de combate no escalão pelotão ou subunidade, como ocorreu com as forças canadenses, que se viram obrigadas a lançar mão de cerca de 15 Leopard 1C2 no enfrentamento com as forças insurgentes do Talibã.

Com base na linha de raciocínio apresentada, e para que o quadro descrito acima possa ocorrer, passaremos a apresentar alguns desafios que se impõem à nossa tropa pesada, quais sejam:

Ampliar a possibilidade de emprego de blindados de rodas e lagartas

Por décadas consagrou-se o paradigma das hipóteses de emprego, baseadas na premissa do quadro mais estável dos conflitos interestatais. Entretanto, a incerteza e volatilidade da conjuntura internacional remetem para a superação desse paradigma e sua substituição para o de geração de capacidades em contextos interagências e de coalizão.

Exemplos como o hipotético recrudescimento da tensão entre países podem ter efeitos imprevisíveis, onde o poder militar poderá ser chamado a garantir a liberdade de ação das decisões políticas. Ademais, parte das missões sob a égide da ONU poderá requerer capacidades de letalidade e proteção inerentes à tropa Bld/Mec, como mostrou o debate sobre um possível desdobramento na República Centro-Africana.

Logo, dada a incerteza, os planejadores militares devem buscar ampliar as possibilidades de emprego de blindados de rodas e lagartas. Ou seja, essa natureza de tropa pode ser útil, até mesmo decisiva, em terrenos restritos como áreas urbanas, em missões de paz ou humanitárias. Nesse contexto, nossa tropa deve ser educada e adestrada dentro do conceito da geração de capacidades, contemplada pelo acrônimo DOAMEPI: Doutrina, Organização, Adestramento, Material, Educação, Pessoal e Infraestrutura.

Assim, recomenda-se que estejamos em condições de operar com agências nacionais e internacionais, bem como tomar parte em coalizão de países, estando atentos às diferenças culturais e doutrinárias, além de aptos à comunicação em outros idiomas, em especial o Inglês e o Espanhol.

Carro de Combate Leopard 1 A5Br disparando no Campo de Instrução de Saicâ. Foto CMS

Acelerar o ciclo de tomada de decisão e promover a descentralização das ações

O ciclo de tomada de decisão é aspecto fundamental no combate embarcado. Quanto mais rápido e efetivo, resguarda o poder de combate de nossa tropa, como age na quebra da coesão moral do inimigo. Portanto, torna-se imperativo acelerar o ciclo de tomada de decisão, através da melhoraria da capacidade de consciência situacional, maior sistematização do trabalho de estado-maior e da consequente capacidade de transmissão de ordens.

Como complemento à essa capacidade, urge dotar tanto nossos escalões decisores e executantes de ferramentas que lhes propiciem a capacidade de entender o campo de batalha, analisá-lo à luz de um coerente processo de condução de operações, e de transmitir as ordens advindas de tais processos. Cabe, ainda, adestrar e permitir aos escalões subordinados o aproveitamento das oportunidades que se apresentarem, fruto das constantes evoluções da situação tática, como ensinava Clausewitz em sua obra Da Guerra.

De forma mais clara, aprofundar a incorporação do paradigma das missões atribuídas por sua finalidade, um conceito trabalhado no exército norte-americano no “Mission Command” e no “Combate em múltiplos domínios”, permitindo autonomia decisória aos escalões elementares.

Dessa forma, convém buscar atenuar qualquer excesso de centralização que vá de encontro à natureza do combate, que é, como dizia o pensador militar prussiano, “choque de forças vivas e com vontade própria”, caracterizado por “inúmeros pequenos enfrentamentos”, cujos resultados são de “difícil controle”.

Avançar nos estudos da logística aplicada às operações

Como dizia Napoleão, “os exércitos marcham sobre seus estômagos”. A tropa Bld/Mec o faz nas suas áreas de trens e parques de manutenção. Precisamos nos dedicar ao estudo do complexo fluxo de suprimentos requeridos para a sustentação do combate embarcado e ao adequado dimensionamento da capacidade para transportá-los.

Além disso, capaz de gerenciar a frota, bem como manuteni-la e repará-la em operações. Em tempo de paz, que gere conhecimento nas áreas de nacionalização de componentes e que possa induzir a base industrial de defesa ao domínio de tecnologias afetas à blindagem, sistemas direcionadores de tiro e componentes dos motores.

No plano da evacuação de baixas, chegar a um sistema que assegure ao ferido tratamento rápido e seguro, nunca perdendo de vista o fator dispersão, comum ao desdobramento de forças altamente móveis. Disso depende não só o moral, como também a agressividade de nossas guarnições.

Assim, torna-se necessário que o recém-criado ramo da saúde operacional também se dedique aos temas afetos à natureza da tropa pesada. Assuntos como técnicas de extração de feridos do interior de viaturas semidestruídas, tratamento de queimados, esmagamento de membros, requisitos operacionais para viaturas blindadas ambulância, entre outros, demandam atenção imediata.

Elevar o padrão de treinamento das guarnições

Ainda há espaço para melhoramentos no treinamento de nossas guarnições, em que pese a grande evolução experimentada desde a criação do CI Bld e das Seções de Instrução de Blindados. Tal avanço será possível através da ampliação da simulação e, sobretudo, na construção de novas áreas de treinamento compatíveis, onde o tiro do blindado progredindo no terreno contra alvos também em movimento possa ser realizado. Além disso, construir pistas adequadas ao treinamento das técnicas, táticas e procedimentos, tanto voltados para áreas urbanas, quanto para campo aberto.

O objetivo final é o de que nossas guarnições sejam submetidas a um programa de treinamento que as faça prosperar em um ambiente caótico e incerto, incorporando o conceito da antifragilidade do pensador Nassim Thaleb. Tal conceito representa um tipo de preparo que forneça ferramentas e atributos afetivos que permitam o desenvolvimento de combatentes física e mentalmente ágeis, adaptáveis, e que enfrentem quaisquer circunstâncias, por mais ambíguas que sejam, superando a fricção inerente ao combate, constatada por Clausewitz.

A experiência acumulada dos conflitos armados do século XX mostra que as principais habilidades requeridas das guarnições são a de progredir no terreno, controlar os fogos, comunicar-se e evacuar os feridos. Tropas bem adestradas compensam a pequena quantidade de blindados, impondo-se a inimigos numericamente superiores, como ocorreu nas guerras árabe-israelenses. Finalmente, pretendeu-se mostrar alguns dos desafios à frente para que nossa tropa Bld/Mec possa ser um eficaz instrumento de combate apto a garantir as decisões políticas do Estado brasileiro.

A crônica imprevisibilidade da conjuntura internacional impõe que comecemos a abordar cada um deles por meio da ampliação do nosso modelo mental com o qual pautamos o emprego de nossas tropas pesadas. Não percamos de vista que elas constituem a espinha dorsal da maioria dos exércitos mundiais.

Entre 1896 e 1916, em meio à grande instabilidade política, parte do EB estava focado nas situações de Canudos e do Contestado. Em 1918, diversos oficiais, entre eles o Marechal José Pessoa foram empregados junto ao Exército Francês nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial.

Pelotão do 1º RCC formado após testes de munição HEAT e APDS. Foto- CMS

AÇO, BOINA PRETA, BRASIL!

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